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Descoberta de 61 cadáveres em Acapulco abala o México

Há menores de idade entre os corpos encontrados em um crematório do porto turístico O lugar estava abandonado

Jan Martínez Ahrens
Médicos forenses levam os cadáveres encontrados em um crematório de Acapulco.
Médicos forenses levam os cadáveres encontrados em um crematório de Acapulco.bernardino hernández

O México descobriu na madrugada desta sexta-feira que o horror desconhece o cálculo. Em um cenário de além-túmulo, escondidos em um crematório abandonado de Acapulco (750.000 habitantes), foram encontrados 61 cadáveres, entre eles restos de menores de idade. Com o terrível sangue-frio com que tais fatos são tratados no México, as autoridades tentaram reduzir o alarmismo na população assinalando que os corpos não haviam sido mutilados nem calcinados, ou seja, que aparentemente não têm o aspecto habitual do narcoterror. Apesar dessas precisões, as causas das mortes não foram esclarecidas, algo que em Acapulco, a cidade mais violenta do México, levanta todo tipo de suspeitas.

A antiga joia do Pacífico, que na lembrança de muitos estrangeiros ainda suscita visões hollywoodianas de paetês e platina, é um lugar aviltado pelo crime, com a terceira maior taxa de homicídio do mundo, depois de Caracas e São Pedro Sula (Honduras), e onde os grupos de narcotraficantes travam uma guerra brutal pelo controle do território. Em suas ruas, a segurança é escassa e as matanças, habituais. Mais de 2.000 policiais municipais, perto de 80%, fazem uma greve selvagem há meses, depois de terem se negado, de maneira muito suspeita, a se submeter às provas de idoneidade e aos controles antidroga. A ausência deles foi suprida com uma combinação de forças da Polícia Federal, do Exército e da Marinha, mas o caos é tal que até a semana passada mais de uma centena de colégios não tinham aberto suas portas por medo de assaltos.

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Nesse ambiente hostil, o achado dos cadáveres se inscreve como um capítulo a mais na história da degradação da cidade portuária. Os corpos passaram muito tempo abandonados. Alguns estavam mumificados, outros em decomposição. Muitos tinham sido embrulhados em lençóis brancos. Alguém tomou a precaução de cobrir os restos com cal viva. O mau cheiro, entretanto, foi mais forte e chamou a atenção dos vizinhos. O crematório, uma construção de apenas um andar, com 70 metros quadrados, tinha deixado de funcionar em 2009.

Um dos motivos mais suspeitos é que os cadáveres são de épocas muito diversas, incluindo corpos relativamente recentes. Esse fato avaliza a hipótese de que o lugar foi utilizado para deixar executados pelas máfias de narcotraficantes. Também se considera a possibilidade de que o crematório tenha sido usado como depósito clandestino de alguma funerária. “A estas alturas, não podemos garantir nem descartar que tenha havido intervenção do crime organizado”, disse um porta-voz oficial.

A descoberta de cadáveres é habitual em de Guerrero. Só em 2014 foram achadas mais de 189 ossadas no Estado sulino, 149 delas em Iguala, a apenas 200 quilômetros de Acapulco. Em grande parte dos casos, a identificação é impossíveis devido à prática usual dos narcotraficantes de queimar os corpos até transformá-los em cinza. A lentidão dos legistas é outra causa da incapacidade para dar nome a esses mortos. Um exemplo disso foi proporcionado pelo caso Iguala. Nas primeiras semanas de busca, foi encontrada uma fossa com 38 corpos que, no princípio, foram atribuídos aos estudantes desaparecidos. Mas a hipótese foi logo descartada; entretanto, esses corpos continuam sem ter sido identificados plenamente até hoje.

Essas carências engrossam a cifra dos desaparecidos, esse reino espectral ao qual pertencem 23.000 pessoas no México e que constitui uma das mais terríveis consequências da guerra contra o narcotráfico.

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