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A decadência da Alba

Aliança fundada por Chávez e Castro perdeu a influência após a morte do venezuelano

Chávez, Fidel e Morales conversam durante a cerimônia de ingresso da Bolívia na ALBA, em abril de 2006, em Havana.
Chávez, Fidel e Morales conversam durante a cerimônia de ingresso da Bolívia na ALBA, em abril de 2006, em Havana.CLAUDIA DAUT (REUTERS)

A visita de Hugo Chávez a Havana que completa 10 anos ficou longe do que se esperava. Poucos pensavam que o ato político realizado no teatro Karl Marx fosse além de uma encenação dos laços entre o então presidente venezuelano e o líder cubano, Fidel Castro. Ambos, no entanto, surpreenderam com a assinatura de um convênio que acabava com as tarifas alfandegárias para as importações entre os dois países e concedia a Cuba investimentos e petróleo subsidiado por parte da Venezuela. “A ALCA morreu”, afirmou Chávez em referência à Área de Livre Comércio das Américas, promovida pelos Estados Unidos. Nascia, em 14 de dezembro de 2004, a ALBA (Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América), um organismo que cresceu graças ao petróleo, cuja queda no preço faz hoje com que definhe.

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Os tempos mudaram. Junto à baixa do petróleo se soma a morte de Chávez, em março de 2013, e a saída de cena pública de Fidel, que deixaram sem liderança o organismo, ao qual se uniram Bolívia, Equador e Nicarágua. O atual presidente venezuelano, Nicolás Maduro, não tem o carisma de seu antecessor, e outros mandatários, como o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa ou Raúl Castro, em Cuba, optaram por diversificar suas políticas externas com a participação em outros organismos, como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) ou a Celac (Comunidade de Estados da América Latina e Caribe), “mais pragmáticos do que ideológicos ou doutrinários, como a ALBA”, segundo Rafael Rojas. “A diversidade ideológica da esquerda ibero-americana acabou se impondo sobre o projeto hegemônico bolivariano”, afirma o historiador cubano.

Nove países membros

Em 14 de dezembro de 2004, Fidel Castro e Hugo Chávez fundam em Havana a Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) como contrapartida ao Tratado de Livre Comércio que era promovido pelos Estados Unidos.

Após a chegada de Evo Morales à Presidência da Bolívia, em abril de 2006, o país andino se torna o terceiro membro do organismo.

A Nicarágua, com Daniel Ortega no poder, é o quarto país a fazer parte da ALBA, em 2007, um ano antes da entrada de Honduras de Manuel Zelaya.

Após o golpe de Estado contra Zelaya, a Venezuela decidiu retirar Honduras do Petrocaribe para evitar que a ajuda econômica de Caracas financiasse o novo Governo. A saída de Honduras se concretizou em janeiro de 2010.

O Equador é o último dos membros mais ativos da ALBA a entrar no organismo, em 2009, ano em que houve uma mudança no nome da instituição, que passou a se chamar Aliança.

A ALBA é completada ainda por Antígua e Barbuda, Dominica, Santa Lúcia e São Vicente e Granadina. Atualmente, tem noves países membros.

Haiti, Irã e Síria são membros observadores da ALBA, o que sempre gerou grande polêmica.

Durante esta década de vida, os membros criaram o Banco da ALBA para financiar projetos, e, em 2010, desenvolveram uma moeda virtual: o sucre.

“A maior conquista foi conseguir a coesão do bloco bolivariano, introduzindo uma visão propriamente política da integração frente às visões mais comerciais e pró-mercado”, diz o analista argentino Pablo Stefanoni, que acrescenta: “O problema foi que sua força e seus limites estavam associados à diplomacia petroleira venezuelana. A ALBA era uma extensão da energia política de Chávez, e de seu petróleo, e não se pôde avançar em sua institucionalização real, nem desembarcar seus horizontes ideológicos em políticas de integração concretas.”

A parceira de Cuba e Venezuela, pedra angular para a ALBA desde 2004, segue organizada em torno deste intercâmbio: Caracas entrega petróleo e derivados com grandes facilidades e descontos para os cubanos, e Havana responde com bens e serviços sobrevalorizados. Cálculos independentes avaliam em 100.000 barris por dia o aporte de hidrocarbonetos que a Venezuela faz para Cuba, o suficiente para cobrir a demanda interna da ilha e permitir a venda de carregamentos sobressalentes no mercado internacional –algo que nenhuma das duas partes reconhece. Os poderes petroleiro e financeiro da Venezuela, agora em dúvida, exerciam um influxo magnético na ALBA.

Além de pactos bilaterais e do Petrocaribe, um clube de consumidores de petróleo criado por Hugo Chávez para projetar sua própria influência política nas Antilhas, dizer sim à ALBA era o meio mais fácil de obter acesso a combustível barato, a eliminação de tarifas entre alguns países e facilitar alianças regionais. As exportações venezuelanas aos sócios tiveram média de quatro bilhões de dólares (10,6 bilhões de reais) por ano no último quinquênio.

Se o petróleo venezuelano era a argamassa para a aliança, esta agora corre o risco de ruir. A produção de petróleo na Venezuela está em queda. Hoje ronda os dois milhões de barris por dia, prejudicada pela falta de investimentos e a hemorragia de especialistas sofrida pela petroleira estatal PDVSA. O Governo de Nicolás Maduro, sob pressão pela queda na receita da venda de petróleo, se vê obrigado a revisar sua diplomacia de hidrocarbonetos baratos para seus aliados do hemisfério.

Há duas semanas, o chanceler venezuelano, Rafael Ramírez, afirmou, em referência ao Petrocaribe, que, apesar da queda dos preços internacionais, seus compromissos de fornecimento de combustíveis em condições preferenciais são “perfeitamente sustentáveis ao longo do tempo”. A afirmação é coerente com o princípio chavista de dar prioridade à política. Mas em nada satisfaz às demandas internas de cortar esses subsídios, que reduzem os recursos locais enquanto financiam reconhecidos casos de corrupção, como o da Albanisa, na Nicarágua. A empresa encarregada no país de administrar as doações petroleiras da Venezuela desviou esse dinheiro para negócios particulares, segundo investigações jornalísticas.

“A falta de transparência e de prestação de contas da ALBA representa uma fonte inesgotável de corrupção, mas isso não parece preocupar os venezuelanos. A premissa fundamental desta cooperação não é a eficiência econômica ou o desenvolvimento, mas a política: que [o presidente Daniel] Ortega se mantenha no poder”, diz o jornalista Carlos F. Chamorro. Entre 2008 e 2014, a Nicarágua recebeu quase quatro bilhões de dólares graças ao convênio de cooperação com a ALBA, mas os recursos foram administrados por meio de empresas privadas. Isso representa 550 milhões de dólares por ano, um orçamento paralelo equivalente a 5% do PIB, ou 20% da receita orçamentária do país da América Central.

Se o futuro da ALBA está vinculado ao do petróleo, o Caribe parece ser a única zona de crescimento. “No fundo é um projeto venezuelano, por isso a dificuldade de encontrar relevância. Sua dinâmica está associada também ao Socialismo do Século XXI, que está bastante debilitado como horizonte”, afirma Stefanoni.

Nem Equador nem Bolívia são potências petroleiras. Além disso, Correa e Morales, como Chávez em seus inícios, agora participam de fóruns distintos e veem a Unasul como um motor de integração econômica com um horizonte mais claro do que a ALBA. “Há muito poucas opções de que cresça como plataforma ideológica”, diz Rojas: “A Venezuela está saturada de problemas internos. Perdeu muita liderança regional”.

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