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Câmara ignora crise e apelo de Temer e aprova aumento de gastos públicos

Deputados petistas e de oposição garantem reajuste para diversas carreiras públicas Uma das propostas da ‘pauta bomba’ que detona o ajuste fiscal

Marina Rossi
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha.Gustavo Lima (Câmara dos Deputados)

A Câmara dos Deputados deixou claro que não será uma aliada na cruzada para tirar o país do buraco este ano. Na madrugada desta quinta, os deputados, inclusive do PT, aprovaram a proposta que vincula os salários de funcionários da Advocacia Geral da União (AGU), defensores públicos e da polícia federal e civil aos dos ministros do Supremo. A chamada PEC 443 (Proposta de Emenda à Constituição) pode custar 2,45 bilhões de reais ao ano para os cofres públicos, num momento delicado da economia, em que a equipe do ministro Joaquim Levy tenta acertar receitas e despesas desde que a conta entrou no vermelho no ano passado.

A Câmara, porém, ignorou a crise e os apelos da presidenta Dilma e do vice presidente, Michel Temer, e votou em massa a favor do reajuste, o que levou a um placar expressivo, de 445 votos a favor e somente 16 contrários, além da seis abstenções. Até os deputados do PT se mostraram indiferentes ao caos econômico, e ao pedido angustiado feito pelo vice-presidente Michel Temer nesta quarta-feira. Temer deixou o discurso ponderado de lado para ser mais enfático com o Congresso quanto à gravidade do momento. “Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvida que é grave, e é grave porque há uma crise política se ensaiando, há uma crise econômica que está precisando ser ajustada mas, para tanto, é preciso contar com o Congresso Nacional", disse o vice-presidente. Temer ainda apelou pela reunificação do país. "É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos. Estou tomando a liberdade de fazer esse pedido porque, caso contrário, podemos entrar numa crise desagradável para o país”, completou.

É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos Michel Temer

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, também reforçou o recado ao dizer que era preciso dialogar com os parlamentares para garantir a recuperação econômica. “A situação econômica é séria. A situação fiscal é séria”, reforçou ele, depois de se reunir com Temer.

Segundo nota do ministério do Planejamento, se o projeto seguir adiante no Senado, os servidores públicos terão um reajuste de até 66%, “muito elevado e inoportuno para o momento atual do país". O Ministério calcula que os vencimentos das categorias beneficiadas pelo aumento, quando estiverem no teto da remuneração, e prestes a se aposentar - hoje são 71.400 servidores - alcançará 30.471 reais, valor próximo ao salário da presidente da República, hoje fixado em 30.934 reais. "Não é adequado propor reajustes dessa magnitude no momento em que várias empresas e trabalhadores enfrentam dificuldades (...)", dizia a nota.

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Antes da proposta ir ao plenário, o Governo havia feito um acordo com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e com líderes aliados para adiar as discussões para o final deste mês. Essa proposta de adiamento foi votada na terça, mas a presidenta Dilma sofreu derrota, quando até deputados da base governista votaram contra a orientação de seus partidos.

Mais pauta-bomba

Além da PEC 443, há outras três propostas em tramitação no Congresso que concedem o mesmo benefício a outras carreiras do Poder Executivo, como a Polícia Federal e Polícia Civil do Distrito Federal (PEC 240/2013), e para auditores da Receita Federal e Fiscal federal Agropecuário (PEC 391/2014). O Governo estima que o impacto fiscal total desses quatro projetos em tramitação seja de 9,9 bilhões de reais ao ano.

A votação desta quarta representa uma derrota para o Governo, que pode ter de seguir encarando a 'pauta-bomba', o conjunto de projetos que aumentas os gastos públicos, que poderá custar bilhões para o Governo (leia mais abaixo).

Para Mansueto Almeida, economista especialista em contas públicas, essas pautas, quando entram em votação, mostram o Congresso “super refratário” ao ajuste fiscal. "O Governo está politicamente fraco, e pautas que aumentam os gastos existem aos montes", disse.

Para tentar sair dessa crise política e econômica, Almeida defende que primeiramente a administração petista assuma a crise econômica pela qual o país está passando. "Ninguém gosta de falar em crise, mas o Governo tem que ter liderança para assumir esse processo", diz. "O ajuste fiscal não está ajudando a melhorar. As previsões não são boas nem para os próximos 24 meses".

Além disso, o Governo deveria começar a negociar uma agenda positiva, segundo Almeida. "Essa agenda não anda por motivos ideológicos do próprio PT, como o marco regulatório do pré-sal, por exemplo", diz. "Isso não tem nada a ver com o ajuste fiscal e gera um impacto positivo".

As propostas de emendas à Constituição são apreciadas em dois turnos na Câmara dos Deputados e em mais dois turnos no Senado, sendo necessários 3/5 dos votos dos parlamentares em cada etapa para sua aprovação. No caso da PEC 443, a análise dos destaques ou demais emendas oferecidas ao texto ocorrerá na próxima terça-feira, dia 11.

Pauta-bomba: A queda de braço do Governo com a oposição

M. R.

Desde que anunciou seu rompimento com o Governo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, virou um fantasma que ronda o Palácio do Planalto. O medo da administração petista era que Cunha colocasse em votação na Câmara pautas que podem atrapalhar a gestão já complicada de Dilma Rousseff, como as que aumentam os gastos do Governo, ou barrando as que poderiam enxugar as contas.

Na primeira semana pós-recesso, o medo do Governo se concretizou. Começando com a PEC 443, a fila da 'pauta-bomba' é grande e deve complicar mais ainda a situação da administração petista se forem aprovadas. São elas:

PEC 061/2011 - DRU
Essa pauta é do Governo e propõe prorrogar para até 31 de dezembro de 2023 a vigência da Desvinculação de Receitas da União. Ou seja, o Governo quer que vigore por mais tempo a flexibilidade de transferir de uma pasta para outra os recursos disponíveis. É muito provável que a Câmara atrase ao máximo possível a votação dessa emenda.

PEC 300/2008 - PM
Essa PEC, de sete anos atrás, amplia o salário dos policiais militares em todo o país. Se votada, representaria um impacto de 60 bilhões de reais ao ano no orçamento da União.

PEC 1358/2015 - FGTS
A emenda amplia a correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pela remuneração da poupança e pode custar 10 bilhões ao ano.

Repatriação
O Governo defende um projeto de lei que permite a repatriação do dinheiro depositado por brasileiros no exterior e que não foram declarados à Receita Federal. Não há um valor oficial, mas as estimativas indicam que 100 bilhões de dólares poderiam retornar ao país. Cunha já se pronunciou, algumas vezes, dizendo que, enquanto o Planalto não apresentar um projeto próprio, não levará para votação projetos "apadrinhados" pelo Governo.

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