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Filho de Bachelet se defende por seus negócios milionários

Em entrevista ao ‘El Mercurio’, Sebastián Dávalos diz que não considera irregular o crédito que obteve durante a campanha eleitoral

Rocío Montes
Sebastián Dávalos, filho mais velho de Michelle Bachelet.
Sebastián Dávalos, filho mais velho de Michelle Bachelet.F. T. (EFE)

O filho mais velho da presidenta do Chile, Michelle Bachelet, Sebastián Dávalos, renunciou na sexta-feira ao seu cargo de diretor sociocultural no palácio de La Moneda. Ele cedeu à pressão que sofria por causa da revelação dos milionários negócios imobiliários que ele realizou com sua esposa, Natalia Compagnon, desde a segunda campanha presidencial disputada por sua mãe, em 2013, resultando em um lucro de 3,8 milhões de dólares (10,8 milhões de reais).

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Dois dias depois da demissão dele, anunciada pelo palácio presidencial sem que jornalistas pudessem fazer perguntas, o cientista político de 36 anos concedeu uma entrevista o jornal El Mercurio, na qual observou que não considera irregular o crédito de 10 milhões de dólares que obteve após uma reunião com o vice-presidente do Banco do Chile. Ele rejeitou as suspeitas de que teria usado informação privilegiada e tráfico de influências na operação. “Não há nada de ilícito nem de delito de funcionário público, como alguns sugerem […], não há nada. Divulga-se isso como se houvesse aqui uma questão estranha, delitiva, criminosa, que não existe, que não é real”, afirmou.

Em 6 de novembro de 2013, dias antes da votação que levaria Bachelet pela segunda vez à presidência do Chile, o casal foi recebido pelo vice-presidente do Banco do Chile, Andrónico Luksic, que pertence a uma das mais ricas e influentes famílias de empresários do país. O objetivo era obter um crédito de 10 milhões de dólares para a empresa Caval Limitada, da qual Compagnon é dona de 50% e na qual Dávalos à época trabalhava como gerente de projetos. Várias instituições financeiras negaram o empréstimo ao casal, alegando, entre outras razões, que são pessoas expostas politicamente. Mas, 24 horas depois da vitória de Bachelet no segundo turno, em 16 de dezembro de 2013, o Banco do Chile informou a Dávalos e Compagnon que a operação havia sido aprovada, conforme revelou a revista Qué Pasa. Tinha tudo para ser um negócio redondo: a firma compraria terrenos na localidade de Machalí, cerca de cem quilômetros ao sul de Santiago, e aguardaria que eles se valorizassem graças a uma mudança no plano diretor da região, o que dependeria do Ministério de Habitação e Urbanismo. Dias atrás, a Caval concretizou a milionária operação de revenda dos lotes.

O filho da presidenta diz que não sabe como a empresa percebeu que havia um bom negócio à sua espera. Ele nega que soubesse de antemão da reforma no plano diretor e não considera que sua reunião com Luksic tenha sido inadequada. Segundo a imprensa local, foi o executivo do banco quem solicitou a presença do filho da então candidata na reunião. “Não acredito que seja imprudente, por uma razão muito simples: se eu trabalho no mundo privado, como trabalhava já fazia muito tempo, não posso ficar me preocupando com o que acontece no Governo; e, ao invés disso, se eu trabalhar no Governo não posso ficar me preocupando com o que acontece no mundo privado”, disse o primogênito da chefa de Estado ao El Mercurio. Sobre as razões que levaram o executivo a recebê-lo, Dávalos disse que essa pergunta deve ser feita ao próprio Luksic. Também afirmou que não recebeu dividendos pela operação milionária que ajudou a executar como funcionário da empresa. “Não ganhei nem um peso. Se eu quisesse ganhar uma grana fácil não estaria trabalhando no Estado […]. Teria ficado trabalhando no setor privado, ou estaria ligado à especulação de ações, ou faria outro tipo de negócios”, acrescentou o cientista político, pai dos dois netos da presidenta socialista.

Não tem nada de ilícito nem de delito de funcionário público como alguns sugerem (…), não há nada.

O filho de Bachelet argumenta que o negócio selado pela empresa Caval é uma transação entre particulares, sem relação com o fato de a sua mãe ser candidata e posteriormente presidenta. “A reunião que ocorreu se deu entre particulares, durante o Governo de Sebastián Piñera, numa época em que eu trabalhava no setor privado e que trabalhava como funcionário ligado à Caval Inversiones, essa é a verdade. A presidenta não tem nada a ver com isso e não tem por que estar a par, nem tem por que saber o que fazem os particulares.”

O filho da mandatária relatou que ela conheceu detalhes da transação “pelos meios de comunicação”, durante as recentes férias da família no sul do Chile, e que sua reação teria sido perguntar a ele e à nora “o que está acontecendo”. “Dissemos a ela que era um negócio entre particulares, que como era entre particulares não tinha nenhuma relação com o Governo. E ela entendeu que a coisa ia por esse lado, e foi isso que o Governo saiu dizendo na segunda-feira.”

Apesar de ter pedido desculpas na sexta-feira pelo dano que o chamado Noragate causou ao Governo e à presidenta, Dávalos apresentou-se como vítima de rumores espalhados nos últimos dez dias. “Disseram-se muitas falsidades, muitas mentiras, essa é a verdade, e fica no ar essa sensação de que há algo escuro, ilícito ou turvo, mas que ninguém é capaz de explicar bem. Claramente fica uma aura de que as coisas não estavam bem.”

O cientista político, nascido em 1978 na extinta Alemanha Oriental, onde sua mãe estava exilada, sugeriu a possibilidade de que seu caso seja parte de um complô contra a chefa de Estado: “Quero pensar, de verdade, que minha lealdade ao Governo e à presidenta é a mesma lealdade compartilhada por ministérios e partidos. Quero crer que isso não foi um dano proposital à presidenta [...]. Quando a presidenta voltar das suas férias terei de buscar um espaço para conversar com ela e discutir e analisar com justiça o que foi que aconteceu.”

Ele também se referiu ao perfil que expõe em público, o qual lhe valeu críticas por se distanciar da austeridade da mãe e da família de origem – como quando, no final de 2012, apareceu num Lexus conversível avaliado em 50.000 dólares (141.700 reais, em valores atuais). “Os veículos Lexus nunca foram meus, são de uma empresa da qual nem sequer sou sócio [a Caval]”, afirmou. Sobre a Harley-Davidson que declarou em seu relatório patrimonial e de interesses em meio ao Noragate, afirmou que “essa é uma moto que qualquer outra pessoa poderia ter, vale menos que um automóvel e eu não tenho automóvel”. O primogênito de Bachelet disse que está abalado com o caso e não sabe ao certo a que se dedicará no futuro. “O que mais me afeta por deixar meu cargo é que é o trabalho do qual mais gostei na minha vida. É o único trabalho do qual gostei na vida.”

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