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Como ganhar 99.000 dólares em 15 segundos

Operadores trocavam ordens de compra e venda entre si para influenciar a taxa de câmbio O supervisor britânico detalha um caso do Citigroup

Pablo Guimón
Fachada de um dos escritórios do banco UBS, em Zurique (Suíça).
Fachada de um dos escritórios do banco UBS, em Zurique (Suíça).BLOOMBERG

Com uma boa carteira de clientes e um grupo de chat com colegas de outras empresas, é possível ganhar 99.000 dólares (cerca de 254 mil reais) em 15 segundos no mercado de divisas. Foi o que demonstrou o Citigroup, segundo a Financial Conduct Authority (FCA), a autoridade supervisora britânica. O banco, que aceitou pagar uma multa de 668 milhões de dólares (1,7 bilhão de reais), é uma das cinco entidades – junto com HP Morgan, UBS, RBS e HSBC – condenadas depois de uma investigação sobre práticas com as quais estas empresas manipulavam as taxas de câmbio das divisas ao fixar as referências.

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O de divisas é um dos maiores mercados financeiros do mundo: move perto de cinco trilhões de dólares por dia, cem vezes mais, por exemplo, que a bolsa de Nova York. Aqui, as transações entre as principais divisas são realizadas atendendo a taxas de câmbio de referência que são fixadas em determinados momentos do dia. São fixados dois índices, um para comprar e outro para vender, que vão mudando ao longo do dia. Os clientes dão ordens a seus bancos para comprar ou vender grandes volumes de divisas usando estes índices de referência, que, no momento da ordem, não são conhecidos, de modo que a empresa assume o risco.

Mas estas referências, quando o volume administrado é muito grande e quando são trocadas informações confidenciais com outros agentes, podem ser manipuladas. Foi o que fez o Citigroup, segundo a FCA, em 15 segundos de um dia, quando o banco britânico alterou a taxa de câmbio de referência do euro com o dólar. A autoridade contou ontem este caso como exemplo. Naquele dia, o Citigroup tinha ordem de compra por 200 milhões de euros ao preço do índice ECB fix – um dos mais utilizados – que consiste em uma fotografia do mercado em um instante determinado do dia: 13h15, horário de Londres. O banco ganha se vender a seu cliente acima do preço que ele mesmo comprou: portanto, obteria um lucro se conseguisse mover para cima o índice de referência.

Os operadores compartilham os segredos das transações através de um chat

Para mover o índice para cima, os corretores do banco utilizavam chats com agentes de outras empresas. Estes grupos de discussão, aos quais davam nomes como 'A Equipe A' ou 'Os Três Mosqueteiros', permitiam que somassem suas respectivas ordens de compra confidenciais nos momentos prévios à fixação do índice. Compravam as ordens de outros agentes e, se acumulassem um volume suficiente e jogassem bem com ele, conseguiam elevar o índice. Então, a empresa vendia a seu cliente ao preço fixado pelo índice, que é superior ao que acabava de pagar o banco, obtendo assim, seu lucro.

O método

- Os operadores dos bancos comunicam entre si as ordens de seus clientes.

- Como o banco ganha se vender a seu cliente acima do preço que comprou, o plano consiste em mover para cima o índice de referência.

- Para isso, transfere-se a uma entidade todas as ordens para um momento determinado.

- O Citigroup deu quatro ordens de compra 15 segundos antes da hora em que muda o índice, influenciado por suas operações.

Naquele dia, além do Citi, havia quatro outros membros no chat. A firma A tinha que vender 47 milhões. A firma B devia comprar 26 milhões, mas oferece transferir sua ordem de compra ao Citi, para que este aumente o volume que vai comprar: quanto mais tem para comprar, maior é sua capacidade de influência no índice de referência. A firma A diz no chat que transferiu suas ordens de venda a um terceiro: “O caminho está livre para detonar”, escreve o agente no chat. São exemplos do que se conhece “construir” ou “deixar a munição”: somar ordens no mesmo sentido ou transferir a terceiros fora do chat as ordens em sentido contrário do movimento desejado no índice. Isto mantém o volume de ordens na direção desejada em mãos dos agentes do chat. A firma C tem ordens de venda de 39 milhões e oferece trocá-las. Quer dizer, vendê-las a um terceiro que está fora do chat. “Pode fazer isso”, digita no chat: já pode fazer sua oferta de compra sem que ninguém empurre o preço para baixo. A firma D também quer comprar. “Você pode ficar com nossas ordens ou posso ajudar”, diz no chat. E então transfere também sua ordem de compra ao Citigroup.

No final, o Citigroup aumentou seu volume de compra para 542 milhões de euros (73% do total de transações nesse momento) e, com ele, sua capacidade de influenciar no índice. E chegamos aos 15 segundos prévios às 13h15 do dia em questão. Entre as 13h14:45 e as 13h15, o Citigroup coloca quatro ordens de compra de euros. Cada ordem é maior que a anterior em volume e em preço, sempre com valores superiores ao que oferecem os vendedores. Às 13h14:45 coloca uma ordem de compra de 25 milhões. Às 13h14:50, uma de 50 milhões. Às 13h14:55, 100 milhões. E três segundos antes das 13h15, compra 400 milhões, a 1,5 ponto acima da oferta predominante. Depois de cada ordem, o preço de venda sobe. No final, passa de 1,3214 a 1,3222 em 15 segundos.

Toda uma engenharia financeira que foi recebida com elogios no chat. “Impressionante”, dizia um agente. “Adorável”, opinava outro. “Isso não é algo que se possa ensinar”, acrescenta um terceiro. “Sim, funcionou bem”, respondia o corretor do Citigroup, que acabava de manipular a taxa de câmbio entre o dólar e o euro, graças ao uso de informação privilegiada, ganhando 99.000 dólares em 15 segundos.

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