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Cuba começa a confiar na aproximação de Obama

Os cubanos celebram a saída da ilha da lista de países patrocinadores do terrorismo

JUAN JESÚS AZNÁREZ (ENVIADO ESPECIAL)
Jovem usando uma calça com a bandeira dos Estados Unidos, na quarta-feira em Havana.
Jovem usando uma calça com a bandeira dos Estados Unidos, na quarta-feira em Havana.Alejandro Ernesto (efe)

“Vamos ver o que acontece, compadre”. A população não se amontoa nas ruas agitando bandeiras, nem se ouvem brados anti-imperialistas diante do Escritório de Interesses dos Estados Unidos em Havana, em frente ao qual continua escrito em grandes letras vermelhas o slogan “Pátria ou Morte”.

Os cubanos seguem sua rotina, mas o Governo de Raúl Castro celebrou na quarta-feira “a justa decisão” do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de excluir a ilha da lista de países patrocinadores do terrorismo. Um elenco no qual, segundo Havana, o país “nunca deveria ter sido incluído” e cujas consequências foram graves, pois fez o regime perder acesso a organismos internacionais de crédito e impediu-o de operar normalmente no sistema bancário.

“Não confio muito, tudo ainda pode acontecer”, diz um homem

Cuba foi incluída na lista no ano 1982, em resposta ao apoio ativo e constante dado pela revolução cubana a movimentos guerrilheiros da América Latina e África abertamente contrários aos Estados Unidos. Havana defendeu suas alianças com os rebeldes argumentando que se tratava de uma solidariedade ideológica, de princípios, alheia ao terrorismo. “Nós fomos combater por um ideal e sabem muito bem disso os ianques, que exploraram os recursos naturais de meio planeta”, comentava dias atrás um militante do Partido Comunista de Cuba (PCC), que lutou em Angola contra “os racistas sul-africanos”. O veterano rebelde provavelmente brinda agora com rum envelhecido.

“Nosso país foi vítima de centenas de atos terroristas, que custaram a vida de 3.478 pessoas e incapacitaram 2.099 cidadãos cubanos”, diz uma declaração oficial lida na televisão estatal e assinada pela diretora-geral para os EUA do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Cuba, Josefina Vidal, chefa da delegação cubana nas negociações com Washington para a normalização das relações.

Alívio financeiro

  • Na lista de países considerados pelos EUA como patrocinadores do terrorismo figuram atualmente Cuba, Irã, Síria e Sudão.
  • Esses países não podem exportar armas, receber ajuda econômica, nem ter acesso a empréstimos de instituições internacionais de crédito como o Banco Mundial, além de enfrentarem restrições nas operações bancárias.

Cuba repudia e condena “todos os atos de terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, assim como qualquer ação que tenha por objeto alentar, apoiar, financiar ou encobrir atos terroristas”. A saída da ilha da lista pode acelerar o processo para a reabertura de Embaixadas e o restabelecimento das relações diplomáticas de dois países inimigos há mais de meio século.

A decisão foi anunciada apenas três dias após a reunião histórica entre Obama e Raúl Castro durante a Cúpula das Américas no Panamá. O Congresso dos Estados Unidos tem agora 45 dias para avaliar o decreto presidencial e apresentar um projeto de lei para revogá-lo, se não estiver de acordo. Além da declaração oficial, o Governo de Raúl Castro aguarda as conclusões do Congresso, controlado pelo Partido Republicano e contrário ao fim da punição.

Não se veem movimentos festivos nas ruas de Havana, mas a maioria dos 11 milhões de cubanos deve ter visto com bons olhos uma medida que assegura e acelera o processo para a normalização. “Não confio muito, porque brigamos com os Estados Unidos durante muito tempo e tudo ainda pode acontecer”, diz um cubano que parece refletir olhando para o mar, apoiado no muro do malecón de Havana de frente para o litoral da Flórida, a 145 quilômetros dali.

O Governo afirma que 3.478 cubanos foram assassinados em atentados

Alguns octogenários dizem que, no início dos anos 1960, durante os anos duros da Guerra Fria, via-se no horizonte a frota do império à espreita.

“Meu filho mora no Texas. Logo vai me contar o que estão falando ali”, diz um pedestre. Em Cuba não se fala muito, mas seu filho agora poderá operar com a Seção de Interesses de Havana em Washington. Ele está há mais de um ano sem acesso a serviços bancários normais nos Estados Unidos porque não encontrou um banco que quisesse realizar suas operações financeiras.

A decisão de Barack Obama é um alívio tanto para um Governo que necessita de investimentos estrangeiros para sair do subdesenvolvimento e apostou na liberalização econômica, como para os investidores estrangeiros que não se atreviam a fazer negócios com a ilha por medo de represálias norte-americanas.

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Os cubanos que neste dia nublado se amontoam nas paradas de ônibus e táxis particulares a caminho do trabalho ou de casa demorarão a perceber o alcance da retirada de Cuba da lista, que significa a eliminação de uma série de sanções, como a proibição de venda de armas, ajuda econômica e transações financeiras.

A imprensa oficial divulgou a nota da chancelaria ao longo do dia e a veterana Rádio Relógio, mais frequentemente. O locutor lê manchetes e informa a hora: “Patriotismo da delegação cubana foi destaque no Panamá. Rádio Relógio. 11 horas e 46 minutos. Empresariado espanhol interessado em Cuba. Rádio Relógio. 11 horas e 47 minutos. China saúda a decisão de excluir Cuba da lista de patrocinadores do terrorismo. Rádio Relógio. 11 horas e 48 minutos”.

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