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Coluna
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Não é perigosa uma oposição contra a oposição?

Todo cuidado é pouco porque a democracia é um vaso frágil que os demônios da noite estão sempre espreitando

Juan Arias

É inegável que o Brasil vive um momento delicado de incerteza política, à espera de conhecer o novo rumo que a vencedora das eleições presidenciais, Dilma Rousseff poderá dar ao rosário de crise na economia herdado dela mesma.

Ao mesmo tempo, parece aflorar na política pós-eleitoral uma curiosa e perigosa anomalia: os vencedores, em vez de sair à rua para festejar a vitória, como ocorre em tantos outros lugares, começaram a se manifestar não a favor de Dilma e de seu novo governo, no qual votaram, mas contra a oposição.

Assim vimos ontem em São Paulo com os 15.000 manifestantes organizados pelo MTST, o MST e o movimento sindical, a CUT. Segundo o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto, Guilherme Boulos, eles, além de se manifestarem contra a direita, como se ela não tivesse direito a existir, defendem para o governo uma reforma política, que não passe pelo Congresso, mas por uma Constituinte exclusiva. Isso porque, segundo ele, “o Congresso Nacional não vai aceitar renunciar a seus privilégios”.

A experiência, no entanto, é mestre em nos ensinar que cada vez que se arremete contra um Legislativo legitimamente eleito por sufrágio popular, abre-se uma brecha para experiências populistas autoritárias. Isso, apesar de que os representantes legítimos da sociedade possam parecer corruptos ou corporativos.

Pode-se e deve-se condenar todos os abusos de deputados e senadores, mas a democracia, se deseja ser verdadeira, deve respeitar o Congresso sem querer, aberta ou sub-repticiamente, minar sua legitimidade ou destituí-lo de seus direitos constitucionais.

De pouco serve que essas manifestações possam se multiplicar organizadas pelos movimentos sociais que começam a aflorar antes mesmo de que Rousseff tenha sequer apresentado seu programa e seu novo governo, possa aparecer como um gesto de apoio a ela.

É, se for o caso, a legítima oposição política, a dos derrotados nas eleições, que teria o direito de mobilizar os seus para vigiar o governo e exigir o que a vencedora prometeu na campanha. A oposição é uma peça legítima da democracia assim como é o governo. Isso, pelo menos, em todas as democracias maduras do mundo.

Tampouco serve a desculpa de que os movimentos sociais – que votaram no novo governo – justifiquem suas manifestações de rua como oposição aos grupos minoritários, já condenados pela oposição, que chegaram a pedir a volta da ditadura militar. Isso seria, se fosse o caso, um dever do governo, não objeto de protestos de rua.

Bem em um momento de tensão no qual os brasileiros de uma ou outra cor política começaram a procurar, nas redes sociais, caminhos de concórdia e compreensão depois das rupturas originadas por eleições tão violentas e anômalas que não pareciam brasileiras, o novo fantasma de uma oposição à oposição, só serviria para inflamar de novo os espíritos.

Talvez até para algo pior: poderiam de novo empurrar a oposição legítima a atuar com maior virulência e dar espaço para que os grupos extremistas voltem a ressuscitar seus cartazes contra Dilma.

Nada melhor para a democracia que cada um se mantenha em seu posto: os vencedores, os que votaram na continuidade do governo de Dilma e do PT, em vez de usarem os instrumentos de protesto de rua contra os perdedores convertendo-se em uma oposição à oposição, deveriam se colocar a seu lado para apoiá-la e ajudá-la em sua tarefa nada fácil de continuar governando um país que perdeu fôlego e cuja imagem política começa a aparecer embaçada no exterior. Estou me referindo aos políticos, não aos brasileiros que continuam sendo objeto de estima e carinho.

A oposição, na democracia, é só uma. E ela deve cumprir sua missão seguindo também os caminhos democráticos e exercendo o poder que recebeu de seus eleitores que, neste caso, foram 51 milhões.

O primeiro dever tanto do governo quanto da oposição é, segundo sua função, o respeito ao Congresso e ao governo eleito nas urnas. Qualquer desculpa para tentar boicotá-lo ou para procurar substituí-lo por qualquer outro movimento de direita ou de esquerda, acaba sendo um atentado à democracia.

Qualquer tentação de defender o novo governo, por parte dos que lhe deram seu voto, agitando a rua e exigindo alternativas para a legítima função do Congresso, poderia acabar alimentando soluções autoritárias e antidemocráticas.

A esquerda brasileira manifestou, antes de chegar ao poder, uma inegável capacidade de colocar nas ruas os movimentos sociais contra os governos. Era seu papel e soube exercê-lo com eficácia.

Seria um erro, conquistado o poder pela quarta vez, pretender ser ao mesmo tempo governo e oposição.

Inclusive dois ministros do Partido do Governo, Gilberto Carvalho e Marta Suplicy caíram também no pecado de sentir o gosto proibido de se mostrarem oposição, com críticas públicas à própria Chefa de Estado, tão duras ou mais do que as que poderia ter feito a oposição verdadeira.

Tudo isso, mais que contribuir para tranquilizar as águas agitadas da opinião pública, dos vitoriosos e dos perdedores, poderia conduzir a aumentar o emaranhado já difícil da política brasileira depois do resultado das eleições.

Toda atenção será pouca porque a democracia é um vaso frágil que os demônios da noite estão sempre espreitando.

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