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“O Congresso humilha o Executivo há meses e a Dilma precisa reagir”

Líder do MTST defende a adoção de uma postura mais ofensiva do Governo, que considera "refém" do PMDB, ante do Legislativo, e a rearticulação da esquerda de forma independente

Guilherme Boulos discursa em protesto em 20 de fevereiro.
Guilherme Boulos discursa em protesto em 20 de fevereiro. Gabriela Biló (Agência Estado)

Um dos principais nomes da esquerda brasileira a despontar após as jornadas de junho de 2013, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), não vê exagero no temor manifestado por parte dos movimentos sociais de que a presidenta Dilma Rousseff (PT) não conclua seu segundo mandato. Para ele, a única saída do Partido dos Trabalhadores é abandonar o discurso de conciliação com a direita – estratégia adotada pelo lulismo no Planalto – e assumir que chegou o momento de “escolher um lado”. O seu, ele já definiu: é o oposto das mobilizações que levaram às ruas milhares de pessoas para protestar contra o Governo petista em 15 de março e 12 de abril. Por outro lado, Guilherme Boulos, filósofo e professor de psicanálise, é categórico em afirmar que, da forma está, não é possível para defender o Executivo federal. “Não vamos defender o indefensável”, disse.

O Congresso já está peitando a Dilma. O Congresso está afrontando o Executivo há meses. Sangrando o Executivo. Humilhando o Executivo. É uma questão de dar resposta

À pauta da luta por moradias populares, o MTST agregou outras reivindicações dos movimentos sociais, organizando protestos, por exemplo, contra a falta de água e a gestão dos recursos hídricos no Estado de São Paulo, contra o projeto de lei da terceirização (PL 4330), e contra a proposta de redução da maioridade penal. Em entrevista concedida ao EL PAÍS pouco antes da manifestação contra a direita, por mais direitos, que segundo os organizadores reuniu 40.000 pessoas na capital paulista no último dia 16 (a Polícia Militar estimou 2.500), Guilherme Boulos opinou sobre o cenário político atual e sobre como o antipetismo afeta diretamente a esquerda brasileira – da qual, em sua avaliação, a gestão petista deixou de fazer parte há muito tempo. Abaixo, os principais pontos da conversa.

Pergunta. Uma pesquisa feita na manifestação do dia 12 na avenida Paulista revelou uma baixa confiança, por parte desses manifestantes, nos movimentos sociais: quase 80% disseram não confiar especificamente no MTST. Esse dado te surpreendeu?

Resposta. Nós não temos a confiança deles, mas nem eles têm a nossa. A pretensão do MTST não é ser consenso na sociedade. O MTST é um movimento que tem lado. É um movimento reivindicativo, popular, que defende o direito dos trabalhadores do país, contra a elite, contra as estruturas arcaicas da sociedade. Lamentavelmente, muitos dos que foram no dia 12 de abril e no 15 de março pertencem à classe média tradicional de São Paulo e não é de se estranhar que não gostem, no MTST. Nós estamos em lados opostos mesmo.

P. O MTST já há algum tempo ampliou o leque de reivindicações para além da questão da moradia. Por quê? Existia um vazio neste sentido dentro da esquerda?

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R. Não acho que há um vazio da esquerda. O fato é que nós estamos em um momento de disputa aberta de rumos, de visão de sociedade, e para nós não tem cabimento ficar falando apenas de moradia. Até porque, nesse momento, não falar em ajuste fiscal é não falar de moradia, porque o programa Minha­­ Casa, Minha Vida 3 está suspenso por conta do ajuste fiscal do Governo, por conta de uma opção de adotar uma política econômica neoliberal. Como é que nós não vamos pegar a nossa base, que são os trabalhadores mais pobres e, consequentemente, os mais vulneráveis à precarização do trabalho, e ignorar que está sendo votado o maior ataque dos últimos anos à legislação trabalhista e aos direitos trabalhistas, que é a PL 4330? Não dá.

P. Mas como ir às ruas criticar a política econômica do Governo sem fazer com que ele, e consequentemente a esquerda toda, sangre, em um momento em que o Brasil vê uma forte mobilização pró-impeachment?

R. Nós temos sim essa preocupação. Em primeiro lugar, eu quero deixar claro que nós não flertamos com qualquer alternativa golpista, com qualquer defesa de impeachment. Por outro lado, nós não podemos ficar calados diante das posturas e de medidas antipopulares que o Governo têm tomado. A Dilma não foi eleita pra isso. Não foi esse programa que foi eleito em outubro do ano passado. Esse programa foi derrotado nas eleições do ano passado e está sendo aplicado agora. Sim, nós temos a preocupação de não jogar água no moinho da direita. Mas o Governo tem que ser preocupar em tomar medidas e sinalizações para a esquerda brasileira. Se só dá sinalizações para o outro lado, só vira para a direita, só recua, ele se torna um governo indefensável. E nós não vamos defender o indefensável. Jogar a crise no colo dos trabalhadores, fazer os mais pobres pagarem pela crise, é uma solução inadmissível que não vai ter o apoio do MTST. O movimento social organizado brasileiro precisa manter ao mesmo tempo a sua responsabilidade política e a sua autonomia. Isso não é contraditório. Não há contradição em reconhecer que o Governo, na medida em que optou por não fazer esse enfrentamento, ajudou a criar esse caldo direitista.

O PT tem insistido em se agarrar a um modelo de governabilidade que não dá mais certo

P. O ex-presidente Lula fez um apelo recentemente para que a Dilma vete o projeto da terceirização. Na sua opinião, quais as chances isso acontecer e, como você avalia a relação atual entre o Governo e o Legislativo?

