_
_
_
_
_
VIOLÊNCIA CONTRA A IMPRENSA NO MÉXICO

Assassinado no México fotojornalista que tinha recebido ameaças

Por segurança, Rubén Espinosa tinha ido de Veracruz para a Cidade do México em junho Foi encontrado em apartamento na capital junto com os corpos de quatro mulheres

Rubén Espinosa, fotojornalista assassinado.
Rubén Espinosa, fotojornalista assassinado.LUIS BARRÓN

O fotojornalista Rubén Espinosa, de 32 anos, que recentemente havia alertado que sua segurança estava em risco devido a seu trabalho em Veracruz, o Estado mais perigoso para o exercício do jornalismo no México, foi encontrado morto na sexta-feira (31/7) num apartamento na Cidade do México, a capital do país. Estava junto com os corpos de quatro mulheres, e em todos havia marcas de tiros.

Espinosa, especializado na cobertura de movimentos sociais e ativista contra as agressões à imprensa em Veracruz, tinha dito em entrevista ao portal Sinembargo que em junho começou a ser seguido por pessoas suspeitas e decidiu se mudar para a Cidade do México por segurança. O fotógrafo, que trabalhava como freelance para a revista Proceso e para a agência Cuartoscuro, fez um alerta sobre sua situação à ONG internacional de defesa dos jornalistas Artículo 19 e ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), com sede em Nova York. “Não confio em nenhuma instituição do Estado, não confio no Governo, temo por meus companheiros, temo por mim”, afirmou.

Mais informações
Desligou-se a câmera, foi-se o ativista
México, um inferno para a imprensa
Informar a partir da Síria, uma missão impossível
´O morto que denunciou o repórter´, por ELIANE BRUM
A coragem da imprensa livre

No sábado (1º/8) pela manhã foi noticiado o assassinato de cinco pessoas num apartamento em Narvarte, na região central da cidade, mas não havia detalhes precisos. À tarde a Artículo 19 e a revista Proceso informaram que uma irmã de Espinosa tinha reconhecido seu corpo no serviço médico legal. Tinha recebido golpes no rosto e tiros no peito.

A Promotoria da Cidade do México ainda não emitiu comunicado sobre o caso. A Comissão de Atenção a Vítimas, do Governo Federal, condenou o fato e pediu investigação “imediata e rápida”.

 As autoridades chegaram ao local do crime na sexta-feira à noite, alertadas por outra garota que morava no apartamento e se deparou com a situação ao chegar do trabalho. Segundo declarações de amigos próximos de Espinosa colhidas por este jornal, os fatos aconteceram em algum momento depois das duas da tarde da sexta-feira. Um de seus amigos trocou mensagens com ele a essa hora. Espinosa, que tinha ido à casa de suas amigas na quinta-feira à noite para uma festa e havia dormido lá, disse-lhe que iria à casa de seus pais, onde morava desde sua saída de Veracruz, e que mais tarde voltaria a falar com ele.

“Infelizmente conseguiram a chance e a aproveitaram”, disse um amigo de Espinosa

Um dia se passou até que uma irmã do repórter ligou perto das duas da tarde de sábado para esse amigo de Espinosa para perguntar se sabia dele. Começaram a procurá-lo. Ela chamou outro amigo que tinha ido na quinta à noite à mesma casa, sem dormir lá. Pouco depois foram ao prédio para checar se ele estava lá. Ao chegar, encontraram a polícia trabalhando. A irmã foi levada ao serviço médico lega e lá identificou o corpo.

Outro amigo de Espinosa, que cobriu junto com ele na quinta-feira um processo judicial, conta que ele estava “tranquilo” e pensando em voltar a trabalhar em Veracruz, mesmo não se sentindo seguro. “Eu lhe disse que seria melhor ficar, para não dar a ninguém a chance de lhe fazer algo lá. Infelizmente conseguiram a chance e a aproveitaram.”

 Segundo seus amigos, as ameaças recebidas por Espinosa em junho em Veracruz foram explícitas: “Tiraram fotos dele na frente de casa e fizeram sinais com os dedos para que ficasse calado”. Na entrevista ao Sinembargo descreve os que o vigiavam como “sujeitos mal-encarados” vestidos de preto.

Veracruz: alerta vermelho para os jornalistas

Veracruz, onde Espinosa -nascido na Cidade do México- trabalhava havia sete anos, é um Estado com forte presença do crime organizado, em especial do cartel de origem paramilitar Los Zetas. É uma região do México em alerta vermelho para a liberdade de expressão. Desde 2011, com o governador do PRI Javier Duarte no cargo, foram assassinados em seu território 15 repórteres, entre eles a correspondente da revista Proceso Regina Martínez, que tinha 30 anos de experiência. Ela foi encontrada estrangulada em sua casa em Veracruz. As autoridades concluíram que ela foi vítima de roubo ou de um crime passional. No começo de 2015, depois de uma campanha de pressão civil o Hay Festival decidiu sair de sua sede na cidade de Xalapa (no Estado de Veracruz) em razão dos ataques à imprensa.

Na entrevista que concedeu há um mês Espinosa destacou a crise de segurança pela qual passa o Estado: “É triste pensar em Veracruz, não há palavras para descrever o quanto está mal este Estado, este Governo, a imprensa, e o quanto está bem a corrupção. A morte escolheu Veracruz, a morte decidiu viver lá”.

O assassinato marca outro salto na violência contra jornalistas por sua dureza e por ter acontecido na capital

Em 2014 o México foi o sexto país do mundo com mais jornalistas assassinados e o mais mortífero do continente americano, segundo a organização Repórteres sem Fronteiras. Ocupa o 148º lugar entre 180 países na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa, no mesmo patamar do Afeganistão. O Governo mexicano registra morte de mais de 100 jornalistas desde 2000. Em 2015, até agora foram assassinados sete repórteres, incluindo Espinosa.

Diante da vulnerabilidade dos jornalistas mexicanos, especialmente dos que trabalham em publicações locais em regiões assoladas pelo narcotráfico e pela corrupção policial, o Governo criou em 2012 um mecanismo –que não funcionou– para a proteção de repórteres. Em 2014 seu primeiro titular renunciou, e até então os resultados eram decepcionantes: das 152 solicitações de proteção recebidas 58% (88 casos) nem sequer tinham chegado a ser analisadas pela junta que decide se são liberadas medidas de proteção ao jornalista.

O assassinato de Rubén Espinosa e das quatro mulheres que estavam com ele marca um novo salto no panorama de violência contra jornalistas por sua dureza e por ter acontecido num bairro de classe média no centro da capital, que até agora se supunha protegida dos extremos criminosos de outras regiões sem seu nível de desenvolvimento e de presença institucional. A reação nas redes sociais no sábado à tarde foi rápida e levou à convocação de um protesto para este domingo na Cidade do México com o lema #JusticiaParaRubén.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_