_
_
_
_
_
RETROSPECTIVA 2014

Cuba e Estados Unidos: acaba a penúltima guerra fria

Diálogo reinicia após 53 anos de hostilidades. Fim do embargo depende do Congresso

Juan Jesús Aznárez

Cuba e Estados Unidos brigam desde os tempos em que a maior ilha das Antilhas era uma cobiçada colônia espanhola, mas suas relações complicadas viraram de cabeça para baixo no dia 17 de dezembro, quando os presidentes Barack Obama e Raúl Castro anunciaram ao mundo o início de um histórico processo para a normalização das relações bilaterais. Faltam ainda muitos passos a serem completados e satisfazer a todos, mas a esmagadora maioria dos cubanos recebeu o anúncio com esperança depois de 56 anos de inimizade, sofrimentos e separações familiares. O Papa Francisco abençoou e encorajou as negociações.

As relações diplomáticas entre Washington e Havana foram rompidas em 1961, depois que a revolução de 1959 se declarou marxista-leninista e nacionalizou as propriedades de todas as multinacionais norte-americanas instaladas na ilha. A partir de então foi tudo de mal a pior. Fidel Castro se aliou com a União Soviética em plena Guerra Fria, e os falcões da Casa Branca começaram a trabalhar: fracassou a invasão da Baía dos Porcos preparada pela CIA, Cuba usou as armas contra os invasores, os soviéticos instalaram mísseis a 145 quilômetros da costa da Flórida e foram necessárias complexas negociações e compromissos para evitar uma terceira guerra mundial.

OS EUA acusaram a revolução de ter estabelecido uma ditadura, decretou seu isolamento internacional, e a incorporou na lista de movimentos terroristas. Fidel Castro respondeu que contra o império, todos os alertas e defesas são poucos, liderou o terceiro mundo contra Washington e as hostilidades só terminaram há três anos, em 2011, quando Raúl Castro e o Sexto Congresso do Partido Comunista aprovaram a liberalização socioeconômica atual.

Obama aproveitou as iniciativas liberalizantes de Cuba para negociar secretamente o início de uma aproximação cujo desenvolvimento ainda é incerto. Antes, em 2009, tinha manifestado sua disposição para o diálogo promovendo medidas de flexibilização, pelo Poder Executivo, contra o embargo, cujo eventual levantamento depende do Congresso. Facilitou o envio de remessas familiares, multiplicou a frequência das viagens à ilha de cubanos residentes nos Estados Unidos. Foram se tornando comuns e cada vez mais frequentes as declarações de grupos e lobistas próximos à Casa Branca e os editoriais do influente The New York Times contrários à manutenção das sanções, que demonstraram ser inúteis. Aos poucos, a belicosidade dos tempos de George W. Bush foi sendo relegada como ferramenta, e a comunidade cubana em Miami pronunciou-se majoritariamente a favor da aproximação nas pesquisas.

Mais informações
As razões para a aproximação entre EUA e Cuba
Trégua com Cuba se choca com resistências no Congresso dos EUA
Benefício para o Brasil com a abertura de Cuba divide opiniões
Raúl sai da sombra de Fidel
Literatura cubana: meio século de censura, metáfora e abertura

Para contribuir com a normalização ainda embrionária, mas sem soltar as rédeas do poder político pelo Partido Comunista de Cuba (PCC), o governo de Raúl Castro empreendeu reformas importantes. Foi aprovado o trabalho por conta própria, a compra e venda de carros e casas, viagens ao exterior da dissidência e de qualquer cidadão, e em março ficou pronta uma nova lei de investimentos estrangeiros que autoriza investimentos na ilha por cubano-americanos residentes nos EUA, o que era proibido pelo embargo.

Em 17 de dezembro, os Estados Unidos e Cuba anunciaram o início das negociações para abrir embaixadas e restabelecer relações diplomáticas congeladas por mais de meio século: desde os dias de Dwight D. Eisenhower. Os planos a partir de agora são ambiciosos. Serão intensificadas as viagens e o comércio, a cooperação em vários campos, e espera-se que a médio prazo haja um crescimento da chegada de turistas norte-americanos: cerca de um milhão de viajantes. O próximo passo será o fim do embargo, que não cumpriu os objetivos propostos: liquidar a revolução cubana. O desafio é árduo pois os setores mais anticastristas do Partido Republicano vão lutar para impedir que poder legislativo derrogue um instrumento de punição que está tendo um efeito bumerangue.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_