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Alunos trocam o lápis pelo ‘joystick’

A inserção dos videogames na educação é uma tendência em todos os níveis acadêmicos

Cidade romana recriada com o videogame Minecraft.
Cidade romana recriada com o videogame Minecraft.

Um jogo com um robozinho de cabeça grande. Um olho destreinado talvez veja apenas isso. Mas seria permanecer na superfície do que Alejandra García, de 10 anos, mostra em um tablet. “Começamos com um aplicativo chamado Lighbot, no qual você tem que fazer um boneco que se mova ou pule para ligar algumas luzes”, diz a menina. García não brinca — e fala — deitada no sofá de sua casa, mas em uma aula de matemática da 5a série do Colégio Alameda de Osuna, em Madri.

García está entre os milhões de estudantes de todo o mundo que fazem parte da A Hora do Código, uma iniciativa que conta com parceiros como Amazon, Apple, Facebook, Skype, Microsoft, Disney... E embaixadores como o presidente dos EUA, Barack Obama, que deu o sinal verde para a edição 2014 deste projeto que ensina os meandros da programação durante uma hora, usando jogos de videogames intuitivos. A razão para tal sucesso é que, basicamente, a iniciativa funciona, afirma a professora de matemática da escola de Madri, Dácil González: “Se você colocasse diante dos alunos 10 operações na lousa para resolver com lápis e papel, faziam três. Agora, no iPad, fazem 100”.

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A Hora do Código é apenas a crista de uma onda crescente que leva à sala de aula os antes vilipendiados videogames. Em todos os níveis, desde crianças em idade pré-escolar aos graduados que preparam um doutorado. E, entre todos eles, um título se destaca como exemplo do sucesso alcançado entre os estudantes que usam este meio como um veículo de aprendizagem: o Minecraft, o videogame sueco que a Microsoft comprou de seu criador por cerca de 7,7 bilhões de reais.

A versão educativa do Minecraft

MinecraftEdu é o projeto educativo desenvolvido a partir desse videogame que coloca o usuário em um mundo virtual e lhe permite moldar, à mão, qualquer fantasia que possa surgir. O projeto já alcança 40 países e 4.000 escolas que se uniram a uma pequena equipe de educadores e profissionais de tecnologia da informação suecos e à Mojang, empresa que criou o jogo: “Quando começamos, em novembro de 2011, éramos dois professores e um programador. Começamos em uma escola pública de Nova York e em uma universidade galesa. E, agora, nosso ecossistema atinge milhares de escolas. Nosso maior cliente é a Austrália, onde já estamos em quatro em cada 100 escolas. E vamos ao ritmo de 40 a 50 por mês, de modo que, em um ano, entre 10% a 15% dos estudantes australianos usarão nosso programa”, disse o finlandês Santeri Koivisto, diretor-presidente e cofundador da MinecraftEdu.

Sua criatura é uma versão adaptada para o ensino de todos os tipos de disciplina com o videogame que já vendeu mais de 50 milhões de cópias. No início, o programa pergunta ao usuário se é estudante ou professor. Tudo é muito parecido com a versão comercial do jogo, um mundo aberto que permite construir qualquer coisa, embora superficialmente já se percebam algumas mudanças, como o fato de os alunos não terem permissão para bater em outros personagens. O menu do professor lhe permite teletransportar os alunos para onde queira, monitorar os trabalhos, pedir tarefas em tempo real ou convidar outros professores para se juntar ao mundo virtual. O professor pode até mesmo congelar a saída dos alunos para que prestem atenção.

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Koivisto justifica o emprego dos videogames na sala de aula como um reflexo do mundo de hoje e de amanhã: “Mais de 50% das pessoas jogam videogames. Por isso, faz todo o sentido que estejam presentes na escola para refletir o mundo em que vivemos. Acredito que essa é a razão mais importante”. O porquê do real sucesso do Minecraft é explicado pelos próprios alunos que o utilizam, como as crianças do colégio espanhol Alameda de Osuna, que aproveitaram o programa como um projeto de 6ª série concebido pela professora Lara Romero. Com ele, contaram a história da Idade Média ou recriaram as principais redes sociais em uma cidade fictícia. “Luis [um de seus colegas] e eu fizemos um mundo no qual você subia em uma plataforma e era enviado para dentro de um computador onde estavam os aplicativos. Por exemplo, você apertava e estava no Instagram”, diz Elena Toledo, de 12 anos.

