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Refazer nossos projetos de vida

Pode chegar o dia no qual o que somos e fazemos não seja o que desejamos. Diante da crise pessoal e do medo da mudança, o caminho é se fazer as perguntas adequadas.

Anna Parini

Em determinados momentos de nossa vida, tudo o que nos levou e acompanhou até um momento preciso parece perder o significado e sentimos uma necessidade urgente de sair de onde estamos para empreender novos rumos, mesmo sem sabermos exatamente para onde eles nos conduzirão. Queremos experimentar novidades, há um impulso que nos leva a querer trocar de parceiro, de casa, de trabalho, de profissão e de ambiente. Aquilo pelo qual lutamos durante anos, ao que nos dedicamos com esmero, parece estar desmoronando. Somos invadidos por uma incerteza interior, uma grande dúvida: ficar nesse “lugar” no qual nossa vida parece ir se apagando por inanição ou soltar o lastro e se abrir ao desconhecido?

Essa coisa que nos empurra a sair de onde estamos varia de acordo com a situação, a pessoa, suas relações, sua idade e sua história. Pode ser a busca de um sentido, a insatisfação, o desconforto e o tédio ou a falta de motivação. Também podem ser perguntas como: vou continuar assim até meus últimos dias? É isso mesmo o que eu quero? Que sentido tem o que eu estou fazendo e a maneira como estou vivendo minha vida? Tomar a decisão de mudar frequentemente implica em provocar rupturas, confusão e sofrimento, e entrar em crise.

É preciso fluir, mesmo em meio à incerteza. Já que não sabemos o que nos espera depois dessa mudança, essa inquietude pode provocar uma falta de força interior. No entanto, desapegar daquilo que nos prejudica e nos torna pequenos é o que liberta e fortalece.

Entre os 40 e 50 anos de idade, muitas pessoas se dão conta de que não estão vivendo sua vida ou que não desejam a vida que têm. Querem deixar o trabalho que fazem há anos e se dedicar a outra coisa ou se formar em outros âmbitos profissionais. Muitos até se voluntariam em uma ONG e vão para outro continente. Alguns deixam seus parceiros e partem sós ou com outras pessoas. Definitivamente, precisam de uma mudança radical.

Quando um ser humano tem um ‘para que’ pode atravessar qualquer ‘como’

Viktor Frankl

Essas transformações bruscas podem desembocar em situações de crise existencial profunda. Minha crise pessoal chegou quando tudo aquilo que, durante anos, tinha dado suporte e sentido à minha vida deixou de ser a base que tinha me apoiado. Apesar de estar rodeada de gente, sentia-me só, incompreendida e em um deserto. Estava me afogando e morrendo por dentro. O que me empurrava era um anseio de liberdade e criatividade.

Comecei falando com pessoas com quem convivia naquela época e me senti totalmente incompreendida. Assim, iniciei diálogos com outros amigos mais distantes, que acabaram se tornando verdadeiros amigos. Me arrisquei, me abri. Uns me deram as costas e outros me acolheram.

Em situações de “tsunami vital” é imprescindível refletir, escrever, passear, estar em contato com a natureza, para que seja possível escutar a si mesmo. É também importante se abrir e conversar para não se desesperar deixando lá dentro tudo o que se está vivendo. Confidenciar segredos e arriscar-se a ser incompreendido e a criar novos vínculos. Escutar nossa intuição, o que sentimos, e seguir os passos que nos aproximem de nossos desejos nos ajudam a sair da estagnação. É possível que algumas pessoas que nos acompanharam em uma parte de nossa vida deixem de fazê-lo na nova etapa. Mas vão surgir outras relações que vão nos nutrir de maneiras diferentes. Temos que aprender a nos soltar se queremos viver com nossa vitalidade florescendo. Para conseguir isso é bom confiar em si mesmo e na vida; é algo fundamental para avançar em um mundo cheio de incertezas.

Também é importante ser consciente do que queremos saber sobre nós mesmos. Trata-se de se fazer perguntas que resultem em reflexões que levem a encontrar sentido e propósito, a conectar de novo com os sonhos e a criar novos projetos atraentes e que nos façam sair do obstáculo, descobrindo novos sentidos para nosso ser e fazer.

Quando vivemos uma estagnação em qualquer relacionamento importante, é necessário se reciclar. Mas há medos (da ruptura, do conflito ou de não ser compreendido) que aparecem como obstáculos. Há um exercício simples que serve para identificar aqueles temores que nos impedem dar o passo necessário para poder viver nossos desejos. Escolha uma área em que você se sinta estagnado e faça estas três perguntas: O que eu realmente quero? Quais obstáculos estão no meu caminho? O que me impede de enfrentar ou superar esse obstáculo?

