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A vida no Carandiru retratada em quatro salas

Uma exposição mostra como viviam os detentos do extinto presídio em São Paulo

Um caldeirão e portas de celas do Carandiru.
Um caldeirão e portas de celas do Carandiru.Divulgação

“Vós que aqui entrais, deixa aqui toda a esperança”. O aviso, retirado da obra Inferno de Dante Alighieri, é o início de um texto afixado em um enferrujado portão verde, de mais ou menos três metros de altura, com uma marca de tiro. Antes de estar ali, dentro de um museu em uma rica avenida paulistana, o artefato se encontrava no interior de um pavilhão do que já foi o maior presídio do Brasil, o Carandiru, na zona norte da cidade.

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Demolida há 12 anos, a penitenciária que foi palco da chacina de 111 presos em 1992, é retratada em Sobrevivências, uma exposição sobre vivências: Carandiru, em cartaz até 15 de março no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Nela, é possível ter um pouco da dimensão de como era a vida na prisão. Em quatro salas, apresenta o interior de uma cela, os objetos comuns na cadeia e traz relatos de alguns dos detentos e dos que pesquisaram a fundo o tema.

Sob a curadoria da fotógrafa e documentarista Maureen Bisilliat, a exposição se baseou em diversos livros e documentários sobre o Carandiru. Além de sua vivência de quase três décadas frequentando o presídio, a curadora se baseou em um livro produzido por ela própria, pela filha dela, a atriz Sophia Bisilliat, pelo jornalista André Caramante e pelo fotógrafo João Wainer no início da década passada, quando o Carandiru estava prestes a ser desativado pelo Governo paulista.

Na época, o quarteto conviveu com detentos entre 2001 e 2002 e acompanhou o último bonde (transferência de presos) antes da desativação total do complexo.

Objetos artesanais feito por detentos do Carandiru.
Objetos artesanais feito por detentos do Carandiru.Divulgação

O material é rico em detalhes, como na descrição do odor da solitária (“um misto de alho frito, pano de chão guardado, suor e creolina”) assim como na apresentação de equipamentos construídos artesanalmente (ferros de passar roupas, filtros, placas decorativas halteres e cordas para fugas).

A exposição é dividida em setores que definiam a rotina da casa de detenção: trabalho, xadrez, saúde, religião, cela de punição, faxina, bonde e comida. Em cada uma delas há a explicação de como era o dia a dia dos detentos.

Do bom a mau exemplo

Algo que chama a atenção é um vídeo em preto e branco gravado nos primeiros anos de funcionamento do Carandiru. Nele há cenas de detentos vestindo uniformes claros, ordeiramente caminhando em filas e batendo continência para os carcereiros, que se vestiam como marinheiros. Esses mesmos detentos aparecem trabalhando na produção de vassouras e de calçados, assim como no cultivo de um pomar e de uma horta. Abaixo do vídeo há a descrição de que um dia esse presídio chegou a ser considerado um exemplo e surpreendeu até mesmo o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, um dos visitantes da penitenciária. Nada parecido com qualquer prisão brasileira na década a partir da década de 1980.

Inaugurado em 1956 o Carandiru passou a conviver com a superlotação em 1969. Desde então diversos avisos foram dados para que houvesse um maior controle no ingresso de novos detentos. Chegou a abrigar quase três vezes sua capacidade, mesmo quando foi ampliado e atingiu seus nove pavilhões.

Não nego o massacre, mas não dá para resumir essa tragédia em uma foto, três frases e uma vírgula Maureen Bisilliat, curadora da exposição

Além do descontrole da massa carcerária, o Carandiru ficou marcado pelo massacre de 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram assassinados a tiros por policiais militares que entraram no presídio para conter uma briga entre os presos. Agora, quem espera ver relatos desse trágico episódio na exposição, desista. A justificativa de Bisilliat é que a exposição trataria de sobrevivências, como diz o seu título, e que o espaço é pequeno para abordar tanta desgraça. “Acho frívolo misturar tudo como se fosse uma feijoada. Não nego o massacre, mas não dá para resumir essa tragédia em uma foto, três frases e uma vírgula”, explica.

Ela defende que outros pesquisadores e artistas façam uma exposição específica sobre as tragédias do Carandiru. “Essa exposição é sobre a vida. Mostra como as pessoas usam toda a sua energia para fazer muito com quase nada. Como elas usam seu tempo presa para pensar na liberdade”.

Apesar de não ter citado o massacre, a exposição faz breves pinceladas sobre a fundação da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Ela surgiu dentro do próprio Carandiru após a chacina feita pelos policiais. Uma foto aérea logo no início da mostra destaca os nove pavilhões do complexo penitenciário e inscrições com a sigla do grupo possivelmente feitas durante uma rebelião. Além disso, o relato de um dos detentos dado aos pesquisadores mostra que, em 2001, quem mandava no Carandiru eram os líderes do PCC.

Nos próximos dias, além das imagens, vídeos e textos que já estão expostos, o visitante poderá ouvir os sons gravados nos corredores e pavilhões. A previsão é que a partir de fevereiro, especialistas participem de debates sobre o sistema penitenciário e a vida no Carandiru. Entre os que serão convidados para os eventos está o médico Dráuzio Varela, que escreveu três livros sobre o sistema penitenciário e é voluntário em cadeias paulistas. Os pavilhões da casa de detenção foram derrubados há quase 13 anos, mas a curiosidade sobre ela permanece viva.

Serviço. Sobrevivências, uma exposição sobre vivências: Carandiru

Local. Museu da Casa Brasileira - Av. Brigadeiro Faria Lima, 2705

Período. até 15 de março de 2015

Horário. de terça a domingo das 10h às 18h

Valores. De 2 a 4 reais durante a semana. Gratuito aos finais de semana e feriados

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