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“Não há redução de pressão. A Sabesp está fechando o registro”

Marzeni Pereira, tecnólogo da Sabesp, critica a gestão da crise do Governo

María Martín
Marzeni Pereria, tecnólogo da Sabesp.
Marzeni Pereria, tecnólogo da Sabesp.M.M.

Marzeni Pereira, de 51 anos, é sindicalista e tecnólogo em saneamento da Sabesp, onde trabalha há 22 anos. Pereira, que se apresentou nas duas últimas eleições para conquistar uma vaga de deputado estadual pelo PSOL sem sucesso, faz questão de esclarecer que fala da crise hídrica como cidadão e não em nome da companhia estatal de saneamento. A ressalva é quase óbvia, pois o que ele afirma nunca sairia de uma fonte oficial. De acordo com o tecnólogo, a Sabesp não diz a verdade quando afirma que está reduzindo a pressão: “isso é uma ficção. Eles estão fechando o registro”, assegura. Pereira defende também a responsabilização do governador do Estado Geraldo Alckmin na crise hídrica e entende que a administração da Sabesp cuida dos interesses do mercado, não os da população.

Pergunta. O senhor assegura que o discurso da crise hídrica se baseia em várias ficções. Quais seriam?

Resposta. A justificativa para a falta de água tem sido a redução de pressão na rede. Isso é falso. Pois não é possível reduzir pressão em uma casa que está a 30 metros de desnível em relação a outra, e que as duas não recebam água. Além disso, não é toda a tubulação da capital de São Paulo que está controlada por válvulas redutoras de pressão (VRP). O que eles [a Sabesp] estão fazendo é fechar o registro. Eles já estão fazendo rodízio, mesmo, pois não há água. Se não fizessem isso a água já teria acabado. Uma pergunta a ser feita é a seguinte: a pressão nos canos está se reduzindo de quanto para quanto? Eles não falam porque não é verdade. Lembrando que a norma [12.218 da ABNT] estabelece pressão entre 10 e 50 metros de coluna de água.

Uma outra ficção é que a transposição do Paraíba do Sul ao Cantareira [obra que será financiada pelo Governo federal com 830 milhões de reais] vai resolver nosso problema de água na região metropolitana de São Paulo. Não tem água nas duas represas, estão interligando duas represas secas com verba pública federal. Além disso, a obra vai demorar pelo menos dois anos.

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P. Essas falsidades vem de quem, da Sabesp ou do Governo do Estado?

R. A empresa é subordinada ao poder político. O Governo tem assumido a responsabilidade de divulgar fatos que não representam a realidade.

P. Você defende o racionamento antes que o rodízio. Por quê?

R. Nem racionamento, nem rodízio é bom. Entretanto, como será necessário implantar um dos dois, que seja o racionamento. Pois o racionamento distribui água de acordo com as necessidades das pessoas, define quanto cada um vai usar, existe uma cota limitada de distribuição. O rodízio acaba beneficiando quem tem como armazenar a água, quem tem grandes caixas de água, ou seja, pessoas com mais recursos financeiros.

P. Para onde nós estamos caminhando?

R. Tudo indica que é para o rodízio de cinco dias sem água para dois com, mas eles não falam quando vai ser adotado. E esse não e o pior cenário que é não ter água para abastecer a população. Ai seria uma situação de colapso total do sistema. Depende das condições climáticas. Mas se não adotarmos racionamento, se não for decretado o estado de emergência ou de calamidade pública, se não abrirmos mais poços e começamos a captar água de chuva, vamos ter uma situação muito pior. Quem garante que vai chover?

P. O que você teria feito se estivesse no lugar do governador?

R. Como gestor público deveria ter cumprido a outorga de 2004 [para operar o sistema Cantareira] que obrigava a reduzir as perdas [ o sistema perde em média 30% da água tratada], a reduzir a dependência do Sistema Cantareira, a investir no tratamento de esgoto e reuso para fins não potáveis. Mas para combater a redução de perdas temos que usar materiais mais resistentes e é preciso mão de obra qualificada, não pode ser um serviço terceirizado, feito por pessoas não capacitadas.

Tudo seria possível há 10 ou 15 anos, quando vários especialistas já apontavam que o sistema de abastecimento de água seria insuficiente para abastecer a demanda crescente. O lucro da empresa da última década que foi revertido aos acionistas é de cerca de 4,3 bilhões de reais. Esse dinheiro poderia ter sido utilizado para conseguir adequar tudo isso.

P. Quais medidas emergenciais podem ser tomadas agora?

R. É necessário distribuir caixas de água à população de baixa renda. É necessário criar um programa de captação e coleta de água de chuva em larga escala. Esta ação poderia aumentar muito a disponibilidade de água e no curto prazo. Mas é arriscado deixar que as pessoas façam isso individualmente, sem acompanhamento técnico, pois pode ser criado outro problema grande. Há um risco de proliferação de dengue, ou outras doenças transmitidas por fezes de pombos ou urina de ratos.

P. Qual tem sido o pior erro durante esta crise?

R. Na realidade foi o Governo que errou muito. A Sabesp tinha um plano de rodízio desde o ano passado. Desde o início da crise hídrica deveriam ter sido adotadas as medidas para que a população reduzisse o consumo e não passar a falsa ideia de que estava tudo bem. Além disso, a vazão de retirada de água das represas nunca deveria ter sido maior que a água que entrava. Cada dia foi aumentando o déficit.

P. Mas isso não é responsabilidade da Sabesp?

R. Sim. Mas certamente foi ordem do governador.

P. Você defende que o governador deve ser responsabilizado por esta crise.

R. Ele é o gestor, todo funcionário é responsabilizado por aquilo que ele faz e o governador sabe e tem conhecimento porque ele esta aí desde 2003, quando o Cantareira secou. Desde 2009 existe um relatório da Secretaria de Meio Ambiente que apontava a possibilidade de colapso do sistema de água em 2015. Ele sabia que haveria problemas no abastecimento. O governador por interesse eleitoral não adotou medidas efetivas.

P. Defende também a estatização da Sabesp?

R. Sim, mas não uma estatização simples, entendo que a população tem que ter poder de decisão no destino da empresa, de como é feito o serviço, onde se investe, onde vai o capital... Em uma empresa privada é difícil fazer isso mas em uma empresa estatal é possível.

P. Por que você fala tudo isto, algo que pode ameaçar seu emprego?

R. A informação é um direito humano, eu o entendo assim. A população precisa conhecer a real situação, mesmo sabendo que isso pode ser prejudicial para mim. O meu emprego não paga a omissão.

P. Seus superiores já lhe que advertiram para que pare de falar sobre a crise?

R. Não oficialmente, mas já tive aviso extra oficial.

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