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Deus e o impeachment no arsenal de tweets de Eduardo Cunha

Presidente da Câmara usa as redes sociais para se alçar como o símbolo do antipetismo

Marina Rossi
Reprodução do Twitter @DepEduardoCunha.
Reprodução do Twitter @DepEduardoCunha.

Enquanto a PEC da reforma política, uma das maiores bandeiras do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), era discutida no plenário na semana passada, o peemedebista tweetava: "Mais uma vez tenho que desmentir as notas sempre de molecagem da coluna Radar. Ontem não estive na vice-presidência", escreveu, às 18h08, contestando uma informação publicada na coluna do jornalista Lauro Jardim, da revista Veja, que descrevia um encontro entre Cunha e Michel Temer. Ainda que estivesse em votação um dos projetos mais caros para a sua gestão, o deputado não se desconecta. Está sempre postando seus passos, a lista de votações na Câmara, e a sua interpretação do que está em jogo nesses pleitos, ou nos debates no cenário político.

Quem o segue no Twitter tem a sensação de que ele lê cada linha que é escrita sobre ele na imprensa. Nesta sexta, por exemplo, começou seus disparos no microblog assim: “Bom dia. Quero deixar claro que nunca neguei apoio a nenhuma medida do chamado ajuste fiscal”, escreveu ele. Seguiram-se 12 tweets para complementar sua argumentação. E Cunha adora argumentar.

"Ele não silencia no Twitter", observa Fabio Malini, professor e coordenador do Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que fez um levantamento na rede sobre o estilo de comunicação virtual do presidente da Câmara, que até esta sexta-feira alcançava 132.000 seguidores. "Nenhum deputado faz um trabalho tão bom [na internet] de divulgar as agendas e explicar as comissões", concluiu Milani.

Mas, outras curiosidades foram coletadas pelo professor nessa pesquisa sobre o polêmico deputado. 'Deus' é a palavra que mais aparece nos posts de Cunha nesta rede social, após as mais básicas para o seu cargo, como 'bancada', 'votação' e 'projeto'. O estudo também apontou que Cunha interage muito mais com deputados de outros partidos do que com os do PMDB. "Os rastros digitais de Cunha demonstram que ele está mais inclinado ao PSC [Partido Social Cristão, cuja maioria dos políticos são também pastores evangélicos] do que ao próprio PMDB", afirma Malini.

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Os deputados André Moura e Marco Feliciano, ambos do PSC, estão entre perfis com quem Cunha mais conversa pelo Twitter. "Políticos retweetam mensagens de outros perfis para dar popularidade e reconhecimento aos seus feitos, para mostrar concordância com relatos de fatos ou com visões do mundo que estejam em reciprocidade com seus pontos de vista", diz Malini. "O retweete, portanto, é um modo de expressão de afeto".

No Twitter, como um todo, Eduardo Cunha é pop. Apenas na última semana, quando ele foi acusado pelo consultor Julio Camargo em delação premiada, de ter recebido 5 milhões de reais em propina, o nome do presidente da Câmara apareceu 525.000 vezes no Twitter. "Para um político que não tem tanta expressão eleitoral [ele não figura entre os 10 deputados mais bem votados em 2014], é muita coisa", diz Malini.

Para rebater as denúncias de corrupção na Operação Lava Jato, Cunha anunciou seu rompimento com o Governo no dia seguinte ao da denúncia de Camargo, alegando que o Palácio do Planalto havia contribuído para que as acusações fossem feitas. Tornou-se, em seguida, a personificação do impeachment da presidenta Dilma. O post em que anuncia o rompimento foi o mais retweetado da história de seu perfil. "Ele trouxe para si a rede pró-impeachment", diz Malini. "E cria fatos políticos para minimizar sua aparição nas investigações da Operação Lava Jato". Na semana passada, o deputado multiplicou o seu número de tweets, com posts sobre a sua ruptura com o Governo, críticas à imprensa e explicações sobre seu nome envolvido na Lava Jato.

O primeiro círculo é formado por perfis no Twitter que @depeduardocunha mais compartilhou, e as linhas mais grossas demonstra os perfis que Cunha está mais vinculado (por retuitá-los mais). Fonte: Labic.
O primeiro círculo é formado por perfis no Twitter que @depeduardocunha mais compartilhou, e as linhas mais grossas demonstra os perfis que Cunha está mais vinculado (por retuitá-los mais). Fonte: Labic.Labic

O deputado sabe os temas que lhe dão ibope e sabe capitalizá-los. É o caso do antipetismo. Postou no último dia 18: "Presidente da Câmara receberá, em 30 dias, parecer jurídico sobre pedido de #impeachment". E foi retweetado por mais de 500 pessoas.

Apesar desse arroubo de independência do Governo Dilma, o levantamento de Malini revela que ao longo dos últimos quatro anos, a trajetória do deputado nunca foi governista. Seu lado 'parlamentarista' foi sempre mais evidente. Isso fica claro quando se observa que os posts que ele mais retweeta são os da Câmara dos Deputados. Além do perfil @aflornalista, que, curiosamente, só publica posts positivos sobre o deputado e segue apenas uma pessoa. Um retweet para quem adivinhar quem é.

De acordo com Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, essa popularidade de Cunha na internet - seu perfil no Facebook tem 115.000 'curtidas' - é refletida, em parte, na vida real. "Há uma transferência do capital político que Cunha tem nas redes sociais para a vida real", diz. "E ele tem potencial muito significativo para causar estrago no Governo". 

Essa agenda voltada à derrubada do Governo Dilma, porém, pode ser perigosa para o deputado. "Talvez ele tenha falhado ao antecipar demais essa agenda do impeachment", diz Malini. A expectativa que Cunha está gerando em relação ao pedido de impeachment que, até o momento, não tem nenhuma base legal para ocorrer, pode ser um tiro no pé. Sua base na internet - a direita mais radical - pode não ter muita paciência para esperar por um processo que exige tempo para acontecer. "Nossas previsões são que o impeachment tem 20% de chances de acontecer", diz Rafael Cortez.

Se esse processo não ocorrer, a imagem de Cunha como o grande líder do impeachment pode esfacelar. "O Cunha é frágil nas redes sociais se não tiver a rede pró-impeachment", diz Malini. "Ele tem apenas os pastores evangélicos e o PSC para segurar o rojão".

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