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Goiânia, a efervescência da música sertaneja é aqui

A capital de Goiás é parada obrigatória para os que querem fazer sucesso no sertanejo

Felipe Betim
A dupla Dyogo e Deluca, em Goiânia.
A dupla Dyogo e Deluca, em Goiânia.F. Betim

Goiânia ferve. São onze horas da noite de uma quinta-feira e o famoso setor Marista, bairro central da capital do Estado de Goiás, é um formigueiro de pessoas. Todas vestidas de modo im-pe-cá-vel para desfrutar de mais uma noite dessa região de bares, pubs e boates que pode perfeitamente ser comparada, por exemplo, à Vila Madalena de São Paulo. A diferença fundamental é que se escuta apenas um tipo de som: o da música sertaneja. E ao vivo.

A cidade do centro-oeste do Brasil, a 208 quilômetros de Brasília, é também a capital do sertanejo e parada obrigatória para os que querem fazer sucesso no país com este estilo musical. "Se você chacoalha uma árvore, caem 10 cantores de música sertanejo", dizem os que ali moram. Praticamente todos os grandes artistas passaram pela cidade em algum momento. A equação é simples: para estourar no Brasil, primeiro é necessário estourar em Goiânia.

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Nesta noite, os artistas Dyogo e Deluca comandam o espetáculo no palco do Valley Pub. Cantam, dançam, pulam sem desafinar e sem desmanchar o topete. Durante horas. Há três anos, essa dupla decidiu que era hora de fazer as malas e mudar de cidade. Ambos nasceram em Araguari, no interior de Minas Gerais, e queriam dar um salto na carreira. Destino natural, optaram por Goiânia.

A cidade foi o trampolim para que famosos como Zezé Di Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, Bruno e Marrone e, claro, Cristiano Araújo, se lançassem nacionalmente. A morte de Araújo, vítima de um acidente de carro na última quarta-feira, causou uma comoção nacional que pegou milhões de brasileiros, poucos familiarizados com a música sertaneja, de surpresa.

O jovem cantor —um fenômeno não apenas em Goiânia, cidade onde viveu toda a sua vida, mas em toda a região centro-sul do país— faz parte de uma geração de artistas que deu um novo impulso para a música sertaneja nos últimos 10 anos. "É uma onda que já vem crescendo há muito tempo", explica que Marcus Vinícius Castro, diretor de marketing da Audiomix, a maior empresa do país que gerencia carreiras artísticas da música sertaneja —e proprietária da boate VillaMix, a principal de Goiânia. Nessa época, este carioca radicado em Goiânia trabalhava na Som Livre, quando o único artista da gravadora era a Xuxa. "Éramos basicamente uma compiladora. Até que o mercado da música começou a espremer e tivemos que buscar artistas próprios. Procuramos justamente onde as grandes gravadoras não estavam: o mercado sertanejo, que estava entrando em ebulição no interior do país", explica.

Se antigamente o sertanejo estava muito relacionado ao cenário caipira do centro-oeste brasileiro, com letras e uma linguagem típicas do interior, hoje o gênero está mais próximo dos jovens e com uma linguagem cada vez mais urbana. "Hoje é o mais ouvido e mais vendido em todo o país. E o estilo tem uma coisa muito peculiar: se adapta a outros com muita facilidade e muita competência. Pode se misturar com o arrocha, o forró ou axé, mas sem perder a veia sertaneja", acrescenta Castro. Há cinco anos, explica, finalmente explodiu em capitais como Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte e São Paulo —"até Salvador se rendeu ao sertanejo... menos o Rio de Janeiro". No ranking da revista Billboard da músicas mais escutadas na rádio brasileira, as 20 primeiras são de artistas sertanejos.

Apesar dessa explosão nacional, Goiânia, que integra uma das regiões que mais cresceu nos últimos anos com a expansão da agricultura brasileira, continua sendo seu principal cenário. Caminhar pela cidade significa estar constantemente escutando o sertanejo que sai dos bares e restaurantes, das rádios dos carros e da voz de seus cidadãos, que parecem sempre estar cantarolando algo.

Nos bares do setor Marista, os jovens artistas trocaram a bota de couro pelo tênis, o chapéu de cowboy por um topete, a camisa xadrez por uma camiseta justa em cima de calças igualmente apertadas e, muitas vezes, a sanfona por um teclado. Os estabelecimentos são grandes, tão caros como em São Paulo ou no Rio. No Valley Pub, onde a dupla Dyogo e Deluca cantava, os homens têm que pagar 50 reais para entrar enquanto as mulheres pagam 30; decorado com enormes lustres e cortinas vermelhas, chapéus no teto e fotos nas paredes, esse bar recebe em seu palco central —com um som de altíssima qualidade— principalmente os artistas em ascensão, que cantam para um público majoritariamente jovem, urbano e de classe média-alta. “Nos últimos anos, essas famílias do interior melhoraram muito de vida. Podem frequentar shows, feiras, eventos... E isso também deu um impulso ao sertanejo”, explica Castro, da Audiomix.

Também pudera. A economia em Goiás cresce até cinco vezes mais que a nacional com o boom do agronegócio. É mais dinheiro circulando nas últimas décadas, que patrocinam o sucesso do sertanejo. Nos anos 90, o estilo ficou mais popular com Zezé Di Camargo e Luciano, e foi ganhando novos astros, como Cristiano Araújo, desde então.

O sertanejo foi ficando mais pop e, quanto mais pop, mais pessoas querem se aventurar no mundo artístico.

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