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José Sarney: falar de literatura sim. Já de política, não mais

Aos 84 anos, o senador garante que deixará a política em 2015 para se dedicar a escrever

Felipe Betim
Sarney, em entrevista na Casa América, em Madri.
Sarney, em entrevista na Casa América, em Madri. Carlos Rosillo

José Sarney está há 60 anos na política e é, talvez, o principal arquivo humano da história recente do Brasil. Nasceu em 1930 no Estado do Maranhão e ocupou os principais cargos da república: foi deputado federal, governador de sua terra natal e senador em varias ocasiões (desde os anos noventa pelo PMDB). Chegou à presidência da república em 1985 e dirigiu o país durante a sua transição democrática, até 1990. Vem conciliando sua vida política com outra paixão: a literatura. É autor de vários livros de poesia, novelas e crônicas, o que lhe garantiu uma vaga na Academia Brasileira de Letras em 1980. De visita a Madri, apresentou a edição em espanhol de seu romance A duquesa vale uma missa na última terça-feira na Casa América.

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Aos 84 anos, Sarney finalmente decidiu se aposentar da política. Não quis disputar as últimas eleições de outubro e deixará o Senado no dia 1° de janeiro, depois de ter ocupado três vezes a presidência desta instituição (a última entre 2009 e 2013). Deseja agora dedicar-se a sua carreira de escritor. “O problema é que não tenho muito tempo… A velhice é muito boa, mas dura pouco”.

Entre os seus projetos, o mais urgente é o de terminar as suas memorias, uma obra bastante esperada e que será entregue a editora em março. Pretende também escrever um livro sobre os últimos anos da história do Brasil, focando em seus problemas. E o seu último romance: “A história de três velhos. É sobre a velhice, minha experiência na velhice”.

Sarney nega completamente os rumores de que será o próximo ministro da Cultura

O senador parece bastante à vontade falando sobre literatura e o seu romance A duquesa vale uma missa, editado em 2007 no Brasil e que conta a história de um homem obcecado desde a sua adolescência pelo retrato da Duquesa de Villars (amante do rei Enrique IV da França). “Um amigo tinha um desses quadros. Mandavam da União Soviética para vendê-los no Brasil e, dessa forma, financiar o Partido Comunista, já que não se podia mandar dinheiro. Isso está contado no livro e foi a minha primeira inspiração para escrevê-lo”. A história se passa entre o Rio de Janeiro e São Paulo durante a passagem do Brasil a modernidade; mistura temas sociais, históricos e sentimentais. “E mostra algo universal, que sempre existiu no mundo: o amor impossível”.

Sarney não tem muita vontade de falar sobre política. Exceto, isso sim, se é para dissertar sobre o seu legado. “Quero que as pessoas se lembrem de mim como o presidente que assegurou a passagem da ditadura à democracia; que dirigiu um processo constituinte que resultou na nossa mais longeva Constituição, que incorporou um fato inédito que começou no meu Governo: a preocupação pelo social”.

Apesar de representar o Estado do Amapá como senador, sua vida política está muito vinculada ao Maranhão. Quando foi eleito governador, em 1965, prometeu levar o “progresso”. Desde então vem governando o conhecido clã Sarney – membros de sua família e políticos ligados a ele –, mas o Estado ainda tem graves problemas relacionados a pobreza, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,639, o segundo pior entre os 27 do país. “Mas o Maranhão tem o décimo sexto PIB do país. O Brasil é a sexta economia do mundo, mas ocupa o lugar 81 em IDH. Trata-se de um índice para países ricos”. E acrescenta: “Tem o segundo porto do país, cresceu 10% no ano passado e é o que mais atrai investimentos do nordeste”. Sua filha, Roseana Sarney, que governou o Estado durante três mandatos, viu o candidato que apoiava, Edison Lobão Filho (PMDB) perder as últimas eleições para o candidato Flávio Dino (PCdoB), que promete “virar a página do coronelismo no Maranhão”, segundo disse em uma entrevista a Folha de São Paulo.

Quero que as pessoas se lembrem de mim como o presidente incorporou um fato inédito que começou no meu Governo: a preocupação pelo social

A oposição nunca lhe seduziu; Sarney sempre preferiu estar junto ao poder. Apoiou a ditadura militar (1964 - 1985). “Mas sempre lutei dentro do Congresso pela democracia”, ressalta. E depois de seu período como presidente (era vice na chapa de Tancredo Neves, que morreu antes de assumir o cargo), respaldou a quase todos os seus sucessores, incluída a recém reeleita Dilma Rousseff (PT), que começará o seu novo mandato pressionada pelos maus resultados econômicos e pelo escândalo de corrupção na Petrobras. “É uma grande dirigente. Fez um bom governo, mantendo e ampliando os programas sociais, e fará um segundo mandato ainda melhor”, diz, diplomaticamente. Sobre a economia, adota o discurso oficial de que a culpa é da “crise internacional e a queda dos preços das matérias primas”.

Apesar dos elogios e do apoio do seu partido a presidenta, uma televisão lhe flagrou votando no candidato da oposição Aécio Neves (PSDB). Jura que foi uma montagem. Lamenta o escândalo na Petrobras, que também envolve o PMDB, mas defende que Dilma “vai punir todos os culpados e evitar que se repita”. E nega completamente os rumores de que será o próximo ministro da Cultura: “Sempre defendi que um ex-presidente não deve exercer outro cargo público. Hoje me arrependo de ter seguido na política”.

Reforma Política

O senador José Sarney também opinou brevemente sobre a reforma política, um assunto que sempre esteve presente na agenda política brasileira, mas que ganhou força desde os protestos de junho do ano passado. O Congresso estará composto por 28 partidos a partir de janeiro e o tema parece que já não pode ser adiado. “Temos uma coisa que não existe no mundo inteiro: o voto proporcional uninominal, que deforma a atividade política. Considero responsável pela proliferação dos partidos e da corrupção na política brasileira”, explica.

O senador, que sempre defendeu o sistema parlamentarista, acredita que o país continuará a ter dificuldades para aprovar uma reforma. “O Congresso é eleito com esse sistema, que beneficia aos parlamentares. Eles se resistem a legislar, a mudar esse sistema porque se beneficiam dele”.

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