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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Arte

Um copo com água exposto na feira Arco de Madri vale quase 64.000 reais O heterodoxo artista também vendeu um celular lacrado por 48.000 reais

Carlos Boyero
A obra ‘Copo de água meio cheio’, de Wilfredo Prieto.
A obra ‘Copo de água meio cheio’, de Wilfredo Prieto.

Dizem os sábios que a arte alimenta a alma das pessoas, apesar de eu imaginar que o espírito aprecia muito mais esse suplemento alimentar quando o estômago está saciado com pão duro ou com caviar. E, evidentemente, essa ancestral e inesgotável fonte de beleza, esse alívio para nossos sofrimentos cotidianos, essa sublime expressão dos sentimentos não tem preço, já que seu valor é incalculável. E seria inútil debater no que consiste a arte. A gosto de cada freguês, suspeito. Por exemplo: quanto vale um copo com água pela metade, exposto na Arco, a Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madri? Em um artigo de Ferran Bono fico sabendo do preço. Me parece uma pechincha: 20.000 euros (quase 64.000 reais). E quem se atreveria a afirmar que a água, esse bem sem o qual nada nem ninguém poderia subsistir na Terra, não se transforma em arte ao ser colocada em um copo? Me contam que o heterodoxo artista cubano Wilfredo Prieto não só encontrou a arte da água como também vendeu, no ano passado, um celular lacrado por 15.000 euros (48.000 reais).

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Ele também expôs com notável sucesso um pedaço de melancia e quatro cascas de banana. Tudo bem, são ideias. Mas abarrotadas de arte. Como as latas de sopa Campbell imortalizadas pelo esperto hipermoderno Andy Warhol. Entendo que o preço de As Meninas ou de A Ronda Noturna seja um pouco mais alto. Por enquanto. Mas, como dizia minha santa mãe, dê tempo ao tempo.

Existe uma arte que foi concebida há milênios e que continua deixando boquiabertos os viajantes, inclusive os depreciáveis turistas como eu. Em lugares próximos ou remotos, em civilizações sobre as quais sabemos pouco, mas que certificam que a criatividade e a beleza conheceram a plenitude desde que o Espírito Santo ou a matéria pariram o ser humano. São nosso maior patrimônio. Quase todo o resto é barbárie.

Os bárbaros, vestidos com uniformes napoleônicos, passavam suas horas de lazer no Cairo esburacando a tiros o nariz da Esfinge. E imagino que não levaram embora as pirâmides porque era demasiadamente cansativo. A culpa foi do tédio. Os martelos das bestas de Mossul, destroçando esculturas milenárias, são guiados pela fé. Fé para degolar os prisioneiros diante da câmera. Fé para implicar com a arte antiga. O que será que ela fez aos malditos deuses?

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