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JOSÉ EDUARDO CARDOZO | MINISTRO DA JUSTIÇA

“Foi criada uma versão sobre uma reunião que não existiu”

O ministro, que passou dias se defendendo de acusações, diz que manterá mesma postura

C. J.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.Isaac Amorim (MJ)

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ri quando perguntado se não se incomoda de ter ficado no olho de mais um furacão do Governo Dilma ao longo desta semana. Se é um riso ensaiado ou espontâneo, não se sabe. Mas é certo que Cardozo está bem treinado para rebater as duras críticas que recebeu por ter se reunido com representantes das empreiteiras investigadas da Operação Lava Jato — Cardozo só confirma uma reunião. A sua argumentação, no entanto, não foi suficiente para evitar que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa chegasse a pedir a sua demissão por rede social.

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Alheio à polêmica, Cardozo, que acompanha Dilma desde os tempos da campanha para a sua primeira eleição em 2010, se sente à vontade para defender suas posições, que incluem receber advogados de qualquer assunto espinhoso, quando necessário. E repete as palavras da presidenta para sustentar que o Ministério da Justiça quer ver os fatos resolvidos, independentemente do poder econômico do réu.

Pergunta. Empreiteiras investigadas na Lava Jato têm relação estreita com o Governo, seja na Petrobras ou via financiamento de campanha. Como atender à transparência exigida do Ministério da Justiça para lidar com o assunto, uma vez que o senhor esteve com representantes de três construtoras?

Resposta. Meus compromissos sempre foram absolutamente transparentes. Há uma especulação indevida, e notícias improcedentes. Foram mencionadas duas reuniões que teria tido com empreiteiras, uma com o [advogado] Sergio Renault, da UTC, e Sigmaringa Seixas [ex-deputado petista], que nunca ocorreu. Isso foi uma situação que pode ser vista como reunião. Estava com o Seixas, conversando sobre uma questão pessoal, e ele me disse que havia marcado encontro com o advogado Sergio Renault, que o aguardava na antessala do meu escritório. Como veio para cá, pediu para que viesse aguardar. Eu o cumprimentei (Renault), e usei aquela frase ‘vamos tomar um café’. De pé, com portas abertas, ele saiu. A partir daí construiu-se uma reunião que não houve. Foi feita uma versão. A Odebrecht não. Marcou audiência, queriam a visita institucional, mas para tocar em questões da Lava Jato. Disse que os receberia desde que cumpridos os procedimentos formais, isso consta e tem ata. E foi acompanhado pelo servidor do ministério (Márcio Junior), que é o chefe de gabinete. Ele fez a ata, acompanhou o encontro com a Odebrecht.

P. Podemos ter acesso à ata?

R. A ata não posso apresentar porque há questões sigilosas. Mas encaminhei questionamento para a Procuradoria Geral da República para que ela me prestasse informações sobre uma questão do objeto deste pedido. E indaguei se havia sigilo e se poderia responder à própria empresa, e se poderia falar publicamente sobre o teor dessa representação. Ainda não recebi a resposta.

 P. Mas o juiz Sergio Moro condiciona até a extensão da prisão preventiva dos executivos hoje detidos em Curitiba, em função desses encontros noticiados pela imprensa que o senhor diz que não ocorreram, não?

R. Na decisão de Moro ele diz que não tem indício de que eu tenha feito rivalidade. Mas ele diz que as empreiteiras estariam se valendo disso. Eu não vou discutir decisões judiciais. O ministro da Justiça não tem como adentrar no que outro poder decide. Apenas tenho de dizer que nenhum dos advogados da Odebrecht fez solicitações indevidas. Eles fizeram duas petições, não tem a ver com poder Judiciário, mas a investigação de vazamentos, e acordo do Brasil com a Suíça [na divulgação de informações financeiras dos envolvidos]. Não tenho nenhuma problema com isso, apenas não posso falar sobre a questão da Suíça.

P. Mas sabe-se que a Odebrecht se queixou com o senhor sobre o vazamento de informações no processo de investigação do Lava Jato.

R. Houve uma queixa deles que haveria vazamento do processo da Polícia Federal. E que o inquérito não seria tocado com a devida acuidade, pela PF, uma vez que só eram ouvidos jornalistas, que têm sigilo da fonte garantido por Constituição.

