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Editoriais
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Raízes corruptas

Prisão de sete diretores da FIFA obriga a refundar a organização

Joseph Blatter, presidente da FIFA, no dia 20 de março.
Joseph Blatter, presidente da FIFA, no dia 20 de março. ENNIO LEANZA (EFE)

A escandalosa trama de corrupção destampada pela justiça dos Estados Unidos, pelo FBI e pela agência tributária norte-americana compromete gravemente a credibilidade da FIFA, a federação internacional que governa desde 1904 os destinos do futebol mundial. Sete diretores da organização, muito próximos ao presidente, Joseph Blatter, foram detidos nesta quarta-feira em Zurique acusados de suborno, chantagem, fraude e lavagem de dinheiro. Loretta Lynch, procuradora-geral dos EUA, foi clara e taxativa ao apresentar as acusações: é uma trama com “raízes profundas” que operou por, pelo menos, 24 anos. A conclusão é que o futebol mundial viveu em um ecossistema corrupto durante as duas últimas décadas.

A espetacular prisão de diretores mostra que não foi um simples episódio, mais ou menos grave, na história da FIFA. De entrada, confirma as persistentes suspeitas de corrupção que mancharam as concessões dos negócios adjacentes à organização dos campeonatos internacionais; e, claro, questiona até a raiz a decisão de realizar as Copas do Mundo na Rússia e em Qatar. A ponto de que uma das primeiras disposições que deveria tomar a nova equipe diretora (há eleições na próxima sexta-feira nas quais, com certeza, Blatter se apresentará) se quiser recuperar um pouco da credibilidade perdida seria revisar e investigar a decisão das duas Copas do Mundo. Elas estão sob suspeita e não deixa de ser um mau sinal que o porta-voz da FIFA tenha ratificado as duas datas.

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A prisão de vários diretores salpica, sem dúvidas, em Joseph Blatter. Não dá para acreditar que o presidente desconhecesse as raízes profundas de corrupção citadas por Loretta Lynch. Durante seu mandato, os gestores de marketing esportivo subornaram os diretores da FIFA a ponto de que, na expressão do FBI, “os pagamentos ilícitos eram a forma de fazer negócio” na organização. Mesmo que não soubesse de nada, Blatter era e é o responsável. A decisão mais lógica, por mais que dentro da organização assegurem que o presidente “não está implicado”, seria a renúncia. O que não implica aceitar culpa, mas responsabilidade.

Não é surpresa que o sistema de direção da FIFA – obscurantista, arbitrário, fechado ao exterior, servido sempre pelos mesmos mandarins constituídos, estes sim de uma casta perene – tenha facilitado o desenvolvimento de tramas corruptas em seu interior. O golpe de ontem, dado a partir de Washington, pode ser uma oportunidade para profundas mudanças. Eleição aberta dos presidentes, abertura nos negócios adjuntos às Copas do Mundo, auditorias independentes sobre as contas da organização e limite de mandatos poderiam ser as bases de uma renovação. Os 17 anos de governo de Blatter em uma organização federada (o presidente anterior, Havelange, ficou por 24) degradam qualquer eleição em uma armação entre amigos.

Apesar disso, a renovação da FIFA será impossível se houver uma ação sobre a raiz, que são as federações nacionais. Neste nível, as presidências se eternizam, quase sempre como consequência de compensações, trocas de favores ou interesses comuns entre os clubes e aqueles que os representam. Loretta Lynch e o FBI fizeram seu trabalho na superestrutura da FIFA; as autoridades nacionais teriam que fazer o mesmo nos níveis das federações. Assim, seria possível evitar as presidências eternas tão suspeitas como a de Ángel María Villar, presidente da Federação Espanhola de Futebol, que declarou em voz alta, com clareza e entusiasmo a “honradez” da diretoria da FIFA. Só por colocar a mão nesse fogo, ele deveria pedir demissão. Ao mesmo tempo que Blatter.

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