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A São Paulo que cai

Sem diagnóstico sobre exemplares, quedas viram rotina e geram caos durante temporais

María Martín
Pai e filha observam uma árvore caída na zona oeste.
Pai e filha observam uma árvore caída na zona oeste.Victor Moriyama

O adestrador de cachorros Welton Santos, de 21 anos, resolveu na última segunda-feira que não vai mais trabalhar com chuva, nem sequer com garoa. "Caiu uma árvore nos meus pés outro dia! Aqui mesmo caíram três ontem. A gente vai atrás da Prefeitura, mas não adianta. Eu que trabalho na rua, não dá mais", anuncia segurando um labrador e um dálmata na rua Itacolomi, no bairro de Higienópolis, no centro de São Paulo. Nesse mesmo lugar morreu, em 22 de dezembro, Ricardo Luiz Galvão Mendes, de 33 anos, quando uma árvore prensou o táxi onde ele viajava.

A árvore que caiu nos pés de Welton Santos media cerca de 24 metros e desabou na porta de entrada de um prédio da rua Bahia. A enorme tipuana tipus, uma das espécies que mais cai na cidade, arrebentou a porta da garagem do condomínio, arrancou do asfalto o poste de luz e bloqueou vários metros de calçada. Três bombeiros com uma motosserra suavam na terça-feira passada tentando reduzir em pedaços aquele gigante oriundo da Bolívia e da Argentina. "A Prefeitura não dá conta", confessavam os oficiais. E não dá mesmo. A cidade registrou entre os últimos dias de dezembro e as duas primeiras semanas de janeiro a queda de cerca de 1.000 árvores, é a metade do que cai em um ano inteiro.

O bairro de Higienópolis tem um exemplo em cada esquina de exemplares que desafiam a gravidade. “Liguei cinco vezes para a Prefeitura tirar esta árvore, mas eles nunca vêm”, relata o zelador Osório Ferreira dos Santos diante de uma tipuana, pendurada nos fios de eletricidade arrebentados e cujos galhos alcançavam o outro lado da calçada. Os relatos se repetem, dos bairros nobres aos mais esquecidos da cidade.

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A Prefeitura, responsável pelo planejamento, conservação e poda das cerca de 650.000 árvores nas ruas de São Paulo, ainda está estudando este "fenômeno desproporcional" para se planejar, admitiu à Folha de S. Paulo o secretário de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo, Ricardo Teixeira. A AES Eletropaulo, responsável pela poda das árvores que convivem com fios elétricos e cujos funcionários acabaram sequestrados por moradores que estavam havia 72 horas sem luz, não mostra muito mais conhecimento do fenômeno ou de como resolver o problema. “É uma situação atípica. Acompanhamos todos os verões e cada ano a severidade vem aumentando, seja pelo vento ou pelo número de raios. Não temos como prever as chuvas e isso torna mais difícil a questão logística”, afirma o Diretor de Operações Otávio Grilo. Cerca de 800.000 pessoas ficaram sem luz na segunda-feira da semana passada por uma tempestade, 80%, precisamente, pelas quedas de árvores.

Os fortes temporais com ventos de até 80 quilômetros por hora explicam parte das quedas, como dizia Teixeira à Folha: “Essas árvores não são velhas. Nossa equipe constatou que 66% delas estavam sadias quando caíram". Mas e o resto?

Espécies inapropriadas, podas drásticas, pragas e a falta de um mapeamento detalhado das árvores da cidade são as principais debilidades

A Coordenação das Subprefeituras respondeu genericamente os questionamentos do EL PAÍS –não informou nem o número de árvores na cidade, nem quantas ações judiciais há contra a Prefeitura por danos materiais ou pessoais –, mas cinco especialistas apontaram algumas das causas pelas quais a vegetação de São Paulo parece mais fraca do que nunca. Espécies inapropriadas, podas drásticas, pragas e a falta de um mapeamento detalhado das árvores da cidade são as principais debilidades.

“A árvore cai por que? Ninguém se pergunta? Porque ficou podre por dentro? A cidade vai ter que ter fiscalização. Será que São Paulo tem condição realmente de distribuir uma quantidade enorme de equipes cuidando árvores? Quais são os valores disso? Vamos ter que discutir isso, né?”, questiona o doutor em engenheira José Manuel Ferreira, promotor de uma campanha cidadã que amarra laços pretos nas árvores com uma mensagem explícita: “SOS”.

“Vivemos uma situação atípica em relação ao clima e as intempéries, mas muitas das árvores que estão caindo apresentam falhas e defeitos na própria estrutura da árvore. Este tipo de problemas deve ser diagnosticado antes e a cidade não têm técnicos suficientes para fazer esses levantamentos”, lamenta Joaquim Teotonio Cavalcante, engenheiro agrônomo e próximo presidente do Congresso de Arborização Urbana.

A Prefeitura afirma que existe um mapeamento de cada um dos exemplares, mas é apenas quantitativo, não está contemplada a espécie, a idade ou o estado de saúde de cada um. Assim, são os moradores os que acabam liderando seus próprios levantamentos. Por encomenda da associação Ame Jardins, em parceria com a Eletropaulo, o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) identificou em 2012 as 333 árvores de maior risco no bairro. Dois anos depois apenas 120 exemplares tinham sido removidos. "A Prefeitura está caminhando para resolver o problema, mas talvez o esforço deveria ser maior", afirma o biólogo Sérgio Brazolin do IPT.

Os técnicos chegam e cortam apenas os galhos que atrapalham sem pensar no equilibro da árvore", Eduardo Pereira Cabral, pesquisador do Jardim Botânico

“O principal problema é que as árvores estão fragilizadas na base. As prefeituras, não apenas a de São Paulo, têm que se antecipar para substituir essas árvores e planejar sua arborização futura. Mas sem planejamento é difícil lidar com isso”, explica Brazolin.

Para o engenheiro agrônomo e especialista em planejamento urbano e ambiental Remis Tetu, o grande problema é o conflito entre as árvores e a rede elétrica. “As árvores estão crescendo muito desequilibradas porque foram mal podadas. Os técnicos chegam e cortam apenas os galhos que atrapalham sem pensar no equilibro da árvore", afirma o pesquisador do Jardim Botânico, Eduardo Pereira Cabral, durante um passeio por vários bairros de São Paulo. O diretor de Operações da Eletropaulo se defende ao afirmar que os 140 funcionários que trabalham na poda de árvores são treinados. "Reconheço que a poda desequilibra as árvores, mas nós fazemos com muito cuidado e só tiramos pequenos galhos que estão próximos da rede. A poda não é problema, não tenho dados para afirmá-lo, mas as árvores que estão caindo não são essas que nós cuidamos. A saúde das árvores é uma questão da Prefeitura", afirma Grilo.

As enormes árvores caídas começaram a ser removidas e substituídas por espécies mais indicadas para a cidade e muito menores. Um acerto, segundo Eduardo Pereira Cabral: "Nisso a Prefeitura está acertando".

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