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Abramović e minha vida interior

Assim vivi o ‘método’ da artista em sua exposição de São Paulo

Raquel Seco
Marina Abramović apresentando seu “método” em São Paulo.
Marina Abramović apresentando seu “método” em São Paulo.Eduardo Anizelli (Folhapress)

É terça-feira, cinco da tarde, e fazemos fila, eu e umas 40 pessoas, num centro cultural de São Paulo, cidade de 11 milhões de habitantes, trânsito infernal e intenso tráfego de helicópteros. Somos obrigados a deixar bolsas, celulares e (quem quiser) sapatos num armário. Vários jovens vestindo macacões cinza nos levam a uma sala com duas telas. Está tão vazia e limpa, e os “facilitadores” (é como são chamados os de macacão), tão sérios, que as pessoas se sentem numa espécie de acampamento militar.

Fui trazida por uma amiga, que me avisou que havia vagas para uma performance de Marina Abramović e me informou o site para me inscrever. De lá me responderam, enigmaticamente: “Agora que você reservou esse tempo, prepare-se para uma experiência”. Disseram também que deviam se abster as grávidas, pessoas com problemas cardíacos, hipertensas e epiléticas. Menores de idade, somente com autorização paterna. Cheguei, conforme instruíram, 15 minutos antes, tendo ingerido comida leve duas horas antes. Salada. Antes, na Internet, encontrei mais enigmas: “O Método Abramović é uma síntese de todo o conhecimento de Abramović sobre a performance. Por meio do tempo e da dedicação, as práticas possibilitam experiências transformadoras”. Certo.

Nas telas da sala, Abramović dá instruções para o aquecimento, vestindo um jaleco branco: “Esfregue as mãos. Tampe um ouvido, tampe o outro, agora uma narina, agora a boca, bata no ar, solte as pernas, tensione os músculos”. A pior parte – a que provoca mais vergonha própria e alheia – é a obrigatória dancinha final, quando é preciso sacudir todas as extremidades, além da bunda e da cabeça. Como se ninguém estivesse olhando. Embora, é verdade, os demais também estejam muito concentrados em si mesmos.

Para o verdadeiro método, que dura duas horas, colocamos abafadores de ruídos, como os usados em obras de construção. São quatro exercícios, de meia hora cada. Abramović criou “objetos transitórios” de madeira e cristal, segundo a artista, “com propriedades energéticas”: uma plataforma, um cadeira e uma espécie de cama de superfície rígida. É preciso ficar de pé na plataforma, sentar na cadeira, caminhar em câmera lenta pela sala e deitar na cama. Tudo faz lembrar uma aula de meditação. Ninguém se olha muito. No exercício da cadeira, um homem cruza as pernas, como se estivesse num bar, e olha em volta. Olho para ele. Somos os piores alunos desta classe de ioga avançada.

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Abramović diz que o método ajuda a conseguir “a clareza e a conexão que muitas vezes faltam em nosso dia a dia”. Algumas de suas outras técnicas incluem contar grãos de arroz durante 16 horas e conquistaram, entre outros, Lady Gaga. Passo meia hora em pé e já contei 38 tijolos na parede em frente. Em algum momento cheguei a experimentar algo parecido com a paz, sem celular, vendo como escurecia lá fora, com o zumbido atenuado de um helicóptero por trás dos tampões de ouvido. Mas não o tempo todo. Talvez para mim e para o sujeito que se sentava como numa cafeteria falte vida interior.

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