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“No Brasil, os adolescentes são hoje mais vítimas do que criminosos”

O Unicef, OAB e CNBB protestam contra avanço na Câmara da PEC que reduz a maioridade

Deputado Major Olimpio (PDT), de braços alçados, comemora.
Deputado Major Olimpio (PDT), de braços alçados, comemora.Marcelo Camargo (Agência Brasil)

Um dia depois do avanço na Câmara dos Deputados da proposta de emenda constitucional que defende a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, já há sinais que anunciam uma fogueira ao redor desse debate nos próximos meses. Instituições como a Organização dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Unicef estão se manifestando radicalmente contra a admissibilidade da PEC 171/93 e a redução em si, reforçando o protesto, aparentemente ainda minoritário, de quem é contra uma mudança na lei brasileira.

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Em nota oficial publicada em seu site, a OAB manifestou sua contrariedade à decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e reafirmou sua posição de que a PEC é inconstitucional, por violar uma cláusula pétrea da Constituição de 88 – a que diz que um direito conquistado não pode ser retirado. “A Constituição fixa a maioridade penal em 18 anos. Para a Ordem, essa é uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada. Além disso, existem dados que mostram que essa medida seria inócua”, diz o texto.

A organização cita dados do Conselho Nacional de Justiça, que apontam que 47% dos internos em centros de reabilitação têm entre 16 e 17 anos e 42%, de 14 a 15 anos. “Os crimes que eles cometem são praticamente do mesmo tipo. Portanto, baixar a idade penal para 16 anos não resolverá completamente o problema. O entendimento da OAB é que o Estado brasileiro deve primeiro cumprir suas funções sociais antes de remeter a culpa pela falta de segurança ao sistema de maioridade penal”, afirmam, sem descartar a possibilidade de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, caso o projeto prospere no Congresso.

O argumento de que o Estado, através da Câmara de Deputados, deveria sair em defesa das crianças e dos adolescentes em lugar de “descartá-los”, foi usado também pela CNBB, em uma entrevista dada por dom Leonardo, bispo auxiliar de Brasília e secretário da instituição, e publicada em seu site oficial. “Lamento profundamente que alguns queiram sanar uma doença com o paciente na UTI, aplicando uma dose que poderá levá-lo à morte, ao invés de criar condições para criá-lo”, opina. Em nota oficial divulgada já em 2013, a CNBB afirmou que “a Igreja no Brasil continua acreditando na capacidade de generação do adolescente quando favorecido em seus direitos básicos e pelas oportunidades de formação integral nos valores que dignificam o ser humano”.

Já a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) tem difundido estudos e números contundentes contra a redução, como a estatística que revela que, dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Em nota do representante da UNICEF no Brasil, Gary Stahl, o fundo é contra a medida “primeiro porque está em desacordo com o que foi estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”. Também porque “ela penalizará uma população de adolescentes por pressupostos equivocados”. “No Brasil, os adolescentes são hoje mais vítimas do que autores de atos de violência”, conclui o texto.

Vale lembrar que, além dos acordos estabelecidos com a ONU, o Brasil é signatário de vários outros acordos internacionais de proteção à infância e a adolescência. O próprio ECA, que completa 25 anos em julho deste ano, é considerado uma referência mundial.

Apesar da vitória desta terça-feira, o caminho da PEC ainda é longo. Uma comissão especial deverá ser instalada na próxima quarta-feira, dia 8 de abril, e deverá ter 26 membros que discutirão o tema. Segundo um artigo publicado pelo site Congresso em Foco, a simples redução da maioridade penal não tem maioria para ser aprovada na Câmara. “A tendência, no momento, é os parlamentares reverem a idade para a responsabilização criminal apenas nos casos de crime hediondo – mudança que os defensores dos Direitos Humanos também não aceitam”, analisa.

PT e PSOL foram contra, PSDB e PR a favor; PMDB liberou bancada

A sessão que deu o sinal verde para a tramitação da proposta da redução da maioridade penal no Congresso foi acalorada. Considerada o passo mais difícil para o projeto, a votação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que considerou que a proposta não fere a Carta, mobilizou as bancadas. Os partidos contrários, PT, PSOL, PPS, PSB e PCdoB, tentaram obstruir a votação, sem sucesso. Os partidos favoráveis à aprovação da admissibilidade foram PSDB, PSD, PR, DEM, PRB, PTC, PV, PTN, PMN, PRP, PSDC, PRTB. As siglas que liberaram suas bancadas _ou seja, cada deputado decide como votar_ foram:  PMDB, PP, PTB, PSC, SD, Pros, PHS, PDT, e PEN, de acordo com a Agência Câmara. Veja aqui como votou cada deputado: http://ep00.epimg.net/descargables/2015/04/02/216c3bdf64a7175aca42014d69af6d57.pdf .

Dos 42 votos favoráveis, a chamada "bancada da bala" e evangélica, se destacam. Os dois lados agora usam as redes sociais para mobilizar apoiadores e detratores da proposta. O deputado Major Olímpio (PDT-SP), que discutiu aos berros com Alessandro Molon (PT-RJ), comemorou em sua página no Facebook: "Me exaltei e me exaltararei quantas vezes forem necessárias". Já o PV lançou campanha com 18 motivos para ser contrário à proposta.

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