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Governo Obama acusa polícia de Ferguson de discriminação racial

Investigação respalda queixas dos manifestantes após a morte de jovem negro desarmado

Manifestante em novembro, na localidade de Ferguson (Missouri).
Manifestante em novembro, na localidade de Ferguson (Missouri).J. SAMAD (AFP)

Uma investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos corrobora a queixa mais difundida entre os residentes negros da cidade de Ferguson, no Missouri: que eles sofrem discriminação por parte da polícia e da Justiça. Após seis meses de inquérito, o Governo federal concluiu que os órgãos policiais, judiciários e penitenciários desse subúrbio de Saint Louis adotam rotineiramente práticas racistas.

A investigação começou depois da morte, em agosto, de um negro desarmado de 18 anos, atingido por pelo menos seis disparos de um policial branco. O caso de Michael Brown desatou uma onda de protestos em Ferguson, motivada em grande parte pela raiva disseminada na comunidade afro-americana contra supostos abusos policiais reiterados. Nesse município de 21.000 habitantes no Meio-Oeste dos EUA, a maioria da população é negra, mas os brancos dominam a estrutura política, policial e educacional.

Apesar de representarem 67% da população de Ferguson, os negros são alvo de 85% das abordagens no trânsito, de 88% dos casos de uso da força policial e de 93% das detenções na cidade

O Departamento de Justiça concluiu que entre 2012 e 2014 os agentes policiais violaram rotineiramente os direitos constitucionais dos cidadãos negros de Ferguson, valendo-se do uso excessivo da força e de abordagens injustificadas no trânsito com fins arrecadatórios, segundo antecipou na terça-feira um alto funcionário do Departamento à imprensa dos EUA. Os resultados do inquérito devem ser divulgados oficialmente nesta quarta.

Após anunciar suas conclusões, o Governo federal pode iniciar uma negociação com as autoridades de Ferguson para provocar determinadas mudanças ou, caso isso fracasse, abrir uma ação judicial contra o município por violação da Constituição. Nos últimos seis anos, cerca de 20 corpos policiais dos EUA foram investigados por motivos semelhantes.

O inquérito do departamento comandado pelo secretário Eric Holder é certamente o melhor instrumento para propiciar mudanças evidentes em Ferguson. Não se trata de um caso excepcional: as tensões por questões raciais entre o Governo federal e as autoridades locais são uma constante na história recente dos EUA. Nos anos cinquenta e sessenta, Washington impôs forçosamente leis contra a discriminação em Estados e municípios que se opunham a elas.

Um processo independente das recomendações policiais

A investigação do Departamento de Justiça é um processo completamente independente da comissão de especialistas que faz recomendações sobre como melhorar a confiança entre a comunidade negra e a polícia. A investigação começou em agosto, depois da morte do Michael Brown. A comissão foi criada em dezembro pelo presidente Barack Obama, uma semana depois de a Justiça inocentar o policial que matou o jovem negro em Ferguson.

O comitê de especialistas, integrado por policiais de alta patente e juristas, divulgou na segunda-feira um relatório preliminar com 59 recomendações gerais para todos os órgãos policiais dos EUA, cuja aplicação depende do Governo federal e da sua capacidade de influir nas polícias estaduais. Os especialistas defendem que as polícias fiquem mais próximas da comunidade, sejam racialmente mais diversificadas e atuem de forma mais preventiva e menos violenta.

Após ouvir centenas de depoentes e analisar 35.000 páginas de boletins de ocorrências policiais, os investigadores federais determinaram que, apesar de representarem 67% da população de Ferguson, os negros são alvo de 85% das abordagens no trânsito, de 88% dos casos de uso da força policial, de 90% das intimações judiciais e de 93% das detenções na cidade.

Os motoristas negros têm o dobro de chance de serem inspecionados por um policial, apesar de ser menos provável que portem armas ou drogas. Os afro-americanos também estão envolvidos na maioria de incidentes em que cães policiais mordem cidadãos, num incômodo eco da repressão policial contra as passeatas dos anos sessenta em prol dos direitos civis.

No Judiciário de Ferguson, os afro-americanos têm menos chances de que um juiz arquive seu caso, e eles representam 95% das pessoas detidas em carceragens durante mais de dois dias. A maioria dos mandados judiciais se refere a infrações leves, como de trânsito ou estacionamento. O secretário Holder, que visitou Ferguson depois da morte de Brown, criticou há alguns meses esse sistema por penalizar injustamente os cidadãos mais pobres da cidade.

A discriminação, conclui a investigação, vem de cima: é alimentada em parte por estereótipos raciais das chefias. Os investigadores encontraram um e-mail de 2008, enviado de uma conta municipal, segundo o qual Barack Obama não seria presidente por muito tempo. “Que homem negro mantém um trabalho estável durante quatro anos?”, ironizava a mensagem.

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