_
_
_
_
_

“Ela tinha 43 anos e queria ter um filho com ele”

O mediador da inseminação da esposa de um cubano preso nos EUA explica como o gesto ajudou no degelo com Cuba

Adriana Pérez e o agente cubano Gerardo Hernández em Havana.
Adriana Pérez e o agente cubano Gerardo Hernández em Havana.A. E. (EFE)

O degelo entre os Estados Unidos e a China nos anos setenta remete à diplomacia do pingue-pongue: as visitas recíprocas de equipes de tênis de mesa norte-americanas e chinesas abriram caminho para a visita do presidente Richard Nixon a Pequim. A reconciliação entre os EUA e Cuba deixa para a posteridade outro gesto que contribuiu para desanuviar o ambiente: a diplomacia da gravidez. A inseminação artificial da esposa de um cubano preso nos EUA foi um pequeno detalhe que facilitou o clima de entendimento, que na quarta-feira passada resultou na troca de prisioneiros e no anúncio da abertura de relações diplomáticas entre Washington e Havana.

Gerardo Hernández é um dos cubanos condenados à prisão perpétua em 2011 na Flórida por espionagem. Ele e dois companheiros foram trocados na quarta-feira por Alan Gross, o cooperante norte-americano condenado por subversão, e um espião dos EUA –o cubano Rolando Sarraff Trujillo, segundo vários indícios—presos na ilha há cinco e 20 anos, respectivamente.

Quando Hernández voltou a Cuba chamaram a atenção as imagens de sua esposa, Adriana Pérez, visivelmente grávida. De quem é o filho? “Meu”, disse Hernández, segundo o The New York Times, que revelou a história. Como isso foi possível, se ele estava em uma prisão nos EUA e ela em Cuba?

O responsável pelo milagre é Tim Rieser, de 62 anos, até então um desconhecido assessor do veterano senador democrata Patrick Leahy. Sem os trâmites e conexões de Rieser, a reaproximação com Havana teria sido muito mais árdua, e o casal Hernández-Pérez não estaria esperado um bebê. “[A gravidez] ajudou a criar um clima melhor entre os Governos para as negociações”, afirmou Rieser ao EL PAÍS.

O assessor, que trabalha desde 1985 para o senador e se encarrega de um amplo portfólio de assuntos orçamentários no exterior, lembra bem do encontro com a esposa de Hernández em fevereiro de 2013, em Havana.

Nessa viagem à ilha, ele e o senador Leahy se reuniram com o presidente cubano Raúl Castro, com quem haviam se encontrado um ano antes e conheciam há muito tempo, como a seu irmão Fidel. “[A esposa do preso] fez uma súplica, chorando, ao senador Leahy e à sua esposa”, recorda Rieser. “Tinha 43 anos, queria desesperadamente ter um filho e não alimentava nenhuma expectativa de que o marido chegasse a sair da prisão”.

Mais informações
Degelo revela espião americano detido havia 20 anos na ilha de Fidel
Nova era entre dois históricos adversários
‘Caso Gross’ emperra o diálogo entre Cuba e os Estados Unidos
A complicada diplomacia entre Cuba e Estados Unidos
Os cubanos planejam como tirar proveito da mudança
Havana recebe o degelo entre Obama e Raúl com alegria e ceticismo
Obama: “O isolamento não funcionou”
Raúl Castro: “O principal não está resolvido. O bloqueio deve acabar”

Leahy e sua esposa simpatizaram com a causa de Pérez e decidiram ajudá-la. Já fazia três anos que o Governo cubano mencionava o caso em seus encontros oficiais com os EUA.

“Foi puramente um gesto humanitário. Não pedimos nada em troca, mas desejávamos que os cubanos fossem recíprocos e melhorassem as condições de Gross”, disse Rieser.

Como tantas vezes, a missão caiu nas mãos desse especialista em operações discretas que permitem resolver questões que vão desde a situação dos direitos humanos no Egito até o orçamento do Departamento de Estado, passando pela luta contra as minas terrestres.

Na volta de Rieser aos EUA, o Escritório de Prisões lhe comunicou que era impossível autorizar uma visita de Pérez à prisão de seu marido na Califórnia na qual tiveram contato direto. Após descobrir um caso anterior bem sucedido, o assessor se mobilizou para conseguir a aprovação para uma inseminação artificial.

Os trâmites foram difíceis, mas finalmente conseguiu a autorização dos Departamentos de Estado e de Justiça para que uma amostra do esperma de Hernández fosse levada para o Panamá para inseminar sua esposa.

Rieser desconhece quem se encarregou de recolher e transportar a amostra, mas sugere terem sido diplomatas cubanos nos EUA. “Entenderam”, explica em alusão ao Departamento de Estado e Justiça, “que era puramente uma solicitação humanitária, e que poderia ajudar em nossos esforços para melhorar as condições de Gross”.

Leahy (à esquerda) com Rieser
Leahy (à esquerda) com RieserSenado EUA

Pérez engravidou há oito meses e meio, e realizará seu desejo de dar à luz ao lado de seu marido, algo impensável pouco tempo antes. Paralelamente, as condições do ajudante detido em 2009 prosperaram: começou a dormir com a luz apagada, e teve acesso a um computador e a um telefone.

No último ano, Rieser viajou duas vezes para Cuba e falou semanalmente por telefone com Gross, três anos mais velho do que ele. Seu objetivo era suavizar o desânimo do homem, que em abril sugeriu que poderia suicidar-se e cuja saúde deteriorava-se rapidamente.

O senador Leahy viajou na quarta-feira no avião que pegou Gross em Cuba e o trouxe de volta aos EUA. Rieser o esperava na base militar em que aterrissou. Os dois se abraçaram. Agora que os dois vivem nos arredores de Washington, prevê manter o contato com Gross.

Rieser, sempre modesto e mais confortável na sombra do que debaixo dos holofotes, minimiza seu trabalho pessoal para aplainar a reconciliação entre Washington e Havana. “Nada disso teria sido possível sem o senador Leahy, sem suas conversas com o presidente Obama”.

Diplomacia médica

Os trabalhos para melhorar o clima de entendimento entre Cuba e os Estados Unidos foram conseguindo pequenas vitórias. No ano passado, Tim Rieser, o assessor democrata fundamental no acordo, conseguiu a aprovação do Escritório de Prisões e do Departamento de Estado para que Ramón Labañino – um dos espiões presos nos EUA desde 1998 – recebesse a partir de 2013 um medicamento para suavizar a artrite que sofre nos joelhos, e que não estava autorizado nas prisões dos EUA.

O pedido não foi feito em Havana, mas em Washington. Representantes da Seção de Interesses de Cuba pediram “ajuda” a Rieser. “Levou vários meses, porque a burocracia leva tempo. Mas tínhamos receitas de médicos em Cuba e nos EUA que diziam que o medicamento poderia ajudá-lo”, recorda.

A entrega de medicamentos foi fundamental para que Cuba aceitasse, a pedido de Rieser, que médicos norte-americanos visitassem no ano passado Alan Gross em sua cela, preso na ilha desde 2009 e cuja saúde era frágil. A morte de Gross teria acabado com qualquer aproximação de Washington com Havana, segundo aviso do secretário dos EUA, John Kerry, para seu homólogo cubano, no verão.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_