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José Maria Marin: dos gramados a uma prisão ‘padrão FIFA’ na Suíça

O ex-presidente da CBF está detido, após ser acusado de receber milhões em propina Aos 83 anos, pode ser condenado a 20 anos e ter seus bens confiscados

Jose Maria Marin, durante uma roda do passado Mundial
Jose Maria Marin, durante uma roda do passado MundialMARCUS BRANDT (EFE)

Aos 83 anos, José Maria Marin provavelmente já havia descartado a hipótese de sofrer qualquer detenção policial, e mais ainda que fosse acontecer de surpresa, às 6h da manhã, em um luxuoso hotel de Zurique. Mas não era um sonho: o ex-presidente (e ainda vice-presidente) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi visto ao alvorecer saindo pela recepção, escoltado por agentes suíços que levavam suas bagagens e sacolas de plástico, e na companhia de outros cartolas sul-americanos que escondiam os rostos como podiam.

"Mas sou só eu? Onde estão os outros?", disse ao deixar o hotel, segundo informações do jornal O Estado de São Paulo. O ex-mandatário da CBF se encontra agora em uma prisão com cela individual e banheiro privado e, segundo a polícia da Suíça, "passa bem". Os outros seis dirigentes da FIFA detidos foram levados para outros locais, para que não conversassem ou trocassem informações sobre o caso, segundo o mesmo jornal.O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:

O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,marin-e-colocado-em-uma-prisao-modelo-na-suica-e-passa-bem,1695779O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,marin-e-colocado-em-uma-prisao-modelo-na-suica-e-passa-bem,169http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,marin-e-colocado-em-uma-prisao-modelo-na-suica-e-passa-bem,16957Seu sobrenome e o desses colegas ocuparam imediatamente as principais manchetes de todo o planeta. O ex-jogador e hoje senador Romário (PSB-RJ) não conteve sua satisfação: “Muitos dos corruptos e ladrões que fazem mal ao futebol foram presos. Inclusive um dos maiores do país, que se chama José Maria Marin. Infelizmente, não foi a nossa polícia que prendeu”, escreveu ele no Twitter.

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A detenção dos dirigentes na Suíça aconteceu a pedido dos Estados Unidos, país que solicitou a extradição dos suspeitos por acusações de fraude, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Nas redes sociais brasileiras, muitos se espantavam com o fato de justamente os EUA, país relativamente pouco tradicional no soccer, estarem “salvando o futebol”.

A presidenta Dilma Rousseff reagiu com calma à investigação e à detenção de Marin, personagem central na organização esportiva mais poderosa do país: “Não acredito que seja prejudicial ao Brasil; o futebol brasileiro só pode se beneficiar disso”, afirmou ela.

Os brasileiros não demonstram compaixão por José Maria Marin por causa da sua idade avançada. Na verdade, ele está na mira de muitos ativistas sociais por sua colaboração com a ditadura militar (1964-85), durante a qual foi por um ano governador do Estado de São Paulo um ano. Atualmente filiado ao PTB, esse ex-deputado federal por SP chegou ao comando da CBF em 2012, na esteira da apressada renúncia de Ricardo Teixeira, que se exilou em meio a fortíssimas pressões decorrentes de diversas denúncias. Marin assumiu, simplesmente, por ser o mais idoso entre os vice-presidentes da CBF. Esse cargo, aliás, parece uma vocação: em 1982, assumiu o governo paulista quando Paulo Maluf, de quem era vice, se afastou para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Discretamente, sem receber um só voto —não havia eleição para governador e vice durante a ditadura—, José Maria Marin chegava a um cargo poderosíssimo pela primeira vez.

Filho de uma família pobre de imigrantes espanhóis, não conseguiu triunfar no futebol profissional e foi estudar Direito. Pouco a pouco, se tornou um milionário influente, conhecido por colecionar obras de arte e compartilhar mesa com as maiores estrelas do país. Presunçoso e distraído, simpático com a imprensa (embora não muito querido por ela), Marin sempre se mantém sorridente em entrevistas e conseguia interromper as perguntas incômodas com declarações otimistas.

A ascensão à presidência da CBF o transformou também no diretor do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014. Sempre acossado pela polêmica das obras e a ansiedade coletiva por terminá-las a tempo, pouco ligando para as manifestações massivas de 2013, José Maria Marin discursou ao país, mas colaborou com alguns vexames públicos para o ambiente anti-Copa que estava estabelecido em um numeroso setor da sociedade.

Em um deles foi flagrado enquanto colocava no bolso uma das medalhas que deveria entregar na final da Copa São Paulo de Futebol Junior. Em junho de 2014 deu seu nome ao edifício da reluzente sede da CBF na Barra da Tijuca, que custou 100 milhões de reais. Após o tremendo golpe do Mineirazo, pareceu recuperar a esperança com rapidez: “O futebol brasileiro voltou a ser respeitado em todo o mundo, mais do que nunca”, disse em outubro após três vitórias da seleção em partidas amistosas.

O suspeito de receber milhões de dólares em subornos foi provisoriamente expulso da FIFA e deverá abandonar seu trabalho na preparação do torneio de futebol olímpico para 2016. Se o vice-presidente da CBF recorrer do pedido de extradição feito pela Justiça norte-americana, a decisão poderá demorar vários meses para acontecer e ele deverá permanecer na Suíça. Marin e seus seis homólogos sul-americanos enfrentam penas de até 20 anos de prisão, além do confisco de seus bens até devolverem as quantidades ilegalmente recebidas. O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero (escolhido a dedo por Marin) defendeu seu antecessor ainda em Zurique (onde na sexta-feira votará em Sepp Blatter por seu “bom trabalho”) e disse que os contratos sob suspeita foram assinados na época de Ricardo Teixeira. A CBF “reafirmou” em nota da assessoria de imprensa, além disso, “seu compromisso com a verdade e a transparência”.

O impacto da prisão sobre a direção do futebol brasileiro, entretanto, ainda é imprevisível. O senador Romário há mais de um ano pede reiteradamente a prisão de José Maria Marin e está reunindo assinaturas na Câmara para uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Nas ruas do Rio de Janeiro se especula que a surpreendente prisão de Zurique pode ser o início de alguma transformação no futebol brasileiro, que não poderá se esquivar durante muito tempo da CPI e exibe números preocupantes em relação a resultados esportivos, ausência de público nos estádios e finanças. O Governo já deixou clara sua postura de respeito e apoio à investigação norte-americana. O grupo de jogadores Bom Senso F.C., principal estímulo à “regeneração” do futebol brasileiro, insiste que a “credibilidade da administração o futebol está questionada internacionalmente e a CBF deve muitas explicações ao povo brasileiro”. “Nunca”, acrescenta, “tivemos um escândalo tão forte para realizar mudanças: 7x1 na Copa, o vice-presidente da CBF preso, clubes endividados. É preciso mais?”.

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