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Grécia decide o destino do euro e da União Europeia

O resultado do referendo não garante em nenhum caso a saída da crise

Mulher em um supermercado de Atenas no sábado.
Mulher em um supermercado de Atenas no sábado.ARIS MESSINIS (AFP)

A Grécia vai às urnas neste domingo em meio à incerteza. Quase 11 milhões de gregos foram chamados a votar uma proposta que já não está sobre a mesa, o que transforma o referendo em outra coisa: um plebiscito sobre Alexis Tsipras e a Europa. No pior dos cenários, a crise grega ameaçará a irreversibilidade do euro se a Grécia se vir obrigada a abandonar o clube. Representa um castigo para a credibilidade da União, incapaz nos últimos cinco anos de solucionar o problema de um país que concentra 2% do PIB europeu. E abre um pouco mais a torneira do euroceticismo às vésperas do referendo britânico.

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A política é a forma pela qual uma sociedade lida com a incerteza, costuma dizer Luuk Van Middelaar, historiador, filósofo, ex-funcionário europeu e um dos pensadores que acreditam que a crise grega volta a examinar a Europa e seu estado de transição permanente, na medida em que expõe a ausência de uma verdadeira política continental além da “Europa robusta” da chanceler Merkel. A Europa alemã se transformou em uma massa de regras e normas incapazes de responder de maneira adequada a uma daquelas crises que acontecem uma vez a cada século: a Grécia é o máximo expoente desse fiasco, com seu desemprego recorde e sua dívida impagável apesar da, ou talvez devido à, chuva de milhões em forma de ajuda associada a condições demasiado exigentes para um país sem estrutura. A Grécia conseguiu entrar no clube europeu com um modelo de Estado clientelista, quase cleptocrático, e não foi capaz de reformar-se nem com a social-democracia, nem com a centro-direita, nem, agora, com a esquerda radical.

Nos últimos meses, Europa e Atenas queimaram quase todas as pontes: a desconfiança entre o Governo grego e as instituições está no ápice. Em particular – e por vezes em público – , ministros do Norte e do Sul confessam estar “fartos” de dar dinheiro e negociar com a Grécia sem resultado. O referendo, que Bruxelas vê como um voto sobre a Europa, abre um amplo leque de possibilidades: nenhuma delas será um caminho de rosas.

Conta elevada

O contínuo desacordo entre a Grécia e os credores, antes chamados de sócios, deixará, no melhor dos casos, uma profunda cicatriz política, econômica e financeira no baixo-ventre da Europa. E exigirá muito mais dinheiro do que teria sido necessário caso se tivesse chegado a um acordo.

Mas além de resolver essa formidável crise que se avizinha, a Grécia coloca a Europa diante de um desafio de longo alcance: a suspeita de que o euro “já não serve de impulso para nenhum lado” – segundo Jean Pisani-Ferry, assessor de François Hollande – , com essa inquietante fratura Norte-Sul e sobretudo com as eternas dificuldades para corrigir os erros nos dispositivos de segurança do clube, para retocar um edifício que está muito distante de ser concluído. Em meio aos trabalhos de remodelação, o referendo da Grécia (e logo mais o do Reino Unido) constitui uma emenda à totalidade da “União cada vez mais estreita”, um dos leitmotiv que caracterizaram o projeto.

A Grécia permite constatar que a velha maldição – “a Europa se forjará nas crises” – continua vigente: “A União, que há anos exige reformas por todo lado, necessita ela mesma de uma reforma profunda; talvez a Grécia seja o catalisador”, diz Van Middelaar.

Com um PIB semelhante ao da área metropolitana de Madri, surpreende que a Grécia absorva todas as energias em um momento tão delicado, em que sobram problemas a norte (Rússia), sul (imigração), leste (a irrupção da Ásia) e oeste (Reino Unido).

“A Europa precisa tapar esse buraco, mas em longo prazo deveria admitir que esse não é um problema grego: é a enésima metamorfose da crise do euro, que combina uma crise econômica devastadora e uma formidável crise política com um projeto institucional deficiente, incapaz de atender interesses nacionais cada vez mais divergentes”, diz o sociólogo José María Maravall, que atribui os erros “à insistência na austeridade germânica, defendida por péssimos economistas, e à incapacidade de Atenas de fazer reformas com más desculpas”. “A UE certamente tenderá a uma maior integração, mas talvez sem a Grécia, que está expulsando a si mesma”, segundo o politólogo Takis Pappas. “Um núcleo duro de países poderia concluir que é necessário avançar mais, mas para isso é imprescindível compartilhar certos valores, e aí a coisa se complica”, acrescenta Richard Youngs, do Carnegie. O mais duro é Marcel Fratzscher, presidente do DIW alemão: “A Grécia pode servir como advertência aos países sobre o que acontece quando um Governo se recusa a fazer reformas e cooperar com seus parceiros”.

A Grécia vota neste domingo em uma situação calamitosa. Seus bancos estão em coma induzido. Sua economia entrou em queda livre. Sua estabilidade política está em causa. E o Governo faz uma pergunta (de 72 palavras, nada menos) sobre uma proposta que não está mais sobre a mesa e que pode significar a saída do euro. Nesse caso, o contágio será mais limitado que em 2012, repete Bruxelas, porque o continente está mais bem equipado: o BCE é quase um emprestador de última instância (apesar da Alemanha), o mecanismo de resgate (Mede) está operante, a união bancária progrediu e os bancos se recapitalizaram em um quarto de trilhão de euros (850 bilhões de reais). “Mas, no longo prazo, o euro se transforma em um estranho animal político com um comportamento imprevisível: se já não é irrevogável, os mercados atuarão em conformidade quando chegar a próxima recessão”, diz o economista Paul De Grauwe.

Convencer Berlim

Todo o mundo sabe do que a Europa precisa, mas ninguém sabe como convencer Berlim e companhia de que o clube deve compartilhar riscos, ter um orçamento do euro para absorver choques, um fundo de garantia de depósitos e um Tesouro ou aqueles eurobônus que Merkel garantiu que os alemães nunca verão enquanto ela viver. Com casos como o da Grécia, cresce a desconfiança. Frente a essa cartografia da futura UE, o velho drama existencial da Europa: como ceder soberania sem ser por força de crise. Mas é isso ou a tentação da maquiagem: superar a dificuldade grega com um remendo até o próximo problema. Ou talvez desmentir o velho adágio que diz que a Europa é uma bicicleta: não anda para trás e se parar, cai.

Estoque oficial de petróleo e medicamentos

O ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, declarou em uma entrevista ao jornal britânico The Telegraph que o país tem reservas de petróleo para seis meses e produtos farmacêuticos para quatro, para enfrentar uma possível crise. O ministro afirmou também que o controle de capitais não afeta os alimentos.

"Se a Grécia quebrar, se perderá um trilhão de euros (o equivalente ao PIB espanhol). É muito dinheiro, e não acredito que a Europa possa permitir isso", comentou Varoufakis ao jornal El Mundo, e reiterou que renunciará se os gregos votarem sim na consulta de domingo. "O que estão fazendo com a Grécia tem um nome: terrorismo", disse.

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