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Relações Diplomáticas entre Cuba e EUA
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Como promover a democracia sem falar de democracia

Obama espera que a aproximação com Cuba e Irã propicie mudanças nesses países

Marc Bassets
Um grupo de mulheres se manifesta a favor da paz durante a crise dos mísseis, em 1962.
Um grupo de mulheres se manifesta a favor da paz durante a crise dos mísseis, em 1962.Getty Images

Um fio conecta as negociações em Viena sobre o programa nuclear do Irã e a reabertura das embaixadas dos Estados Unidos e Cuba, que o presidente Barack Obama anuncia nesta quarta-feira em Washington. O espírito que inspira ambas as iniciativas é o mesmo. Em 2008, durante a campanha eleitoral que o levou à Casa Branca, Obama prometeu dialogar com países inimigos. E cumpriu a promessa. A Casa Branca espera que o diálogo leve à democratização de Cuba e a uma melhora das relações com o Irã que ajude a estabilizar o Oriente Médio.

Os Estados Unidos romperam relações diplomáticas com Cuba em 1961, após a revolução. Com o Irã, o rompimento aconteceu em 1980, depois de outra revolução. Em ambos os casos, a superpotência da Guerra Fria perdeu um parceiro de valor estratégico e viu como caía na órbita de movimentos hostis, o comunismo e o islamismo. Em 1977, Cuba abriu um departamento de interesses em Washington que fazia algumas funções da embaixada. A antiga embaixada do Irã em Washington continua vazia.

Apesar das diferenças, em Teerã e em Havana, em Washington e em Viena, o resultado hoje é o mesmo: a eficácia da doutrina Obama

As diferenças entre o degelo cubano e o iraniano são notáveis. EUA e Cuba retomam hoje as relações diplomáticas. Obama se reuniu com o presidente cubano, Raúl Castro. Certamente, o momento em que o mundo esteve mais perto do apocalipse atômico foi a crise dos mísseis em Cuba, mas faz anos que deixou de ameaçar os EUA ou seus aliados.

O Irã é diferente. Os parceiros dos EUA no Oriente Médio veem no Irã um perigo para a estabilidade do Oriente Médio, uma das regiões mais instáveis do planeta. As potências mundiais suspeitam que o país quer fabricar a bomba atômica. Sim, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e seu homólogo iraniano, Javad Zarif, estão há um ano e meio conversando, mas a possibilidade de que os EUA e o Irã retomem as relações diplomáticas é remota. Em 29 de maio, o Departamento de Estado retirou Cuba da lista de países que patrocinam o terrorismo. O Irã continua na lista.

Apesar das diferenças, em Teerã e em Havana, em Washington e em Viena, o resultado hoje é o mesmo: a eficácia da doutrina Obama.

Os críticos denunciam o perigo de fazer concessões a regimes teocráticos ou autoritários. Mencionam os opositores e dissidentes perseguidos no Irã e em Cuba. Alertam que a imagem do presidente ou seu secretário de Estado confraternizando com seus líderes os reforça e legitima. É, segundo esse ponto de vista, a realpolitik em sua pior versão: o realismo que se esquece dos valores democráticos e dos direitos humanos e acaba prejudicando os interesses nacionais dos Estados Unidos. A democracia não está na agenda das negociações com Cuba nem com o Irã.

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Mas a democracia, segundo Obama, não chega com uma varinha mágica. Nem com bombas. Wandel durch Annäherung, ou a mudança através da aproximação, era a frase que definia a Ostpolitik, a política para o Oriente do chanceler alemão Willy Brandt. Não era preciso cortar laços com a Alemanha Oriental e com o bloco soviético: a esperança era de que, com a abertura ao outro bloco, eventualmente o Muro cairia (a discussão ainda está em aberto: no final, foi a combinação de abertura diplomática com os mísseis Pershing).

Uma ideia semelhante impulsiona a doutrina Obama. A Casa Branca não acredita que Cuba se transforme em um Vietnã ou em uma China do Caribe, uma economia capitalista com um regime autoritário: a proximidade geográfica e cultural com os EUA a diferencia dos países asiáticos. Segundo esse argumento, o comércio e o turismo norte-americanos devem abrir as janelas, arejar a ilha e, no final, precipitarão a mudança.

Com o Irã não se fala sobre direitos humanos e democracia. A negociação limita-se ao programa nuclear iraniano. Mas Obama está convencido de que as consequências de um acordo o transcendem. "Um acordo nuclear consegue muitas coisas ao mesmo tempo", disse seu assessor Ben Rhodes à revista The New Yorker. "Potencialmente poderia abrir a porta a outro tipo de relação entre os Estados Unidos e o Irã que, em nossa opinião, seria muito saudável para a região."

Em Cuba e no Irã, Obama espera que as mudanças pragmáticas provoquem transformações duradouras. O acordo com Cuba está fechado. Em Viena, os negociadores estipularam uma semana, até terça-feira, para concluir um acordo que resultaria em duas semanas intensas nos EUA. Um fio conecta a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a reforma do sistema de saúde de Obama — aprovados pela Suprema Corte na semana passada — com o degelo com Cuba e com o Irã. Os EUA estão mudando. Seu lugar no mundo, também.

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