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Reféns da esquecida guerra do Iêmen

Presos entre várias frentes, 1,2 milhão de refugiados sofrem os bombardeios e o embargo

Natalia Sancha
Ahlan Nasser e sua filha, no acampamento de Darawan.
Ahlan Nasser e sua filha, no acampamento de Darawan.N. S.

A jovem Ahlan Nasser é um dos mais de 1,2 milhões de refugiados internos iemenitas. Vem de Al Buq, passagem fronteiriça com a Arábia Saudita; uma das regiões mais castigadas pelos bombardeios da coalizão liderada pelo Reino do Deserto para lutar contra a milícia dos Huthis, que combate contra o Governo de Saná em uma guerra tribal, que desde 2014 já deixou mais de 3.300 mortos, metade deles civis.

Inúmeros pequenos acampamentos informais pontuam o caminho ao sul, até Saná, a capital. Ahlan, junto com outras 65 famílias, mora no acampamento de Darawan, 40 quilômetros ao norte da capital. Com seus 20 anos de idade recebeu o pior da guerra. Perdeu três filhos, um para cada mês de bombardeios. Grávida de sete meses, Ahlan não teve tempo para lutos. Hoje aferra-se à pequena Rahma, de 10 dias, nascida sobre uma lona suja da ONU que serve como abrigo. “Não tínhamos os 70 euros (242,4 reais) para o hospital, de modo que dei à luz aqui com a ajuda de minha mãe”, conta. Ahlan, com o restante das mulheres, mendiga entre os carros que transitam na rodovia próxima.

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A maior parte dos refugiados iemenitas abriga-se em casas de parentes distantes. Os que não têm para onde ir levantam frágeis tendas para novamente serem bombardeados e caminhar várias horas por dia para pegar água. Outros, como a família de Fouad Hassan, de 38 anos, dormem em salas transformadas em refúgio no colégio Al Quds de Saná. Fugindo do norte, também perderam tudo. Dependem das doações de empresário iemenitas.

As bombas, as frentes de batalha abertas e o embargo que arrasa o Iêmen somam-se ao fardo da pobreza, que afeta 21,1 milhões de pessoas; 80% da população, segundo a ONU. “A guerra é a última das desgraças que assola o Iêmen. Antes já era um dos países mais pobres da região”, comenta Nicoletta Giordano, chefa de missão da Organização Internacional para as Migrações (IOM) nesse país.

As prateleiras dos mercados se mantêm guarnecidas, mas os preços impedem que a maioria da população tenha acesso a esses bens. O mercado negro floresce ao mesmo tempo em que os preços triplicam e a mendicância se faz cada dia mais visível na capital.

A maioria dos funcionários da ajuda internacional têm a mesma opinião de que existem três grandes problemas que atingem a população: a falta de combustível, por conta do embargo; a dificuldade de acesso em muitas regiões, pela insegurança, e a quantificação dos mais vulneráveis. Somente 60% dos 303 distritos do país são razoavelmente acessíveis. Além disso, não há fundos disponíveis para um país que parece ter sido esquecido.

Entre os lugares de mais difícil acesso está Hadramut, no leste do país. De lá fugiram recentemente 50.000 iemenitas. A Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) conseguiu na segunda semana de julho enviar o primeiro comboio de ajuda em três meses a esse feudo da Al Qaeda na Península Arábica.

Hadi retoma Adem

No sudoeste do país, Adem é o segundo maior epicentro de refugiados, com 200.000. Campo de batalha entre os dois grupos que disputam o país, a resistência ao grupo Huthi, composta pela versão local da Irmandade Muçulmana apoiada por Riad e rival do movimento zaidita – um ramo do islamismo xiita seguido por um terço dos iemenitas –, retomou a cidade na quinta-feira.

Nesse dia, vários ministros do Governo de Abdu Mansur Hadi, exilado em Riad, chegaram à cidade costeira em helicópteros fretados na Arábia Saudita para festejar a vitória. Mas essa não implicou um esfriamento da situação. No domingo, pelo menos 40 civis morreram em Adem e 110 foram feridos nos ataques Huthi.

E ao mesmo tempo em que a fome se espalha, também o faz o ódio entre os nortistas partidários da milícia Huthi e os sulistas das províncias de Taez e Lahj. “Aqui não podemos ver um só Huthi, são odiados. Mas a Irmandade Muçulmana também não é melhor. Nós morremos de fome e eles recebem armas de helicópteros”, diz Yasmine, moradora de Adem. Presos entre as duas frentes e uma terceira ao Leste com o progressivo crescimento da Al Qaeda, os iemenitas fazem malabarismo à beira do colapso.

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