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Retrospectiva 2014

Um ano improvável

Morte de candidato revolucionou uma das eleições mais disputadas dos últimos anos Dilma inicia mandato com um PT que já não confia nela em cenário econômico adverso

Antonio Jiménez Barca
Fernando Bizerra Jr. (EFE)

As últimas eleições brasileiras foram as mais disputadas da recente história democrática do gigante latino-americano. Foi esse o resultado final, divulgado na noite de cinco de outubro: Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou de 51,6% contra 48,3% de seu oponente, o mais liberal Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Mas não só. A campanha também se caracterizou por uma enlouquecida competição na montanha russa das pesquisas, nas quais os candidatos subiam e despencavam a uma velocidade vertiginosa.

A corrida eleitoral começou, na realidade, no dia seguinte após o fim da Copa do Mundo, na qual, sem dúvida, o Brasil saiu muito mal parado, com uma acachapante derrota (7-1) diante da Alemanha nas semifinais —algo de que os brasileiros vão se lembrar por muito tempo. Mais de um sociólogo aventurou-se a dizer que a goleada (e o consequente estado de ânimo depressivo no qual o país mergulhou) afetaria as eleições e tiraria votos de Rousseff. Não foi assim. O que realmente revolucionou tudo foi a morte em um acidente de avião, em 19 de agosto, de Eduardo Campos, candidato do Partido Socialista do Brasil (PSB), destinado a ser o terceiro na discórdia ainda que, de partida, com menos possibilidades que os demais. Para ocupar o lugar de Campos foi eleita a ambientalista Marina Silva que, arrastada pela fervorosa corrente causada pelo acidente, subiu nas pesquisas até ficar em um inesperado primeiro lugar.

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Soaram então, no início de setembro, os alarmes do PT, a maior organização partidária do país, e os especialistas em campanhas e políticos veteranos miraram no alvo e foram para cima. O bombardeio incessante de frases de efeito contra Silva, às vezes verdadeiros golpes baixos, como o de que cortaria conquistas sociais, mais as próprias contradições da candidata, presa entre várias correntes em meio a uma salada de frutas ideológica, fizeram com que os vencedores do primeiro turno fossem Dilma Rousseff e o quase esquecido Aécio Neves, que esmorecia até então quase condenado à invisibilidade.

A máquina eleitoral do PT se voltou então contra Neves. Este teve de se esforçar em todos os debates televisivos (dos quais saía com frequência vitorioso, devido a sua maior facilidade dialética do que a de Rousseff) em convencer o eleitorado de que não ia fazer cortes sociais e atacava Rousseff em seu flanco mais frágil: a má situação da economia brasileira. A presidenta replicava que pela primeira vez na história do país os organismos oficiais internacionais reconheciam que o Brasil tinha deixado de ser considerado um país em que se passa fome.

As pesquisas mostravam empate técnico entre os contendores. E os especialistas alertavam que o país corria o risco de fraturar-se, geográfica e ideologicamente: os estados do Norte e do Nordeste, mais pobres e atrasados, mais dependentes das ajudas estatais e dos programas de subvenções, votariam em Rousseff. Os estados do Sudeste, como São Paulo, mais populosos e adiantados, o fariam em Neves.

No geral, foi assim. No próprio dia de seu triunfo, Rousseff garantiu que trataria de reduzir a brecha e que tentaria ser melhor presidenta do que nos quatro anos anteriores. Neves cresceu como líder da oposição e se entrincheirou no Senado, esperando uma nova oportunidade.

Nas semanas posteriores, a própria Rousseff começou a adotar medidas impopulares e, em teoria, contrárias às defendidas na campanha: subiu os juros e nomeou como ministro da Economia um liberal da Escola de Chicago, Joaquim Levy, especialista em cortes e em contenção de gastos. O objetivo é claro: conter a inflação e a dívida, congraçar-se com os mercados e investidores internacionais.

A presidenta foi criticada por muitos setores. Inclusive pelo próprio PT. Assim, Rousseff deverá lidar, a partir deste 1º de janeiro, data de sua reeleição oficial, com um Congresso dividido e fragmentado até o desespero, consequência de uma lei eleitoral antiga, com um partido que não confia nela e uma conjuntura econômica adversa. Em seu favor há um fato: como não poderá concorrer a um terceiro mandato, não terá de agradar o partido para que a apoie nas próximas eleições. Rousseff, então, governará, para o bem e para o mal, sendo ela mesma. Talvez já tenha começado a fazer isso

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