R. Vetar o PL 4330 é imprescindível. Se a Dilma sancionar, isso seria uma derrota histórica da classe trabalhadora do Brasil. Mas lamentavelmente, o PT tem insistido em se agarrar a um modelo de governabilidade que não dá mais certo. Porque se por um lado eles querem a manutenção dessa política de conciliação com o que há de mais arcaico e conservador no país, essas forças políticas já não querem mais esse pacto. Porque se sentem mais empoderadas para buscar caminhos próprios diante da fragilidade do Governo. Então nós defendemos uma saída da crise mais à esquerda. É preciso fazer um ajuste em relação à crise econômica? Ok, que se faça. Mas que se faça um ajuste para o outro lado. Taxe as grandes fortunas. Faça uma auditoria da dívida pública no país. É possível mexer na torneira de gasto público de outra forma.

P. Mas isso tudo depende do Congresso...

R. Sim. Agora, tem que ter uma iniciativa política. Se o Congresso vai aprovar ou não isso é uma outra questão. Mas o Governo, como um gesto político, lance o projeto, jogue no Congresso. Inclusive isso faria com que os movimentos sociais se mobilizassem. Você cria uma agenda popular no país, e não fica refém da agenda da direita no Congresso. Aí os parlamentares vão ter que se explicar por que que não querem que rico pague imposto no Brasil.

 P. Então você acha que a Dilma deveria peitar o Congresso, enfrentar o Eduardo Cunha? Há margem de manobra para fazer isso na situação atual?

R. Veja, o Congresso já está peitando a Dilma. O Congresso está afrontando o Executivo há meses. Sangrando o Executivo. Humilhando o Executivo. É uma questão de dar resposta. Continuar nessa situação refém do Congresso, refém de Eduardo Cunha, refém de Renan Calheiros, isso é inadmissível. Chegou a um ponto onde não há muitas escolhas. Insistir nessa alternativa, inclusive colocar o Michel Temer como articulador, é a expressão dessa insistência, de manter um pacto que está carcomido. Significa partir pra sangria gradual, desatada e que só vai levar para a desmoralização completa desse governo. É preciso responder, com um mínimo de pé, um mínimo de enfrentamento às ofensas do Congresso. O Governo fez de tudo para ser aceito pela elite brasileira. Fez de tudo. A Dilma indica o (Joaquim) Levy para a Fazenda, faz um gesto econômico para a elite, para o mercado financeiro, e agora mais do que nunca para o PMDB, com o Michel Temer... E continua recebendo um massacre midiático terrível, mobilizações da direita. Como isso? Então a saída do PT deveria ser aceitar a pecha. Fala: ‘bom, vamos ser de esquerda então’. Mas não foi isso que fez.

P. Você já declarou temer que a Dilma não chegue ao final do mandato. Existe, na sua avaliação, chances mesmo de ela sofrer um impeachment, mesmo quando ainda não há provas contra ela?

Nós não podemos ficar calados diante das posturas e de das medidas antipopulares que o Governo têm tomado. A Dilma não foi eleita para isso

R. O Governo está em uma situação de fragilidade muito grande ainda. Dizer que não há risco de o Governo ser derrubado é não considerar o nível de tensão que existe na conjuntura. É não considerar o nível de animosidade antipetista que está posta no Congresso. Essa questão da ausência de provas... O impeachment é, antes de tudo um julgamento político, não um julgamento judicial. Até hoje não foi encontrada uma arma química no Iraque, mas isso não impediu que o Saddam Hussein fosse morto, como milhares de iraquianos, em uma guerra com os EUA. Nem sempre as provas e a justiça é o que prevalece na história.

P. E qual a saída que vocês defendem para essa crise?

R. Esse é o ponto. Veja, você ignorar que nesses 12 anos houve avanços sociais é uma tolice. Os indicadores mostram isso e o governo petista buscou fazer isso. Agora, nenhuma das desigualdades estruturais do país foi mexida, foi sequer tocada nos últimos 12 anos. Temas como reforma tributária, reforma urbana, reforma política, agrária, democratização das comunicações, são tabus desde a queda do Jango em 1964. E o PT não teve a coragem política de colocar isso, de pautar esses temas na sociedade. Nós estamos em um momento de acirramento da polarização em que a única saída, que não seja a saída de colocar a conta da crise no colo dos trabalhadores, é a saída das reformas estruturais.

P. Você tem acompanhado os trabalhos da comissão especial pela reforma política no Congresso?

R. O que eu tenho acompanhado, principalmente a PEC do (Cândido) Vacarezza (ex-deputado petista), não se trata de uma reforma política. É a contrarreforma política. Já foi até apelidada de PEC da corrupção. Porque ela ao invés de vetar, ela regulamenta o financiamento empresarial de campanha, que é a fonte maior de corrupção no Brasil. Onze em cada dez escândalos de corrupção passam pelo financiamento empresarial de campanha. É uma aberração. Uma afronta sendo feita aos olhos do país todo.

P. Para concluir, qual deveria ser a reação da esquerda brasileira hoje, na sua avaliação?

R. A esquerda brasileira desde os anos 1980 se articulou em torno do projeto do PT. (...) O desafio hoje é reconstruir uma alternativa de esquerda do Brasil que possa ir além do PT. Uma alternativa que possa apresentar um projeto de reformas populares, que o PT não se dispôs a apresentar nesses anos todos. É preciso construir um campo que aglutine e que reavive o projeto político de esquerda no Brasil, que naturalmente precisa ser independente. Construir esse campo atrelado ao Governo significa iniciar algo natimorto.

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