Para cada medo que aparecer em resposta à terceira pergunta, você pode fazer as seguintes perguntas:

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Qual é a pior coisa que pode ocorrer se acontecer o que eu temo? Qual é o melhor resultado possível para mim ou para os demais se eu o fizer mesmo sentindo medo ao fazê-lo? O que provavelmente acontecerá entre essas duas coisas?

Para saber mais

De Rabindranath Tagore

“Dormia e sonhava que a vida era alegria. Acordei e vi que a vida era servir. Servi e vi que servir era alegria”.

LIVROS

Ensinamentos sobre o amor – Desenvolvendo a capacidade de amar com alegria e compaixão

Thich Nhat Hanh (Oniro. Barcelona, 1998)

Recomendo que você tente realizar a atividade que lhe atraia ao menos três vezes: uma para aprender a fazê-la; a segunda para superar o medo de fazê-la e a terceira vez para descobrir se você realmente gosta ou não!

Às vezes a mudança é imposta por normas, por exemplo, na aposentadoria, ou quando é o cônjuge que vai embora e nos deixa sozinhos, ou quando ocorre uma morte ou um acidente que implica um antes e um depois. Se a pessoa vive a necessidade de reconstruir o seu projeto de vida a partir da resignação, sentindo-se presa nela, sua vida e seu sonho se apagarão lentamente.

Isso aconteceu com Sonia. Quando a conheci, seus filhos já haviam casado, mas seu marido tinha tido uma morte rápida fazia cinco anos e ela afundou em grande sofrimento. Sentiu um enorme vazio, se perguntava todos os dias por que isso tinha acontecido com ela, e tais questões aumentavam sua dor e sua tristeza. A meditação a ajudou a mudar de atitude e a ser grata por ter podido desfrutar seus anos de vida conjugal com grande satisfação. Ela mudou completamente sua visão, entendeu a morte a partir de outra perspectiva e passou de resistir à nova situação a aceitá-la totalmente. Em vez de se lamentar e se queixar, ela começou a reconstruir e a ter uma atitude de gratidão.

Deixou de se questionar: “Por que isso aconteceu comigo?”, “Por que ele se foi quando ainda era jovem?”, e passou a perguntar: “O que posso fazer de agora em diante para proporcionar algo positivo?”. Também passou a agradecer por tudo o que tinha compartilhado e aprendido nos 40 anos de casamento. De acordo com as perguntas que fazemos a nós mesmos, as respostas podem nos levar ao aumento da dor e do sofrimento ou a nos libertar e renascer em cada momento. Em seu caso, Sonia decidiu entrar em uma ONG e ajudar os outros. Meditar a ajudou a encontrar seu eixo interior e a obter a força para se reinventar.

Muitas pessoas cujo projeto de vida se baseou em alcançar sucesso, poder, dinheiro, privilégios e status sentem que chega um momento em que tudo deixa de ter sentido. O individualismo que sustentou a vida delas deixa de alimentá-las. E é então que elas precisam se abrir aos outros. Começam a considerar o significado de sua presença no mundo. A atitude de servir as leva a espaços de conexão com os outros, a criar vínculos, comunhão e comunidade. Ao servir, mudam uma atitude que era fonte de sofrimento. Deixam de pedir e de necessitar, passando a dar e a compartilhar. É no dar e no se doar onde está a semente da felicidade. Em tempos de grande tristeza, como em um duelo, servir ajuda a sair desse estado e a se conectar com alegria.

Servir aumenta a capacidade de amar o próximo. A generosidade é reforçada. A pessoa que serve cresce em humanidade e grandeza. Não é uma grandeza baseada na ostentação ou na fama, mas em viver uma vida com sentido.

Mudar o rumo

Provavelmente nunca tivemos tanto e ao mesmo tempo nunca estivemos tão insatisfeitos. Que sociedade construímos para que isso aconteça? Criamos um paradigma baseado na necessidade, na avareza e na consciência da escassez. Vivemos pensando em como podemos enriquecer mais, ter mais, conseguir mais e crescer mais. Isso faz com que chegue um momento em nossa existência que desmoronam o sentido e o para que do que fazemos. Precisamos criar projetos de vida que nos permitam viver como servidores. Em vez de perguntar: Como posso tornar-me mais rico, mais poderoso e ter mais? Talvez devêssemos mudar a pergunta e questionar: O que o outro necessita? Como posso contribuir par a criar um mundo melhor?

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