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Coluna
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O amor não depende de namoro

Aqui defendo meu velho fragmento da distopia amorosa; não há o homem da sua vida, há no máximo o homem do ano, do semestre, do mês, da quinzena, da semana...

'Cadeados de amor' na Ponts des Arts, em Paris, antes da retirada.
'Cadeados de amor' na Ponts des Arts, em Paris, antes da retirada. Charles Platiau (REUTERS)

Fui me despedir da minha Natasha (digo Nastassja) Kinski predileta em uma cabine de peep show do Miami Show Center, ai de mim Copacabana, que encerrou as atividades depois de duas décadas. A derradeira casa do gênero no Rio Babilônia, talvez a última da América Latina. Lágrimas do lado de cá e do outro lado do vidro da cabine de striptease com a “garota número 7”, na ordem das apresentações. Tudo como naquele filme Paris, Texas, com a inesquecível personagem Dela, digo, da menina Natasha que abre as cortinas dessa crônica em veludo azul reluzente.

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Meu intocável amor voyeurístico de alguns outonos. Colamos um no outro para o último beijo envidraçado. Minha Natasha dançava, ao som de Aretha Franklin, música Drinking Again, acredite. Minha Natasha como no desenho das ondas sinuosas em branco & preto da avenida Atlântica.

Flanei por uma tarde-noite no bairro mais famoso do mundo, este sítio que reúne Nova York e Madureira em uma mesma calçada. Depois da cerimônia do adeus só me restava a velha arte de chutar tampinhas pelas ruas, coisa que aprendi com o amigo e escritor João Antônio. Só me restava...

Depois da minha platinum platônica carimbar o batom da despedida no vidro, só me restava torrar a ansiedade em dezenas de coraçõezinhos de galinha espetados, com ensaiado desdém, na noite do Galeto Sat's.

Nesta jornada, só por castigo, Tália T. não apareceu para um drinque. Lily Carabina tampouco. Quem chegou foi o Ferreirinha, ex-comandante em chefe da Brizolândia, a tropa devota do bravíssimo Leonel Brizola, o ex-governador fluminense que inventou o socialismo moreno nos anos 1980. “Que falta histórica faz o engenheiro!”, Ferreirinha repetia enquanto este cronista espetava corações –não só de galinha mas de amores fiéis e imaginários. Que falta faz o engenheiro nesses tempos bundões, faço eco ao brizolismo da Cinelândia.

Amor é drama

Triste, solitário e final, só me restava fazer do longo adeus do peep show um discurso a favor do amor dramático, prático, olho no olho. O homem e seus contraditórios ambulantes fungando no cangote. O homem e suas circunstâncias...

No que lembro do meu colóquio em São Paulo, coisa de quatro, cinco anos atrás, com o cubano Pedro Juan Gutiérrez, o autor da Trilogia suja de Havana (Companhia das Letras). Foi um lance para a revista Cult, no Sesc Vila Mariana. No que o animal sexual da ilha de Fidel advertiu aos conectadíssimos brasileiros; “Trepem mais, vivam mais intensamente, dramaticamente, não se tornem escravos da virtualidade”.

O macho tem sido, antes de tudo, um fraco, a própria imagem da virtualidade e do pouco comparecimento

O tão-longe-tão-perto da cabine da minha Natasha Kinski de Copacabana talvez tenha sido a invenção da virtualidade amorosa em tempos pré-internet, embora o peep show seja muito mais quente do que qualquer câmera fria da distância. Homens dos negócios do entretenimento, resgatem, por favor, o peep show a qualquer preço, nada mais bonito na arte de amar uma mulher sem tocá-la. Meninos e meninas, vejam imediatamente o filme “Paris, Texas”.

E chega de tão-longe-tão perto. Que o virtual fique restrito apenas ao sagrado e legítimo recurso masturbatório. Não chamemos tal técnica de amor ou sexo. Isso é masturbação. Ponto. O homem em si, digo, o macho, já opera tanto na virtualidade que é chegada a hora de mais dramaturgia do encontro.

Só o encontro educa o homem. Vale inclusive quando a renda do bilro das alminhas perdidas não teça sequer o descuidado pano de prato da rotina. Vale o embeiçamento, o cheiro e até o desnamoro, a crença que aquilo tudo sonhado não tem futuro. Só o encontro tira faísca, inclusive a faísca da impossibilidade. Só o encontro desenha o balãozinho da HQ sobre as nossas cabeças.

Vale a perturbação e o sem-jeitismo da primeira vez. Vale tudo. Menos essa coisa de homem de Ossanha, esse sintoma masculino do nosso tempo. A criatura de tal cepa é o cara que repete aquele refrão do samba de Vinícius de Moraes e Baden Powell: “O homem que diz vou/ Não vai!” O cara que ameaça, ensaia um sexo e longo adeus.

Se é Bayer é bom, se é homem, vai, vai! Os mais antigos entenderão o poder do slogan. Homem é o que levanta e anda, disposto Lázaro do amor e da sorte. Não o que fica em casa rogando por “nudes”e depois da masturbação se dissolve como uma fada. Não ressurge nem no WhatsApp para indagar “foi bom, meu bem?”Antes aquele homem que fumava o king size do pós-gozo com a moça sobre o peito... Mesmo que depois saísse para comprar um novo cigarro e nunca mais voltasse.

Sim, compay Pedro Juan, o macho tem sido, antes de tudo, um fraco, a própria imagem da virtualidade e do pouco comparecimento. Não digo chegar junto para casar etc. Isto é outro samba. Digo chegar junto. Ponto. Mesmo que ela em vez de casamento, peça apenas uma Coca zero.

Digo chegar junto na ideia de mostrar que o mundo ainda é mundo e há sempre uma maçã caramelada no parque de diversões. A vida é eternamente o Gênesis desenhado por Robert Crumb. A vida é um pipoco do nada na nossa frente, não carece de tanta cerimônia. Enlouqueça, surte pelo menos uma vez a cada 27 anos, como diriam meus ídolos que se foram desta para outras capas de discos.

 O namoro morreu

Sei que praticamente não se pede mais em namoro, eis o fracasso-mor do nosso tempo, tudo bem, acontece. Mas que mané amor líquido, chega dessa desculpinha de filosofia barata.

O amor precisa ser tecido de novo: não sob o coro greco-romano do “até que a morte nos separe”, porém dentro das vestes possíveis. Aqui defendo meu velho fragmento da distopia amorosa; não há o homem da sua vida, há no máximo o homem do ano, do semestre, do mês, da quinzena, da semana... quiçá apenas o Homem da Meia Noite, o mitológico personagem do Carnaval de Olinda.

Enlouqueça, surte pelo menos uma vez a cada 27 anos, como diriam meus ídolos que se foram desta para outras capas de discos

Antes a felicidade clandestina do que a fria e irrequentável tapioca da rotina. No que restam apenas queixumes e falsas soluções de pacotes turísticos para salvar o que já era.

Que o amor tenha a mesma intensidade, independentemente do calendário na parede das nossas borracharias mentais. Desde que feito com extrema delicadeza e a coragem de eternizar o momento –sem medo dos clichês.

E como diz uma camiseta do artista plástico pernambucano Fernando Peres; “Deu é amor”. Eis o verbo sagrado. Estou dentro. Até a próxima.

 Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo” (Ed.Fina Flor), entre outros livros.

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