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Uma ‘dominatrix’ ao resgate do pornô britânico

Artista encabeça a luta contra a regulamentação dos conteúdos audiovisuais para adultos

Pablo Guimón
A artista Itziar Bilbao Urrutia.
A artista Itziar Bilbao Urrutia.

Envolver-se com regulação do pornô é complicado. A pessoa acaba tendo de decidir que práticas sexuais são aceitáveis e quais não são. Acaba de ocorrer no Reino Unido, onde foi introduzida uma emenda na lei que regulamenta a pornografia. Desde o dia 1 deste mês os vídeos pornôs produzidos no país para a Internet têm uma série de limitações. Ficam proibidos os açoites fortes nas nádegas, o uso de chicotes ou varas de açoite, a urolagnia (mais conhecida como chuva dourada) e sentar-se na cara do outro. O sexo oral praticado sobre uma mulher “com as vias do ar obstruídas”, seja isso o que for, é considerado “não aceitável”. A ejaculação masculina, tudo bem: a feminina, proibida.

O que a nova emenda faz é submeter a produção audiovisual pornográfica para Internet à legislação que rege a pornografia em DVD. Mas ocorre que os estúdios independentes nunca produziam DVD precisamente porque consideravam que a normativa era muito restritiva, e quem a supervisiona é um órgão privado, a ATVOD, que, segundo seus críticos, aceita qualquer prática de pornô mainstream, mas rejeita as menos habituais. Nas palavras da colunista Zoe Williams, do The Guardian, “tolera a degradação sempre que se trata da mulher”.

A indústria do pornô está em pé de guerra, mas o debate a transcendeu. Trata-se, para muitos, de uma discriminação às mulheres e às práticas sexuais minoritárias. Um atentado à igualdade de direitos. E uma das vozes mais elevadas na resistência é uma “dominatrix, artista e ativista” nascida em Bilbao (Espanha), que já ganhou batalhas contra as autoridades britânicas.

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Itziar Bilbao Urrutia chegou a Londres com 19 anos. Viveu em casas invadidas e acabou em uma faculdade de Belas Artes. “Como todos os estudantes de artes, eu precisava trabalhar”, lembra. “Eu transitava no ambiente de clubes fetichistas de Londres, e comecei a trabalhar como dominatrix, que é uma mulher que cria dominação sexual feminina para clientes que pagam pelos seus serviços. Era bem pago, e me parecia melhor do que trabalhar em um bar ou em uma loja.”

Por volta de 2002 Itziar criou uma página na Internet para promover seus serviços. “Então, comecei a trabalhar a imagem, a fazer vídeos, e me dei conta de que estava expressando meus interesses conceituais como artista”, explica. “Temas como a identidade, o gênero, o feminismo, a representação da sexualidade, a sexualidade alternativa. Os dois mundos se uniram: minha prática artística e meu trabalho como dominatrix.”

Assim nasceu, há quatro anos, o Urban Chick Supremacy Cell, algo como a Célula da Supremacia da Garota Gostosa Urbana. Uma página de vídeos fetichistas por assinatura, que esteticamente apresenta uma imagem de ativismo político, “inspirada em mulheres como Valerie Solanas”. “Adotei a imagem de uma célula terrorista underground que defende uma supremacia feminina absoluta”, explica Bilbao, que encontrou no fetichismo e no BDSM um veículo para expressar suas ideias artísticas e políticas.

A artista e 'dominatrix' Itziar Bilbao Urrutia.
A artista e 'dominatrix' Itziar Bilbao Urrutia.

Mas aqui no Reino Unido as autoridades não se fixaram no lado artístico. Em junho de 2013 ela recebeu uma carta da ATVOD, a autoridade independente que regulamenta os vídeos pagos, solicitando-lhe o pagamento de uma taxa para postar seus “programas de televisão” na Internet. “Resolvi olhar a lista dos estúdios de vídeo que haviam sido denunciados”, recorda Bilbao, “e me dei conta de que a imensa maioria pertencia ao nicho do vídeo adulto fetichista e, mais concretamente, em que a mulher era a dominadora. Isso me soou como uma perseguição”.

Pôster do Urban Chick Supremacy Cell.
Pôster do Urban Chick Supremacy Cell.

A artista levou então o assunto ao conhecimento da Backlash, uma organização de defesa da liberdade de expressão sexual, com a qual colabora desde 2009. Ali viram que havia uma questão e puseram o assunto em mãos do advogado Myles Jackman, mais conhecido como “o advogado da obscenidade”, especialista em liberdade sexual e pornografia extrema do escritório Hodge, Jones & Allen.

Depois de meses de litígio – e de “interessantíssimas conversas sobre os limites da arte com escriturários da administração”, nas palavras de Bilbao– ganharam o caso e a página da web reabriu em meados deste ano. Eles os convenceram de que aquilo era um meio artístico e o estúdio de Itziar Bilbao Urrutia se transformou no “único do Reino Unido que pode postar conteúdo adulto na Internet”.

Aquele longo litígio, acredita Bilbao, foi um campo de provas para a nova legislação que entrou em vigor em 1 de dezembro. E agora ela está coordenando os estúdios de vídeo britânicos na luta contra uma normativa que considera “discriminatória em relação ao gênero feminino e às sexualidades minoritárias”. “Passaram a catalogar práticas sexuais”, opina Bilbao. “E as que não podem ser mostradas são principalmente a da sexualidade gay, queer e de dominação feminina. No pornô dos grandes estúdios essas práticas não aparecem, por isso eles ficam imunes”. E esse produto, que para Bilbao é mais daninho, é o mais acessível. “O pornô mainstream”, explica”, exibe mulheres objetificadas, com físicos sexuais caricaturescos. É uma glorificação do pênis.’

Pôster do Urban Chick Supremacy Cell.
Pôster do Urban Chick Supremacy Cell.

Na opinião de Bilbao, por trás disso está “a censura geral aos conteúdos na Internet”. “Começam pelo pornô”, afirma, “porque dá muitos votos apelar à proteção das crianças. Mas não se pode esperar que o Estado aja como babá. O pornô é como o canário na mina de carvão”.

Essa artista, que está há quase 30 anos em Londres, considera que “os britânicos são muito sinuosos para o sexo”. “Como os bascos”, acrescenta. “A mim, sua complexidade sexual atrai, mas eles têm uma relação muito difícil com ela. Lembro o dia em que contei à minha mãe que eu ia a clubes fetichistas. Ela ficou pensando um momento e disse: “É que os ingleses são assim, não é mesmo, filha?”.

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