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Paraná vive greve de fome e pressão pela saída do governador Beto Richa

Dois ativistas estão sem comer para pressionar o Governo e pelo impeachment de Richa

Greve de fome nesta terça em Curitiba.
Greve de fome nesta terça em Curitiba.Fabio Tissot

No dia 10 de maio, o professor Pierre Pinto Cardoso, de 39 anos, saiu de Boa Vista, em Roraima, com destino a Curitiba, capital paranaense. Professor de história no Instituto Federal de Roraima, ele decidiu entrar em greve de fome, em solidariedade aos professores do Paraná que estão parados há 38 dias, em protesto pela falta de pagamento de reposição inflacionária de seus salários, uma crise que se alastra para outros Estados. Há dez dias, Cardoso está acorrentado a uma placa onde se lê “Em greve de fome”, dentro de uma barraca improvisada na frente da Assembleia Legislativa do Paraná. É o segundo protesto do tipo, encampado por ele, em menos de um mês.

“No final de abril, comecei uma greve de fome lá em Roraima porque os vereadores da cidade [a capital Boa Vista] recebiam salário de 90.000 reais mensais, o maior do Brasil. Então eu me acorrentei na frente da Câmara dos Vereadores da cidade. Durou nove dias, e ao final vencemos, a Justiça conseguiu reduzir o salário deles que ficou em 10.000 mensais”.

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Recebeu repetidas ameaças de morte depois disso, segundo conta. Mas, Cardoso acredita que a greve de fome teve papel importante na exposição pública do caso e na pressão por celeridade no processo que resultou em vitória para ele e para a população de Boa Vista.

A empreitada em Curitiba acabou ganhando duas adesões. Uma delas é a professora de Geografia Nilsa Batista Paz, de 47 anos, que pretende ir adiante até onde sua saúde aguentar. “Eu me indignei com professores tomando chuva, protestando, com ele [Pierre] fazendo greve de fome e eu assistindo de camarote. Quando vi a oferta de reajuste do Governo, parcelada ainda por cima, fiquei tão indignada que vim aderir, fazer algo.” A universitária Julia de Campos Moura, de 22 anos, estudante de artes cênicas na Faculdade de Artes do Paraná, também aderiu. “Quando vi o professor Pierre, acorrentado no centro cívico da cidade, senti que poderia ajudar, aderindo à greve.”

Nesta terça, os três já apresentavam sinais leves de debilitação, como perda de peso, dificuldade de deslocamento e tonturas. Julia acabou vencida pelo cansaço e deixou o ato. Cardoso e Nilsa se mantém, ao lado de de dezenas de outros professores acampados no mesmo local.

O Paraná vive uma crise política e financeira sem precedentes, e esta é a segunda greve da categoria desde o início do ano letivo, que já atinge mais de um milhão de estudantes. A situação piorou depois da votação de um projeto que alterou as regras da previdência dos servidores estaduais, no dia 29 de abril, aprovado em meio à violenta repressão policial que deixou mais de 200 feridos em protesto de professores que pediam anulação da sessão na praça Nossa Senhora de Salete, que fica na frente da Assembleia. Desde então, a situação fica mais tensa a cada dia, num embate direto com o governador.

Enfraquecido pelo episódio, Beto Richa passou a enfrentar uma série de questionamentos sobre a condução do seu Governo. São denúncias e investigações de corrupção na receita estadual envolvendo parentes e até a esposa do governador. Numa delas, do Ministério Público Estadual, foi descoberto que auditores desviavam recursos do Fisco na cidade de Londrina, norte do Paraná. Um dos acusados disse, em depoimento à polícia, que arrecadou em torno de 2 milhões de reais em propina para financiar a campanha à reeleição do governador no ano passado.

Um pedido de impeachment do seu Governo, assinado por 6.000 pessoas, foi encaminhado há uma semana para a Assembleia. Richa vive ainda o abandono de deputados estaduais que até então eram aliados. E agora, enfrenta a condenação em primeira instância do líder do Governo na assembleia, deputado Luiz Claudio Romanelli (PMDB), em processo sobre contratação de funcionários fantasmas pela casa. Romanelli é o interlocutor oficial entre Governo e manifestantes, que tenta fazer valer o reajuste exigido pelos professores, ainda que parcelado em três vezes. Os docentes queriam, inicialmente, 13,01% de aumento. Mas, diante da queda de braço, aceitam receber 8,17% como correção da inflação anual, mas não querem que este aumento seja parcelado, pois a última parcela, segundo o Governo, só viria em janeiro.

É preciso muitas vezes doar o próprio corpo para fazer algo diferente na história. Não existe maior amor no mundo do que dar a vida pelos outros Julia de Campos Moura, universitária

O professor de Roraima, porém, acredita que o “governador está pressionado”, e que “a vitória está próxima, pelo menos para o reajuste”, por isso mantém a greve de fome. Cardoso tem recebido amparo de grevistas que já estão acampados na praça desde a primeira paralisação, que aconteceu no dia 9 de fevereiro, embora o sindicato se solidarize, mas não reconheça a sua greve como algo que faça parte da mobilização oficial da categoria.

Mas, para Pierre Cardoso, o apoio mais importante é o espontâneo, que vem das ruas. As buzinadas, os cumprimentos e abraços, doações de cobertores e o chazinho de capim cidreira que ajuda a aguentar o frio das madrugadas curitibanas, que chegam a nove graus . “Quando iniciamos a greve há nove dias, muita gente nos ignorava. Hoje a população está sabendo do nosso ato, que é também de outras pessoas que não estão aqui acorrentadas com a gente mas que estão dando apoio através das redes sociais”.

Nilsa Batista Paz luta não apenas pelo reajuste, mas pela saída do atual governador. “Meu objetivo é o impeachment do Beto Richa. Não tem como trabalhar com esse Governo”, diz ela, que leciona no litoral paranaense, para onde se mudou em busca de custos menores que se encaixassem com o seu salário. “Nem assim consegui estrutura mínima ou qualidade de vida para trabalhar.”

A universitária Julia também apoia o impeachment de Beto Richa, embora acredita que deveriam ser convocadas novas eleições. “Assim poderíamos avaliar com um pouco mais de crítica os candidatos e ter um pouco mais de consciência para atuar dentro dos nosso pequenos nichos sociais”, contou ela, horas antes de deixar o grupo.

Cardoso, porém, é o mais decidido. Diz que se inspira em Mahatma Gandhi e na resistência pacífica.  “Greve de fome foi feita ao longo da história da humanidade para solucionar conflitos que não se resolviam da maneira tradicional. Se o sindicato gosta de conversar, de negociar, nós estamos fazendo algo além disso, porque o Governo do Paraná não quer resolver o problema com conversa. É preciso muitas vezes doar o próprio corpo para fazer algo diferente na história. Não existe maior amor no mundo do que dar a vida pelos outros”.

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