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Um ditador no Carnaval do Rio

Presidente da Guiné Equatorial há 35 anos patrocina Beija-Flor com 10 milhões de reais

Beija-Flor durante o desfile de 2014.
Beija-Flor durante o desfile de 2014.Luiz Eduardo Perez (EFE)

Ninguém está há mais tempo que Teodoro Obiang (1942) como chefe de Estado de um país africano. Há 35 anos ele governa à vontade a Guiné Equatorial, um diminuto país de 700.000 habitantes que é o terceiro maior produtor de petróleo do continente. O ditador guineano é o oitavo governante mais rico do mundo (segundo a revista Forbes), num país que ocupa a 136ª posição (de 187) no índice de desenvolvimento humano da ONU. O que não se sabia até então, e foi revelado pelo jornal O Globo nesta quarta-feira, é o capricho carioca de Obiang, que visita discretamente o Carnaval do Rio de Janeiro há mais de uma década e patrocina com 10 milhões de reais uma das escolas de samba que mostrarão sua dança e suas fantasias para o mundo, a partir do próximo domingo, no famoso Sambódromo.

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Obiang assiste ao desfile principal das comemorações e se hospeda na “suíte” mais cara do hotel Copacabana Palace (o mesmo usado pela cúpula da FIFA no recente Mundial de futebol) ou num apartamento de luxo no bairro de Ipanema. Seu hobby carnavalesco contagiou sua família, e entre os parentes que costumam acompanhá-lo está sempre seu primogênito, Teodoro Nguema Obiang Mangue, “Teodorin”, um dos vice-presidentes do país e favorito para suceder o sanguinário ditador, que impôs um regime de terror desde sua chegada ao poder, cuja brutalidade é denunciada sistematicamente há décadas por organizações internacionais de direitos humanos.

A escola apoiada pelo mandatário africano é o Grêmio Recreativo Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, fundada em 1948, doze vezes campeão do Grupo Especial (e a maior campeã desde a inauguração do Sambódromo, na rua Marquês de Sapucaí, em 1984). A Beija-Flor tem também em sua história algumas apresentações pouco memoráveis, como exaltações à ditadura brasileira na década de 1970. Desde que em 1985 uma delas entrou na avenida com publicidade visível de uma fábrica de cerveja, o patrocínio de escolas de samba se tornou prática relativamente comum, proveniente de empresas e instituições públicas que colocam sua marca na principal festa do calendário brasileiro, o Carnaval mais famoso do mundo, um evento para o qual as agremiações trabalham durante o ano todo.

Os desfiles com os quais as escolas competem foram mudando progressivamente seu aspecto, que nos últimos anos derivou para a ostentação de fantasias superelaboradas e carros alegóricos deslumbrantes, em detrimento do tradicional samba no pé. Para manter seu barracão aberto durante o ano todo e ter chance de vencer a competição, uma escola gasta no mínimo cinco milhões de reais anualmente. A Beija-Flor conta com o dobro disso. Para escapar de possíveis acusações de vinculação a uma ditadura implacável, sua coreografia para este ano elogia as belezas da África e lembra suas lendas. A palavra Guiné só é mencionada duas vezes: Obiang exigiu a modificação de um dos versos, para incluir a palavra Equatorial e diferenciar assim sua nação da Guiné-Bissau, acossada há 11 meses por uma epidemia de ebola.

Ao que parece, o ditador vive com medo de ser ele mesmo vítima da violência que inflige ao povo guineano, espalhando lendas tais como sua possível descendência de uma tribo canibal. Rodeado por um séquito de segurança digno do líder de um país de maior tamanho, Obiang nunca deixa seu camarote privado no Sambódromo, no qual entra e sai por acessos “VIP”. Subiu ao poder em 1979, depois de mandar fuzilar seu tio, o também ditador Francisco Macías, graças a um sangrento golpe que o levou a reinar de forma absoluta sobre o terceiro maior produtor africano de petróleo. Segundo a organização internacional Global Witness, sua fortuna equivale ao investimento total guineano em saúde e educação por três anos.

Desde então, o ditador trata de limpar seu nome e de se associar a causas simpáticas (como o Carnaval). Em 2008, em visita a Paris, anunciou na Unesco sua intenção de doar três milhões de dólares para criar um prêmio científico anual, com seu nome, “em reconhecimento às conquistas científicas que melhoram a qualidade da vida humana”. A instauração do prêmio provocou protestos generalizados e fez que muitos lembrassem dos contratos petrolíferos milionários que permitiram a Obiang ser recebido em alguns dos melhores palácios do Ocidente e não ser um pária internacional. Tem processos por corrupção abertos em vários países, mas continua alimentando seu extravagante apetite por coisas caras, como sua coleção de recordações de Michael Jackson, que vale dois milhões de dólares.

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