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Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

O que é ser uma mulher mal comida?

Ser bem-comida, por si só, é sinal de boa vida ou razoável governo?

“Puta, vadia, vaca!”, berra um apijamado senhor do prédio em frente.

“Mal-comida, sapatão, jaburu, baranga, teu problema é sexo, porra”, vai no embalo o vizinho do andar de baixo, pança de chope, bronze, cabelos brancos e sunga.

No que entra no civilizadíssimo festival de insultos de Copacabana, o brotinho lá das alturas do mesmo edifício:

“Mermão, decidam essa palhaçada aí, coroas: ou é vadia ou é mal comida, assim não dá, seus panacas reaças...”.

No protesto ao protesto, o brotinho -sim, no Rio ainda resistem os brotinhos, caro Paulo Mendes Campos- provocou gargalhadas até no mais casmurro dos porteiros em assembleia permanente lá embaixo. O que tramam, meu Deus, esses porteiros vestidos de azul-brizola? Só os seus engaiolados canários, golas, golinhas, galos-de-campina, patativas e papa-capins sabem a resposta.

O brotinho estava apenas cumprindo uma prerrogativa da tua famosa crônica, meu querido botafoguense PMC, sobre o tipo que ela representa na buena onda carioca: “Ser brotinho é sorrir bastante dos homens...” Diante de um brotinho, os machões dançam... miudinho. Diante de um brotinho, os senhores outonais expõem o pior de si nas quatro estações. Ridículos, a favor ou contra a Dilma, com ou sem o desafinado batuque das panelas.

Dona Dilma, cadê o teflon?

A presidente, para usar uma metáfora paneleira, é o contrário do teflon nesse momento. Na discussão política ou na baixaria sexual propriamente dita, tudo cola na sua fritura ao dendê da moral e dos bons costumes.

Cola até mesmo o paradoxo observado pelo brotinho da turma da rua Miguel Lemos. Consegue ser “puta” e “mal-comida” ao mesmo tempo agora. Geni (“ela é boa pra apanhar, ela é boa de cuspir”) e uma certa sonsa Compadecida.

O politetrafluoretileno (teflon), material farto no padrinho Lula, faz falta nesta hora sem trégua em que até a sua sexualidade é tema de panelaços e manifestações. Sem me declarar feminista (assunto da minha estreia no EL PAÍS que rendeu impropérios e ruídos), tento lembrar de ter ouvido alguém definir FHC ou Lula como brochas, por exemplo, mesmo nas piores crises que enfrentaram. De gays ou promíscuos, tampouco.

Muito pelo contrário. Desde o primeiro presidente eleito pós-redemocratização, em 1989, pega bem o mar de histórias ou boatos que circulam sobre os nossos canalhas cívicos. Collor exaltava essa macheza para enfrentar as primeiras vaias que levariam, tempos depois, ao impeachment: “Eu tenho aquilo roxo!”. Fazia vazar na mídia as farras com atrizes famosas na Casa da Dinda, sua residência em Brasília.

Apesar de alguns editoriais moralistas na imprensa, no consenso do botequim também foi festejado o flagrante da genitália desnudinha da modelo e atriz Lilian Ramos ao lado do excelentíssimo presidente da República Itamar Franco, no Sambódromo do rio, Carnaval de 1994. Na pior das hipóteses, a cena foi vista como oportunismo marqueteiro da gostosa e atitude “assanhadinha”, aos moldes de um Seu Quequé, o rabo-de-saia, o cafajeste naif da telenovela brasileira.

O ex-presidente mineiro JK, o homem que disse ter feito 50 anos em 5, sempre se deu bem pela fama de, perdão da palavra, putanheiro. Putanheiro chique, diga-se, nos salões das Alterosas. O conterrâneo Aécio Neves, que disputa o terceiro turno na base do dois e dois são cinco da derrota democrática, idem.

E se na vida como ela é de Copacabana a presidente consegue ser vadia e abstêmia sexual ao mesmo tempo, no virtual a hashtag do twitter que bombou esta semana foi #DilmaNaoTransaEFodeComOBrasil. Como diria o Milton Leite, o melhor e mais irônico narrador esportivo da tv brasileira: “Que beleza!”. O autêntico patriotismo como refúgio do canalha.

Podicrê, amizade. Somos todos Palhares, para ficar no mais reles anti-herói da canalhice do nosso Shakespeare suburbano, o gênio-mor da raça pernambucana, Ele com maiúsculas e todas as exclamações dos berros das manchetes de antigamente, o titio Nelson Rodrigues.

O que é, afinal, ser mal comida?

Noves fora o perrengue Dilma, pera lá, mas o que vem a ser uma mulher mal comida ou mal-comida? Quantas transas por semana? Todo dia pode? E se o cara for abençoado pelo deus Priapo e mantiver uma paudurescência sem fim, mesmo aparecendo só de vez em quando? E se for um rock das aranhas, lindamente mulher com mulher, como na música de Raul Seixas? Toca Raul, só queria entender, vamos nessa.

Aproveito o mote aparentemente político pra gente descambar na pornochanchada freudiana brasileira. Meu papel é vociferar provocações: seria uma mulher que faz sexo quantas vezes por semana?, repito. Teria origem nos primeiros casos de histeria da história? E você, vizinho meia-bomba, acha que dá conta da responsa? E se sua resoluta esposa, para trazer a discussão ao mundo rodrigueano, estiver pulando a cerca ou o muro nada ideológico?

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Sobre o tema escreveu outro dia Clara Averbuck, no blog “Lugar de Mulher”, dispensando a mané metáfora, fala que te escuto: “Está na hora do senso comum absorver que a vida, a felicidade e a existência da mulher não orbitam em volta de uma piroca.” Mais direta impossível a escritora que se define como “nariz de pugilista, coração mole e cabeça dura”.

Ter um homem, portanto, não é sinal de bem-comida, certo? Ter um homem qualquer, só por chamar de seu, é sinal de quê mesmo? Ser bem-comida, por si só, é sinal de boa vida ou razoável governo?

É óbvio, pelo madureza ginasial de psicanálise que fiz no Crato -a Viena dos sertões- que essa gente que se apega ao sexo na hora da blasfêmia patriótica está apenas tentando se livrar, na acusação ao outro, do desespero e da repressão sexual, algo mais engaiolado que os passarinhos dos porteiros de Copacabana.

E como diria meu Santo Agostinho, Deus, livrai-me das tentações, mas não hoje. Até a próxima sexta do pecado, ainda em plena Quaresma. Viver é provação, por supuesto.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Big Jato” (Companhia das Letras”), “O Livro das mulheres extraordinárias” (Três Estrelas) e “Chabadabadá –aventuras do macho perdido e da fêmea que se acha” (Record), entre outras obras.

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