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Duplo atentado põe à prova o modelo de integração dinamarquês

Debate sobre imigração será um eixo das eleições legislativas marcadas para setembro

Luis Doncel
Empunhando velas, milhares de pessoas participam de manifestação na segunda-feira em Copenhague em solidariedade às vítimas dos ataques.
Empunhando velas, milhares de pessoas participam de manifestação na segunda-feira em Copenhague em solidariedade às vítimas dos ataques.michael probst (ap)

Nesta segunda-feira, milhares de dinamarqueses despediram-se das vítimas do ataque terrorista que comoveu a Dinamarca no fim de semana. "O que aconteceu foi horrível, mas temos de viver sem medo", dizia Hanna Camnas, uma mulher que vive ao lado do centro cultural onde foi assassinado, no sábado, o cineasta Finn Nørgaard, de 55 anos. Como ela, milhares de cidadãos, 30.000 segundo a polícia, pediam a volta à normalidade.

Horas antes, a primeira-ministra, Helle Thorning-Schmidt, tinha enfatizado a necessidade de distinguir os violentos dos muçulmanos. "Não estamos diante de um conflito entre o Ocidente e o islã", disse a líder social-democrata em um pronunciamento à imprensa internacional. Apesar de tudo, o debate sobre a imigração e a integração terá um papel fundamental nos próximos meses em vista das eleições de setembro, que podem levar a direita de volta ao poder.

"Temo que os ataques venham a esquentar a discussão sobre imigração, em especial dos muçulmanos. Se for assim, espero pelo menos que inclua também o aspecto da exclusão social e da falta de oportunidades para os jovens de origem árabe. Mas temo que o Partido Popular Dinamarquês domine o debate, sobretudo, paradoxalmente, fora de Copenhague", diz Birgit Stöber, professora de Comunicação Intercultural da Escola de Negócios da cidade dinamarquesa. Seu colega da Universidade de Copenhague, Kristian Søby Kristensen, assinala que, apesar de não terem sofrido nenhum atentado, os dinamarqueses já conviviam de fato com a ameaça terrorista, por isso acredita que os ataques não vão ter um grande efeito. "O que ocorreu não foi surpresa para ninguém. Há anos a polícia já desativou planos para atacar o jornal Jyllands-Posten", afirma.

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Precisamente esse jornal dava o passo que a primeira-ministra não tinha querido dar ao falar de uma "guerra de religiões". "Na Europa há uma guerra cultural e de valores, mas também uma guerra religiosa. Precisamos reconhecer isso se quisermos defender nosso modelo de sociedade", dizia o editorial do jornal que ficou famoso ao publicar, uma década atrás, caricaturas de Maomé que geraram uma onda de violência.

Na realidade, o debate sobre o número adequado de imigrantes, as fórmulas para integrá-los e o papel dos muçulmanos não retornou à Dinamarca, porque nunca a deixou. Nos últimos 15 anos foi um dos pivôs da política dinamarquesa. O atual líder da oposição, Lars Løkke Rasmussen, governou o país até 2011 graças ao apoio do xenófobo Partido Popular Dinamarquês (PPD).

A legenda, que defende maior proteção das fronteiras e redução dos serviços que beneficiam os europeus residentes na Dinamarca, foi a mais votada nas eleições europeias do ano passado. E as pesquisas dão a eles um excelente resultado nas eleições de setembro próximo, que poderiam pôr fim ao Governo de Thorning-Schmidt.

A linguagem do PPD foi contagiando as demais formações políticas do país, com 4% de muçulmanos. A porta-voz do Venstre, o maior partido da oposição, causou um rebuliço no ano passado ao afirmar que os imigrantes não ocidentais geram mais problemas de integração. "Não é preciso estabelecer os mesmos requisitos para todos, mas, em geral, existe uma grande diferença na capacidade e na vontade de integrar-se de um americano cristão ou um sueco que de um muçulmano somali ou paquistanês", afirmou.

Essa corrente também arrastou os social-democratas no Governo, que aprovaram normas para endurecer o controle das fronteiras. No Natal, a primeira-ministra proclamou que a integração não tinha funcionado. Quando surgiu uma polêmica sobre o fato de os refeitórios escolares darem comida halal às crianças, Thorning-Schmidt pediu que fosse incluída nos menus comida tradicional dinamarquesa com porco, o que valeu à primeira-ministra o apelido de "almôndega Helle".

"Nos últimos anos, tanto a centro-direita como os social-democratas se deslocaram para uma retórica muito mais direitista. Essa virada pode ser explicada pela ameaça de perder votos para o PPD ou pela necessidade que a Dinamarca tem, nos próximos anos, de ajustar seu Estado de bem-estar ao mesmo tempo em que tenta proteger alguns dos principais valores de seu sistema social", acrescenta a professora Stöber.

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