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China põe em prática a pior onda de repressão desde os anos noventa

Detenção de feministas se soma à perseguição de ativistas pró-direitos humanos

Macarena Vidal Liy
Xi Jinping no Grande Salão do Povo, em Pequim, em junho de 2013.
Xi Jinping no Grande Salão do Povo, em Pequim, em junho de 2013.reuters

A ativista chinesa Li Maizi planejava há um mês dedicar o Dia da Mulher, em 8 de março, a distribuir adesivos contra o abuso sexual. Foi detida por isso em 6 de março, junto com outras nove colegas. Cinco delas, inclusive Li, permanecem sob custódia policial. Seu projeto para criar consciência na população contra os agressores sexuais no transporte público constitui, segundo a Polícia, uma tentativa de “provocar distúrbios e criar problemas”, uma das acusações mais utilizadas pelo regime chinês contra os dissidentes. Um regime que, desde a chegada de Xi Jinping ao poder, realiza a “mais grave perseguição a defensores dos direitos humanos desde meados dos anos 1990”, segundo a organização CHRD.

Dois projetos de lei preocupantes

Dois projetos de lei em estudo pelo Governo chinês despertaram uma preocupação especial entre os defensores dos direitos humanos: a proposta de lei contra o terrorismo e a que regulamenta o funcionamento das ONGs estrangeiras.

O primeiro ameaça a liberdade de religião e de expressão, assim como os direitos das minorias, segundo a Anistia Internacional. Aqueles que criticarem políticas governamentais e, até mesmo, praticarem sua religião de forma pacífica podem ser acusados de “extremismo”. O projeto recebeu críticas até mesmo do presidente dos EUA, Barack Obama. O texto prevê que as empresas de tecnologia forneçam seus códigos de encriptação e instalem acessos a seus sistemas para que as forças de segurança possam utilizar na investigação de casos de terrorismo.

O projeto de lei sobre as ONGs ainda não foi submetido à consulta pública. Essa proposta colocaria as organizações não governamentais sob controle do Ministério da Segurança Pública, em vez do muito mais fraco Ministério de Assuntos Civis. As organizações que quiserem fundos estrangeiros – indispensáveis para seu funcionamento, diante das dificuldades para se arrecadar dinheiro publicamente na China – precisariam da aprovação prévia do Governo.

Para Li e suas colegas, o fim de semana é chave. Acaba então o prazo que a Polícia chinesa tem para solicitar que sejam apresentadas denúncias formais contra elas. Se continuarem presas na semana que vem, representará um forte indício de que a Procuradoria apoia o caso contra elas e planeja mandá-las para julgamento. A denúncia de “provocar distúrbios e criar problemas” pode acarretar em pena de cinco anos de prisão.

As cinco – Li Maizi, Wei Tingting, Wu Rongrong, Zheng Churan e Wang Man – fazem parte de um pequeno, mas muito dinâmico até agora, círculo de ativistas contra a discriminação feminina. Li, em particular, havia encabeçado campanhas criativas para exigir mais banheiros públicos para as mulheres e para denunciar a violência de gênero.

Sua detenção não é um caso único na China, onde desde a chegada de Xi Jinping ao poder, em março de 2013, tem se limitado o espaço para a sociedade civil, por meio do controle da Internet, um endurecimento da censura aos meios de comunicação e uma maior atenção ao material que circula nas aulas.

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Um relatório da China Human Rights Defenders (CHRD) calculava no mês passado que em 2014 foram detidos 955 defensores dos direitos humanos, quase tantos quanto nos dois anos anteriores juntos (1.160). Muitos foram detidos em dois momentos particularmente sensíveis politicamente, em torno do 25º aniversário de Tiananmen (Praça da Paz Celestial), em junho, e durante as manifestações pró-democracia de Hong Kong.

“O Governo de Xi reduziu drasticamente o limitado espaço que restava para o ativismo pró-direitos humanos. Muitos ativistas que trabalhavam em áreas que previamente as autoridades não consideravam sensíveis, ou menos ameaçadoras do ponto de vista político, sofreram maior assédio e perseguição”, de acordo com o documento.

Para a Human Rights Watch, trata-se da “pior repressão desde os anos 90”, diz de Hong Kong a pesquisadora da organização Maya Wang. A pesquisadora considera preocupante que a repressão não apenas englobe detenções – campanhas similares de encarceramento já foram vistas em anos recentes – mas que também tenha um caráter “amplo”, do papel da Internet à liberdade de expressão. Uma série de projetos de lei em estudo, sobre as organizações não governamentais e contra o terrorismo, pode reduzir ainda mais o espaço disponível, segundo alertam os defensores dos direitos.

De Hong Kong, Wang atribui esse endurecimento ao temor de Xi, após sua chegada ao poder, de que o Partido Comunista pudesse correr o risco de “perder seu controle do país”, especialmente à luz das revoluções populares em países como Ucrânia, Geórgia e Egito nos primeiros anos do século XXI. Mediante o aumento do controle, opina, o regime “reduz a capacidade de se pressionar o Partido onde o Partido não quer ser pressionado por baixo”.

Durante a campanha, já caíram alguns dos mais proeminentes defensores dos direitos humanos do país, como o advogado Pu Zhiyong, que está sob custódia policial, e o professor universitário Ilham Tohti, uma das vozes mais moderadas em defesa dos direitos da minoria uigur e condenado no ano passado a prisão perpétua.

Este ano não tem qualquer sinal de melhora. Além das cinco mulheres, no mês passado foi preso e colocado em liberdade sob fiança Ou Shaokun, famoso ativista do Cantão contra a corrupção. Ele foi acusado de ter contratado os serviços de uma prostituta, o que nega. E, em um caso com toques surrealistas, em Xinjiang um homem da etnia uigur foi condenado a seis anos de prisão por deixar a barba crescer, segundo disseram veículos de comunicação locais há uma semana. Mediante o escândalo provocado por essa sentença, as informações publicadas na mídia chinesa a respeito foram rapidamente censuradas.

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