_
_
_
_
_

De contratados a corruptores

Polícia Federal bloqueia 720 milhões de reais de 36 pessoas que estão sob investigação

Posto de gasolina de Petrobras no Rio de Janeiro
Posto de gasolina de Petrobras no Rio de JaneiroDado Galdieri (BLOOMBERG)

Os rumores que corriam pelas principais cidades brasileiras não eram falsos. O pânico que tinham provocado no setor empresarial as delações premiadas (em troca de uma redução de pena) de ex-diretores da Petrobras e de empresas contratadas que firmaram contratos bilionários com a gigante petrolífera, como parte da Operação Lava-Jato, foi plenamente justificado pelas 85 ordens de prisão emitidas nesta sexta-feira pela Polícia Federal, que revistou escritórios de nove empresas (algumas tão emblemáticas como a Camargo Corrêa e a Odebrecht, dos grupos empresariais brasileiros que mais cresceram na última década). O temor tinha sido desencadeado no final de outubro, com o depoimento de Julio Camargo, executivo da empresa de engenharia Toyo-Setal, o primeiro “arrependido” não integrante da estrutura da petroleira que comparecia para revelar uma rede de subornos, comissões e lavagem de dinheiro que sacode a vida política brasileira e que, segundo a Polícia Federal, pode ter desviado bilhões de dólares.

Mais informações
Polícia Federal prende executivos envolvidos no caso Petrobras
Petrobras: o maior escândalo da história na mira dos Estados Unidos
Juan Arias: Melhor um Brasil enfurecido do que deprimido
A Petrobras reúne o melhor e o pior do Brasil

Camargo não é apenas um alto executivo de uma companhia cujos contratos com a Petrobras (a maior empresa do Brasil) alcançam 3,5 bilhões de reais. “Era o coração do esquema de corrupção”, segundo revelou há poucas semanas uma fonte próxima da investigação. Três empresas que ele controlava (Treviso, Piemonte e Auguri) fizeram depósitos milionários em contas de firmas fictícias usadas pelo cambista e especialista em lavagem de dinheiro Alberto Youssef, personagem-chave na rede e segundo “arrependido” que aceitou a troca proposta pelo Ministério Público Federal. O primeiro deles tinha sido ninguém menos que Paulo Roberto Costa, poderoso ex-diretor de Abastecimento da própria Petrobras, que reconheceu perante o juiz que existia um esquema de subornos institucionalizado e que o Partido dos Trabalhadores embolsou entre 1% e 3% de todos os contratos que foram executados desde 2004 a 2012. O aliado PMDB e o oposicionista PSDB também tiravam vantagem, embora supostamente de quantia menor. Além do mais, confirmou um dado fundamental: o esquema envolvia todas as grandes construtoras que trabalham para a Petrobras.

Pegar os corruptores não era o objetivo principal da investigação quando teve início, por volta do mês de março; o foco passou aos empreiteiros quando começaram as delações premiadas de Costa e Youssef e, sobretudo, de Camargo. Até que ele falasse, as empreiteiras vinham adotando uma posição unânime de negar sua participação no suposto pagamento de subornos. Depois de seu depoimento, instalou-se um profundo mal-estar entre o restante das empresas, embora nenhum representante afirme publicamente, e essa unanimidade se rompeu, começando cada qual a pensar na própria pele. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou esta semana que pelo menos nove pessoas já concordaram em colaborar sob o formato da delação premiada.

Outro executivo da Toyo-Setal, Augusto Ribeiro de Mendonça, se uniu depois de Camargo ao acordo de colaboração judicial. Além do mais, ocorre que Ribeiro de Mendonça é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav) e vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), os dois órgãos mais representativos do segmento, que preferiram não fazer declarações. “Estão todos envolvidos”, afirma a este jornal um advogado ligado ao caso, que mantém o anonimato. “Pode ser uma carnificina.” Entre as pessoas detidas hoje, 20 pertencem às maiores empreiteiras do país. Quatro delas são presidentes de grandes companhias. Segundo revelou o jornal O Globo, um dos cúmplices de Renato Duque (ex-diretor de Serviços da Petrobras, preso hoje) embolsou, sozinho, mais de 100 milhões de dólares. A gigante do petróleo contratou dois escritórios de advocacia para investigar as supostas fraudes relacionadas com a empresa.

As prisões representam mais uma reviravolta em uma operação que supera amplamente o célebre caso do “Mensalão”, do qual a imprensa brasileira se ocupou durante anos. “Esses empresários são os que estão contando verdadeiramente como funcionava o esquema: se não pagavam, não havia negócio. Criaram fundos específicos para pagar”, afirma a este jornal Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE): “Pela primeira vez está sendo examinado o funcionamento do país, como se passou na Itália há alguns anos com as operações contra a Máfia. A relação entre políticos e empresas tem de mudar no país.... Tudo depende de até onde chegue a operação, e se alcança o Governo. É uma oportunidade para refundar o país, a moral, o respeito ao trabalho. As pessoas não sabem quem é o verdadeiro responsável, até onde chega, quem são os implicados. É preciso haver uma mudança total para criar boas práticas.”

Qual é o perfil do corruptor que aceitava pagar enormes comissões ilegais em troca de obter contratos bilionários? Pouco se sabe sobre a vida privada de Camargo, para dar um exemplo, embora seja conhecida sua paixão pelos cavalos de raça, que costumava transportar em aviões climatizados quando disputavam competições: um hobby caro que provavelmente agora terá de abandonar, depois de ter devolvido 40 milhões de reais às autoridades brasileiras. É provável que restrinja também suas contribuições econômicas a políticos: na campanha eleitoral de 2010, foi um dos maiores doadores pessoais de todo o país: 1,12 milhão de reais, no total, a sete políticos. Camargo mantinha um altíssimo nível de vida: segundo a revista Veja, emprestou várias vezes seu jato particular a José Dirceu, ex-chefe de Gabinete do ex-presidente Lula e principal acusado na trama do “Mensalão” (preso em regime fechado entre 2013 e 2014), para cruzar o Brasil depois de deixar seu cargo, em 2005.

A origem do azeitado esquema de corrupção e lavagem de dinheiro remonta a 2004, quando Dilma Rousseff chegou ao Ministério de Minas e Energia. Uma de suas primeiras decisões foi estabelecer uma política de “compre nacional” na Petrobras, com a finalidade de desenvolver a indústria brasileira e criar novos empregos. O Brasil ampliou consideravelmente sua indústria naval, até o ponto em que as empresas investigadas atualmente na Operação Lava Jato somassem contratos com a Petrobras de 59 bilhões de reais, abarcando o período 2003-2014. Ainda faltam seis empresas suspeitas sobre as quais as provas por enquanto são pouco conclusivas: não está descartado que as próximas semanas tragam novas detenções de empreiteiros transformados em supostos corruptores.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_