P. O que foi feito?

R. Eles pediram providências, ficaram de fazer representação, protocoladas no dia seguinte. A primeira encaminhei à PF, e posteriormente, à PGR, para que me informasse questões que eu possa decidir se posso acolher o pedido da empresa. Dentro de absoluto padrão normal. Os advogados têm esse direito, é estatuto da democracia.

P. Mas o vazamento está sendo investigado?

R. Através da Corregedoria da PF. Fiz determinação para que se abra inquérito policial e se verifique o comportamento disciplinar.

P. Não por causa da Odebrecht?

R. Não, ela não solicitou isso, eu já havia pedido. Mas eles me perguntaram por que o inquérito não está sendo bem conduzido, pois só foram ouvidos jornalistas nisso, e pedem providências do MJ, que tem a PF sob sua supervisão.

P. O assunto ganhou forte dimensão, inclusive com o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa pedindo sua demissão. Não é um ponto delicado?

R. Isso é parte de um debate. Também o Carlos Ayres Britto (ex-ministro do STF) disse que isso é absolutamente normal, outros defendem. É um debate que se coloca, um dever, e continuarei a fazê-lo. Aqui todos serão recebidos, não tenho por que não recebê-los.

P. O senhor não falou com o juiz Sérgio Moro sobre o vazamento, por exemplo?

R. Não tenho por que conversar com o juiz para assuntos processuais.

P. Este episódio pode fazer o senhor mudar de postura no modo de atuar?

R. Vou lidar do mesmo modo que sempre lidei. Recebendo proprietários de terra em casos de disputa terras indígenas, [envolvidos com casos no] Cade, muitos juristas, que pela legislação tenho dever de receber. É legítimo que exerçam seu papel de defesa, que indaguem, façam pedidos, audiências. Isso é indiscutível à luz da Constituição brasileira. Não consigo entender a ideia de uma relação equivocada entre autoridade pública e ministros. Tenho o direito de ouvi-los.

P. Essa mistura entre público e privado não exige tomar algumas precauções?

R. Não importa quem praticou atos ilícitos, se é base do Governo, oposição, se tem ou não tem poder econômico. Tudo deve ser colocado em pratos limpos. E sejam colocados exemplarmente. A minha determinação para a PF é que faça a investigação, o que deva ser feito. Só zelo para que a lei não seja descumprida. Quando alguém acha que a PF faz algum abuso, eu recebo reclamação dos advogados, e mando apurar. No mais, apurar, fazemos política republicana. Não importa quem seja o investigado.

P. Este segundo mandato está mais difícil que o primeiro para o senhor?

R. Minha atuação no Ministério continua dentro das diretrizes do governo Dilma. A Lava Jato trouxe muitas turbulências, setores da oposição tentam arrastar o que foi consumado, para um terceiro turno eleitoral. Há quem não sabe absorver a derrota, e vejo que exige de parte do governo, uma ação firme de elucidação dos fatos. Da parte do governo não há nada que não seja punir quem faz atos ilícitos.

 P. Quais são as diretrizes exatamente?

R. Determinar que a PF apure, para que a investigação vá em frente e que não haja obstáculos para a investigação. Lhe garanto que se alguém tivesse pedido para que colocasse obstáculos à investigação, que não fosse o estrito direito de defesa, no âmbito do MJ, eu teria tomado as medidas necessárias.

P. Além de entrar no olho do furacão da Petrobras na semana que passou, o senhor é citado pelo ex-secretário de Energia de São Paulo José Aníbal, que está processando o senhor pela inclusão do nome dele no processo do 'trensalão'. Como o senhor se posiciona a respeito deste fato?

R. Eu também estou processando o secretário José Aníbal. Eu recebo um conjunto de documento relativo a fraudes e outras vantagens no que diz a compra de trens e metrôs do Estado de São Paulo. Era uma pessoa que delatava. Eu fiz o que tinha de fazer. Encaminhei o material à PF. Aníbal ficou irritado por ter encaminhado, por ter cumprido meu dever. Me dirigiu impropérios pela imprensa, me representou conselho ética na Presidência, o que foi indeferido. Eu entrei com ação por injúria e calúnia, crimes contra a honra.

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