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José Manuel García-Margallo | ministro espanhol de Relações Exteriores

“Vetar Felipe González seria um tiro no pé na imagem da Venezuela”

Ministro de Relações Exteriores da Espanha diz que o Governo de Caracas sabe que o ex-primeiro-ministro espanhol "tem enorme prestígio, sobretudo na América do Sul"

Miguel González
José Manuel García-Margallo, ministro espanhol de Relações Exteriores.
José Manuel García-Margallo, ministro espanhol de Relações Exteriores.ULY MARTIN

Pouco antes de iniciar uma viagem à Índia, o ministro de Relações Exteriores José Manuel García-Margallo y Marfil (Madri, 1944), advertiu a Venezuela contra a tentação de fazer as empresas espanholas pagarem pela crise entre os dois governos e defende a construção de centros de acolhida “dignos” em países como a Líbia para os imigrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo.

Pergunta. O senhor aguentou muitas grosserias das autoridades venezuelanas sem responder. Por que chamou agora o embaixador para consultas?

Resposta. Dessa vez, os objetos das grosserias foram o Congresso, dois ex-presidentes (José María Aznar e Felipe González) e o Governo em seu conjunto. Tudo na vida tem um limite e quando foi ultrapassado decidi agir.

P. A Espanha tem uma vulnerabilidade na Venezuela, que são suas empresas. Nicolás Maduro ameaçou fazer represálias. O senhor teme alguma expropriação?

Não seria lógico que por algumas diferenças políticas se exproprie uma empresa privada

R. Acredito que a Venezuela respeitará a legalidade internacional porque não seria lógico que por algumas diferenças políticas se exproprie uma empresa privada. As empresas espanholas estão fazendo um magnífico trabalho lá e uma expropriação prejudicaria o povo venezuelano.

P. O que o senhor fará caso for negada a entrada no país de Felipe González, que irá em maio para defender os presos políticos?

R. O Governo de Caracas sabe que Felipe González tem enorme prestígio, sobretudo na América do Sul. Seria um tiro no pé na imagem da Venezuela. Espero que isso não aconteça.

P. Nos últimos dias o senhor se reuniu com os chanceleres do Brasil e do Equador. Pediu que mediassem com a Venezuela?

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R. Sendo países amigos, expliquei-lhes o que aconteceu. Enfatizei que se pecamos em algo foi por excessiva prudência. Dificilmente nos podem atribuir essa piora nas relações, que no momento é meramente verbal e espero que não passe disso.

P. Foi oportuno que o Congresso pedisse a libertação dos presos políticos na Venezuela?

R. A Espanha sempre foi muito beligerante na defesa dos direitos humanos. O Congresso, que é independente do Governo, aprovou essa resolução e não tenho nada a dizer.

P. Mas o Congresso não condenou o genocídio armênio.

R. Para o bem e para o mal, nossas relações com a Comunidade Ibero-americana não são comparáveis às outras. O que acontece lá importa aos espanhóis muito mais do que em qualquer outro lugar do mundo e inversamente.

P. A Espanha terá o apoio da UE frente às represálias de Caracas?

R. Não tenho a menor dúvida. Principalmente se forem como você sugere. Ninguém entenderia que uma empresa pagasse o pato por relações políticas ruins. Em uma arbitragem internacional seria muito difícil explicar isso.

P. A UE acelerou as negociações com Cuba depois do degelo entre Obama e Castro. A Espanha não ficou para trás?

R. Recuso completamente esse raciocínio. A UE não foi a reboque da Administração Obama. Ao contrário. Em novembro de 2012 já tínhamos dado um mandato à Alta Representante para sondar um acordo com Cuba. E a Espanha foi determinante para que assim fosse.

P. O presidente François Hollande anunciou uma visita oficial a Cuba, o que Rajoy não fez e o rei Juan Carlos não pôde fazer.

R. Não é a mesma coisa a visita de um presidente francês a Cuba que a do chefe do Governo espanhol ou do Rei.

P. A Espanha é um dos poucos países que não concretizaram sua contribuição à missão da Frontex (agência europeia de fronteiras) no Mediterrâneo.

R. Os acontecimentos se precipitaram. Vamos esperar a que a Comissão ponha sobre a mesa os elementos do que quer fazer. A Espanha expôs desde o começo que a imigração é um tema capital para a UE e não um assunto nacional. É um fenômeno muito complexo que requer ações em múltiplas frentes: Frontex, acordos de readmissão, programas de cooperação...

P. Ajudaria afundar os barcos das máfias de imigrantes?

R. Sem dúvida, a destruição dos barcos das máfias dificultaria seu funcionamento. Mas isso requer uma base jurídica. Para agir em águas líbias é preciso uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, na qual estamos trabalhando, a petição de um Governo de unidade nacional, que não existe, ou a aquiescência do Governo de Tobruk, reconhecido internacionalmente. O que não podemos é não fazer nada e ver como a cada semana 900 pessoas se afogam no Mediterrâneo.

P. A Frontex não é uma operação de salvamento, mas de vigilância. Não seria difícil resgatar os imigrantes se a Europa se pusesse de acordo sobre onde desembarcá-los. Cameron oferece navios, mas rechaça acolher os imigrantes...

R. O urgente é impedir que tragédias como as que vimos se repitam. Contudo, além de resgatá-los, para não criar novos problemas, é preciso criar centros de acolhida dignos nos países de origem e de trânsito, como a Líbia. Isso custa dinheiro e a Europa terá de dispor dos meios.

P. Um campo para imigrantes na Líbia não seria contrário aos direitos humanos?

R. Depende das condições. Não ocorre a ninguém dizer que o campo de refugiados sírios na Jordânia atenta contra os direitos humanos... O que atenta é deixá-los que se afoguem.

P. Não parece que a Líbia seja um lugar seguro. Será necessário dar um ultimato às facções para que cheguem a um acordo?

R. Bernardino León [enviado especial da ONU] sabe que tem um tempo limitado. Neste momento parece que tal acordo está tomando forma. Espero que aconteça. Caso contrário, a comunidade internacional não pode continuar a agir como se fosse San Marino... Não podemos permitir que a Líbia se torne outra Síria.

P. A Espanha foi mesquinha na hora de acolher asilados.

R. Em quatro ou cinco anos acolhemos quatro milhões de imigrantes. Quando chegou a crise, ficamos em condições muito difíceis e isso limitou nossa capacidade de absorção.

P. O senhor conversou com o embaixador Trillo sobre o dinheiro que ele recebeu de uma empresa quando era deputado?

R. Várias vezes. Explicou-me que não há nenhuma irregularidade, que esses ganhos foram declarados à Fazenda e estavam no marco da lei de incompatibilidades. Não tenho nenhuma razão para não acreditar nele.

P. A Agência Tributária e a promotoria parece que não acreditam...

R. Deixemos que façam seu trabalho e quando chegarem a uma conclusão veremos. Não me cabe julgá-lo.

P. Quanto dano causou à Marca Espanha a foto do ex-vice-presidente Rodrigo Rato preso?

R. É óbvio que isso não favorece a Marca Espanha, mas demonstra que as instituições funcionam. Dito isso, provavelmente houve um excesso de publicidade. A lei de Processo Criminal diz que a prisão deve ser realizada nas condições mais favoráveis para o preso.

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