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Seca e consumo recorde pressionam sistema e mantêm risco de apagão

Analistas apontam falta de investimento e chuva abaixo da média como complicadores "Deus é brasileiro. Vai trazer chuva", diz ministro, que descarta racionamento de energia

Uma pequena central hidrelétrica em Pirapora do Bom Jesus, no interior de SP.
Uma pequena central hidrelétrica em Pirapora do Bom Jesus, no interior de SP.Diogo Moreira (A2 Fotografia)

A avicultora Fernanda Palhares Gonçalves já se prepara para um possível apagão nos próximos dias. Depois de perder 15.000 frangos em decorrência do corte de energia na última segunda-feira, ela deixou seus funcionários em alerta para ligar os geradores elétricos assim que a luz for cortada novamente. “Pelo que acompanhamos, a qualquer momento podemos ficar sem luz de novo. Não quero correr o risco”, diz Gonçalves.

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Produtora de aves há 12 anos em Urupês, no interior de São Paulo, Gonçalves contabilizou um prejuízo de quase 20.000 reais. Em meia hora ela viu um quinto de sua produção morrer literalmente de calor porque a queda de uma das fases da energia por cerca de 30 minutos desligou o sistema de ventilação do barracão que abrigava os frangos. Resultado: a temperatura do local saltou de 28ºC para 40ºC. “Em meia hora perdemos quase dois meses de trabalho. Só me resta processar a concessionária de energia”, afirmou.

O temor da avicultora se justifica. Conforme especialistas consultados pelo EL PAÍS, a possibilidade de que ocorram novos apagões, ainda que de curta duração, não pode ser descartada por causa da ausência de investimentos em novas usinas geradoras de energia nos últimos anos, da atual temporada de chuvas abaixo da média e da ausência de medidas como o aumento de tarifas para coibir o consumo.

“A onda de calor não foi embora e a produção de energia não cresceu tanto como deveria. Nesse cenário, em que se aumenta o consumo, é previsível que haja novos cortes”, afirmou o físico José Goldemberg, ex-ministro do Meio Ambiente e um dos principais especialistas em energia do país.

Parte dos frangos mortos em uma granja de Urupês (SP).
Parte dos frangos mortos em uma granja de Urupês (SP).Divulgação

Na segunda-feira passada, o Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão que controla o fornecimento de energia elétrica no Brasil, determinou que concessionárias que atuam em dez Estados e no Distrito Federal cortassem parte da energia fornecida aos principais consumidores por um período de 50 minutos. Com isso, em pleno horário de pico, moradores de algumas regiões de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, sofreram sem luz. A justificativa foi que o sistema estava próximo de atingir seu limite e, para evitar um blecaute com o desligamento automático da maior parte da rede de transmissão, o ONS determinou o desligamento de dez unidades geradoras.

“O nosso sistema é frágil, mas esse controle funciona e, se houver necessidade, haverá novos cortes, mas nada tão preocupante como em 2001”, explicou o engenheiro elétrico e professor da Universidade de São Paulo (USP) Marco Antonio Saidel.

Produção X consumo

Desde o início dos anos 1990 o Brasil já enfrentou ao menos 17 apagões, os mais graves ocorreram entre 1999 e 2001 e deixaram cidades inteiras às escuras. Esses cortes de energia resultaram no racionamento entre 2001 e 2002. Naquela época, a principal razão era o baixo investimento em novas fontes de produção de energia juntamente com o aumento do consumo. Uma análise feita pelo engenheiro Cesar Bardelin, em sua tese de mestrado, mostra que o consumo entre 1999 e 2002 cresceu 254% enquanto que a capacidade de geração saltou 195%.

Deus é brasileiro. Temos que contar que ele vai trazer um pouco de umidade e chuva para que possamos ter mais tranquilidade Eduardo Braga, ministro

Hoje, de acordo com o Anuário Estatístico de Energia Elétrica, a produção no Brasil melhorou consideravelmente, mas ainda está no limite, porque produz quase o mesmo tanto de energia que consome. A produção é de 531,4 Terawatt hora (TWh) e o consumo, 481 TWh. “Frequentemente as usinas térmicas precisam ser desligadas para manutenção e o desligamento delas pode sobrecarregar o sistema, já que diminui a produção momentaneamente. Além disso, as hidrelétricas estão com seus estoques muito baixos por causa da falta de chuvas dos últimos meses”, afirmou o professor Saidel.

O baixo índice pluviométrico foi citado pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, como uma das dificuldades para contornar o problema. Em entrevista coletiva na terça-feira, Braga chamou o apagão de corte preventivo e apelou para a religiosidade. “Deus é brasileiro. Temos que contar que ele vai trazer um pouco de umidade e chuva para que possamos ter mais tranquilidade”, declarou. Na ocasião, o ministro anunciou medidas como a transferência de energia da hidrelétrica de Itaipu e o retorno da usina nuclear de Angra ao sistema (ela ficou fora após o apagão de segunda-feira). Na terça, o ONS importou carga adicional de energia da Argentina no horário de pico, mas classificou a operação de "corriqueira".

Na avaliação de Goldemberg os governos têm cometidos seguidos erros na condução de sua política energética, mas a atual crise tem relação direta com uma “decisão eleitoreira” da gestão Dilma Rousseff em 2012, a de baixar a tarifa de energia. “Quando a conta de luz cai, o governo encoraja o consumo sem aumentar a produção. É claro que uma hora essa ‘bomba’ ia estourar”, afirma o físico.

Outro problema para os especialistas foi a descontinuidade de programas de racionalização do consumo. Em 2001 e 2002, durante o racionamento, quem aumentasse o consumo de luz era multado. Iniciou-se, ainda que precariamente, um investimento em um programa de eficiência energética, que consiste no uso de equipamentos que consumam menos energia. Quando a crise passou, as multas acabaram e o projeto foi abandonado. “Um plano de eficiência energética que não é continuado, é como um regime de longo prazo que é parado no meio. O resultado nunca será atingido”, afirmou Saidel.

Hidrelétricas respondem por 68,6% da energia brasileira

Geração elétrica por fonte:

  • Hidrelétrica - 68,6%
  • Térmica - 25,6%
  • Nuclear - 2,6%
  • Eólica - 1,2%
  • Outras - 2%

Fonte: Empresa de Pesquisa Energética / Ministério de Minas e Energia

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