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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Europa deixa que Tsipras cozinhe em fogo brando

A crua realidade é que o novo Governo grego não tem na Europa um só aliado digno desse nome

Claudi Pérez
O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras.
O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras.YANNIS BEHRAKIS (AFP)

A Grécia contra todos. O Governo grego pôde comprovar esta semana, em um giro tão espalhafatoso como inútil, o quanto está sozinho em toda a Europa e como foi mal recebido seu vigor nas formas, com a combinação de ingenuidade, jactância e algum erro estratégico de grande envergadura. O primeiro-ministro Alexis Tsipras se deparou com um muro intransponível: “Atenas tem um mandato claro de seu povo, mas há mais 18 opiniões públicas na zona do euro, que emprestaram 240 bilhões de euros (cerca de 750 bilhões de reais) aos gregos e cujos Governos têm muito, muito a dizer”, resume uma alta fonte europeia.

A estratégia europeia é simples. Trata-se de deixar que Tsipras cozinhe em fogo brando, com o BCE disposto a elevar a temperatura desse caldeirão borbulhante das pressões financeiras em um país que mal tem dinheiro para chegar a abril. Pode ser que Atenas tenha razão e a dívida grega necessite de cirurgia, ante os riscos de evidente fadiga econômica, social e política. Mas os parceiros europeus preferem chutar para a frente: sabem que a Grécia precisa de seu dinheiro e que, apesar de suas demandas, terá de submeter-se às suas condições. Caveat creditor: tome cuidado com os seus credores, mesmo que se façam chamar de parceiros.

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Tsipras e seu ministro Yanis Varoufakis fizeram alguma amizade na City e comprovaram que a França e a Itália apoiam a suavização da austeridade. E a solidariedade vai até aí: ninguém vai aceitar os planos relativos para a dívida, nem os ortodoxos do Norte nem a centro-esquerda de Roma e Paris nem a periferia conservadora e resgatada do Sul, com a Espanha liderando a oposição por motivos que ultrapassam o econômico e entram nas tempestuosas águas do medo do contágio político. A Grécia não quer uma prorrogação nem um terceiro resgate, e para isso pede tempo até maio, com um acordo-ponte elaborado com imaginativa engenharia financeira. Não haverá nada disso nem do plano de troca da dívida. A verdadeira lição do giro para a Grécia é a dura, gélida recepção dos credores, transformada em duríssima pela encenação de Tsipras e Varoufakis, que aos olhos dos europeus quiseram impor suas propostas.

A estratégia de jogo traçada pelo Syriza conjuga elementos de brilhantismo e realismo com ideias disparatadas do ponto de vista do que pode ser assumido por seus parceiros. A crua realidade é que Atenas não tem um só aliado digno desse nome. E nem sequer tem tempo: o BCE tirou a trava da pistola e talvez seja improvável que dispare, mas esse movimento profundamente político –e certamente injusto: o resgate está para expirar no fim do mês– precipita os acontecimentos. A Grécia apresentará entre hoje e amanhã seu plano de reformas. Na quarta-feira ele será discutido com os ministros do euro, e na quinta-feira com os chefes de Estado e de Governo. A Europa entende que algumas de suas medidas sociais são lógicas –as relativas à assistência à saúde, talvez um aumento do salário mínimo–, mas não vai permitir o congelamento das privatizações ou a interrupção das reformas. Se a proposta de Tsipras é a que esperam a Alemanha e companhia, haverá concessões mínimas: o resgate grego passará a chamar-se “contrato”, poderá haver margem para ampliar os prazos de devolução da dívida e o final da troika está perto: um final eufemístico e muito ao gosto dos alemães, porque as três instituições (BCE, Comissão Europeia e FMI) vão continuar aí, mas em separado. Se Tsipras não entendeu que esse formato está gravado em letras de bronze, será cozinhado em fogo brando até que suas necessidades financeiras o façam entrar na razão: as baixíssimas taxas de juros que paga agora em virtude do resgate europeu subirão automaticamente em 1 de março, no primeiro segundo sem o programa.

A dura realidade é que o novo Governo grego não tem um só aliado digno desse nome

Tsipras tem de enquadrar o círculo com um programa aceitável em casa e na Europa: algo impossível. Atenas fez um ajuste extraordinário e está em meio a uma depressão social, isso ninguém nega. Mas pode ser que tenha sido em vão: a troika não entendeu os verdadeiros males da Grécia; os homens de preto meteram o bisturi no investimento, na saúde, nas pensões, e estrangularam as classes médias para equilibrar os números, mas deixaram intactos os problemas subjacentes. Os males de um Estado clientelista, enorme e esclerosado e a proteção de alguns grupos de interesse continuam exatamente iguais. Foi aplicado o rigor mortis das reformas fáceis, os cortes deflacionários, mas não se fez o complicado: as reformas que teriam permitido desmantelar o capitalismo de compadres estão por começar. Tsipras tem a oportunidade de fazer isso e se transformar no Lula dos Bálcãs, mas para isso precisa agir com sutileza em uma transição que se mostra complicada.

A Europa alemã evoca o sangue, o suor e as lágrimas churchillianas há uns cinco anos; a Grécia de Tsipras tirou o pó do I have a dream de Martin Luther King até que se viu obrigada a despertar desse sonho. Ou a Grécia e a Europa encontram uma via intermediária, com concessões de ambos os lados, ou há uma possibilidade de acidente: “As rebeliões não irrompem quando as coisas estão realmente mal, mas quando as pessoas têm a sensação de que suas expectativas não são cumpridas”, diz o filósofo Zizek em El Sur Tiene la Palavra (O Sul Tem a Palavra). Com prólogo de Alexis Tsipras, por certo.

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