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Sabesp ampliou a lista de clientes ‘premium’ em plena crise

A estatal assinou 42 novos contratos em 2014 apesar da situação crítica dos mananciais Companhia muda a estratégia de comunicação e promete mais transparência

María Martín
Shopping Cidade Jardim, um dos clientes 'premium' da Sabesp.
Shopping Cidade Jardim, um dos clientes 'premium' da Sabesp.Edson Aoki (Wikimedia Commons)

A companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) forneceu a este jornal, por meio da Lei de Acesso à Informação, a lista completa dos seus clientes fidelizados, aqueles que pagam menos quanto mais água consomem. A relação contêm 537 nomes de indústrias, condomínios comerciais, grandes hotéis como o Meliá, hospitais, redes de alimentação como o McDonald's e shoppings, como o Cidade Jardim. Todos eles consomem cerca do 3% do volume de água faturado e beneficiam-se de descontos de até 75% na conta de água e esgoto. As tarifas aplicadas aos clientes premium seguem a lógica contrária à aplicada ao resto de consumidores cuja conta aumenta conforme cresce seu consumo. Em plena crise hídrica, em alguns casos, o preço pago por estas empresas por cada litro de água é menor que o cobrado a clientes residenciais e em todos eles a tarifa é inferior à aplicada a clientes comerciais e industriais que pagam até 13,97 reais por cada metro cúbico. A Sabesp não informou o volume consumido por todos eles nem a tarifa cobrada, mas se comprometeu a divulgar no seu site, nas próximas horas, os próprios contratos assinados com estes clientes. A companhia afirma que só ocultará aqueles dados protegidos por cláusulas de confidencialidade.

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Entre esses clientes há 42 que assinaram seus contratos em 2014, quando a escassez de água já ameaçava com deixar São Paulo em uma situação delicada. Juntos, eles gastam 1,8 bilhão de litros – o equivalente à água utilizada por mais 115.000 famílias de quatro membros – e foram os maiores responsáveis pelo aumento de 5,4% no consumo anual de água reservado a empresas com esses grandes descontos, conforme revelou a Agência Pública na semana passada. A companhia afirma que alguns desses novos contratos referem-se a renovações, mas assegura que não vai assinar novos contratos até os mananciais se recuperarem. Em breve, porém, essa lista somará cerca de 20 novos clientes do município de Diadema, onde a Sabesp começou a prestar serviço no ano passado.

Apesar da opinião de vários especialistas, que reivindicam que o preço da água em plena crise hídrica deve ser igual para todos, ou do posicionamento do próprio ex-presidente da Sabesp e pai destes contratos, Gesner Oliveira, que defendeu revê-los, a estatal não cogita suspender este programa de fidelização. A companhia argumenta que estes clientes acabam subsidiando as tarifas residenciais e que um aumento do preço poderia promover um êxodo de vários clientes para fora de São Paulo. 

Os principais clientes premium da Sabesp são condomínios comerciais (19,31%), seguidos de comércios varejistas (13,75%) e a indústria farmacêutica (7,42%). Com percentuais mais discretos aparecem hospitais (6,85%), a indústria automotiva (6,57%) e a categoria de alojamento e alimentação, onde encaixam hotéis e indústrias alimentistas (5,26%). A maior parte dos clientes (40,84), porém, está diversificada e classificada na categoria "outros". Nela entrariam empresas de comunicação, igrejas, bancos, escolas e fábricas.

Fonte: Sabesp
Fonte: Sabesp

A economia dos gigantes do consumo

Desde que os contratos de demanda firme foram impulsionados pela Sabesp em 2005, a água disponibilizada para grandes clientes aumentou 92 vezes. Segundo dados revelados também pela Agência Pública, em 2005 foram reservados 266 milhões de litros para oito clientes, enquanto em 2014 já foram 24 bilhões de litros.

Desde o ano passado, porém, os clientes premium diminuíram seu consumo proveniente da tubulação da Sabesp. Em alguns casos trata-se de uma verdadeira economia de água, mas na maioria (70%), a queda na conta se deve ao uso de fontes alternativas de água como os poços e caminhões-pipa, recursos não provenientes dos castigados mananciais de São Paulo. É importante ressaltar, porém, que a Sabesp compara fevereiro de 2014 com janeiro de 2015, mês férias escolares e quando historicamente o consumo é menor.

Fonte: Sabesp
Fonte: Sabesp

A procura por outras fontes de água, a redução de pressão – que também afeta estes clientes – e a diminuição do consumo teriam significado 26% na economia de água, diminuição equivalente à atribuída aos clientes residenciais.

A campeã na redução de consumo é a indústria automotiva, que sofre uma das piores crises dos últimos anos. Os fabricantes de carros reduziram 64% seus consumo, mesmo porque sua demanda por água potável no processo produtivo não é tão necessária como no caso das indústrias farmacêuticas que, 100% dependentes da água da Sabesp, reduziram seu consumo apenas 18%. Na fila dos poupadores: os condomínios comerciais, onde estão incluídos os shoppings.

Mais transparência

A divulgação da lista é um raro exercício de transparência na estatal, pois durante vários meses a Sabesp negou-se a divulgar informações sobre seus clientes. A negativa chegou até a Corregedoria Geral da Administração que manifestou-se a favor da divulgação das informações após um recurso interposto pela Agência Pública. À pressão do corregedor, Gustavo Ungaro, somou-se a chegada de uma nova diretora de comunicação, Salete Cangussu, muito próxima do presidente Jerson Kelman e partidária de maior transparência.

Os contratos de fidelização entraram na pauta da crise hídrica após EL PAÍS publicar uma primeira lista com 294 nomes e suas respectivas tarifas. Movimentos sociais, entre eles o dos Trabalhadores sem Teto que reuniu 10.000 pessoas contra a falta de água há duas semanas, começaram a incluir entre suas exigências a divulgação e suspensão destes contratos. 

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