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Aprender ética com os zumbis

A gamificação, como é chamada a expansão dos videogames para fora do mundo do entretenimento, não acaba na escola. No instituto norueguês Nordahl Grieg, os alunos de Tobias Staaby, professor de ética, enfrentam zumbis, um mundo apocalíptico, mas, sobretudo, um dilema: uma mulher procura desesperadamente uma arma. Católica até o último fio de cabelo, acredita que, se for devorada pelos monstros, não vai entrar no Paraíso. O que fazer? Dar-lhe a arma e ser cúmplice de um suicídio ou ignorar seu grito de socorro? Após um longo debate, os estudantes decidiram ajudá-la. E, além disso, aprenderam uma lição sobre moral por meio do videogame The Walking Dead.

“A chave é a interatividade. Livros e filmes podem representar dilemas semelhantes, mas são meios passivos. Em The Walking Dead, até certo ponto você muda a história. O debate muda de ‘o que o protagonista deveria ter feito’ para ‘o que eu faço agora e por quê’”, diz Staaby por telefone. Há três anos, o professor aproveita o jogo — uma aventura baseada principalmente em diálogos e decisões que modificam a trama — para colocar em prática teorias que vão desde a ética da virtude de Aristóteles ao utilitarismo. Tudo desde o dia em que levou seu Xbox para a sala de aula e, depois de uma introdução conceitual, pediu que seus 25 alunos jogassem. Funcionou, então decidiu repetir, e a experiência já tem um lugar fixo no programa de ética e filosofia do instituto.

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Na verdade, tem até mesmo sua rotina. Em primeiro lugar, uma introdução teórica. Em seguida, um dos alunos assume o comando até que surja um dilema. Depois, uma pausa e debate. Finalmente, há uma votação sobre o que fazer, e o jogo continua. “Um contexto distópico apresenta dilemas novos. Se debatêssemos questões reais, as respostas dos alunos também teriam que estar relacionadas ao que ouviram no noticiário”, conclui Staaby.

O professor afirma que não recebeu quaisquer reclamações de alunos ou dos pais. Os que têm criticado seu método, no entanto, são alguns de seus colegas de profissão: “Acreditam que os jogos são apenas um passatempo e não têm profundidade ou valores. E que não deveriam ser utilizados em sala de aula”. Na verdade, há mais vozes que questionam a utilidade deste fenômeno. A pesquisadora da Universidade de Sheffield, Emma Blakey, afirmou à revista Scientific American que há pouca evidência de que um videogame realmente ajude a melhorar os resultados e habilidades dos alunos. E uma reportagem da BBC, em junho, destacou o risco representado pela “alta dependência” gerada pelo Minecraft.

Além da sala de aula

De qualquer forma, os videogames educativos vão muito além da sala de aula. Museus como o Thyssen, em Madri, estão fortemente comprometidos com esses jogos em sua versão educativa, com colaborações da Nintendo e seu dispositivo táctil Art Academy ou seu ambicioso projeto com os consoles PlayStation da Sony, o videogame Nubla. E, no campo da educação social, instituições como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos realiza competições de videogames para promover suas campanhas de prevenção do HIV.

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Nesse último campo está o High School Mistery, um videogame desenvolvido pela empresa espanhola Evil Mind Entertaiment para a ONG Save The Children, com a colaboração do Escritório de Direitos Humanos do Governo da Espanha. “O objetivo era mostrar às crianças seus direitos como um jogo, mas onde fossem aprendendo problemas que podem ter e a quem devem recorrer”, diz Raquel López, sócia-fundadora da Evil Mind. Violência doméstica, ciberbullying ou bullying são alguns dos males que podem ser enfrentados pelas crianças que jogam este título, disponível gratuitamente no site da ONG.

Frasca

Embora esta nova abordagem educacional possa parecer, à primeira vista, uma janela para o futuro do ensino, há especialistas que acreditam que, na verdade, o que está em curso é a recuperação de uma parte essencial da experiência humana. Gonzalo Frasca (Montevidéu, 1972), tertuliano das prestigiadas palestras TED sobre inovação, veterano no design de videogames para empresas como a Disney, Pixar e Lucasfilm e doutor em videogames pelo Instituto de Tecnologia da Geórgia — “se as pessoas dão risada, não me ofendo”, comenta, bem humorado —, acredita na importância e no futuro dessa ferramenta além do entretenimento banal: “O jogo precede a cultura. Eu, agora, que já estou velho, dou aulas em um instituto de um bairro muito pobre de Montevidéu, e todas as crianças jogam o Minecraft. E percebi o quão poderoso é o jogo, pensando em como é diferente compartilhar, entre amigos, o gosto por um filme ou por uma música. Oferece possibilidades de diálogo, aprendizagem e colaboração mais profundas, complexas e ricas do que outras atividades culturais. Não é um ensaio de vida, é a vida. Supor que jogar é apenas uma fantasia seria dizer que as crianças vivem em um constante estado de irrealidade. E isso me parece quase um insulto.”

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