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Prêmios Príncipe das Astúrias

Felipe VI: “Os espanhóis já não são rivais uns dos outros”

Rei da Espanha faz um apelo pela unidade: “Queremos um país afastado da discórdia”

Natalia Junquera
O casal real chega para a cerimônia de entrega dos Prêmios Príncipes das Astúrias.
O casal real chega para a cerimônia de entrega dos Prêmios Príncipes das Astúrias.JuanJo Martín (EFE)

O Rei da Espanha aproveitou seu discurso na entrega dos Prêmios Príncipe das Astúrias na sexta-feira – um dos poucos pronunciamentos redigidos por ele e sua equipe e supervisionado pelo Governo, não ao contrário – para insistir em suas grandes preocupações: o desafio soberanista catalão e a insatisfação popular com os sucessivos casos de corrupção em praticamente todas as instituições e partidos. Essa foi a última edição dos Prêmios Príncipe das Astúrias – que a partir do ano que vem se chamarão Prêmios Princesa das Astúrias – e a primeira de Felipe VI como Monarca. O público presente no teatro Campoamor de Oviedo (Astúrias, norte da Espanha) interrompeu sua fala com um longo aplauso, em pé, no momento em que dom Felipe explicava “quanta emoção” lhe causava essa troca de papéis com sua filha Leonor, que em 31 de outubro completa 9 anos, quatro a menos do que ele tinha quando estreou nesses prêmios em 1981.

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Depois de elogiar os premiados na edição deste ano e recordar brevemente suas biografias, dom Felipe se dirigiu a quem deseja separar-se da Espanha fazendo uma defesa ferrenha da Constituição de 1978, o principal argumento do Governo contra a consulta sobre a independência da Catalunha proposta pelo presidente catalão, Artur Mas. “Nossa democracia não é fruto do improviso, mas sim da vontade determinada do povo espanhol de fazer da Espanha um Estado social e democrático de direito, inspirado nos princípios de liberdade e igualdade, justiça e pluralismo, e no qual todos, cidadãos e instituições, estamos submetidos, por igual, ao mandato da lei”, disse o Rei.

“Respeitar e observar esse marco constitucional e democrático é a garantia de nossa convivência em liberdade. É a garantia necessária para que todos os espanhóis possam exercer seus direitos, (…) para que nossa vida coletiva funcione ordenadamente. Devemos zelar por nossa vida em comum (...) e não repetir erros do passado”, acrescentou dom Felipe. “Queremos uma Espanha afastada da divisão e da discórdia”, declarou.

“Todos” e “comum” foram algumas das palavras mais repetidas no discurso: 14 vezes. O Rei manteve na sexta-feira a mesma linha que já tinha iniciado como Príncipe diante do desafio soberanista catalão: uma estratégia positiva que, diferentemente de algumas declarações do Governo, destaca sobretudo as vantagens de permanecer unidos, em vez de ameaçar com as consequências da separação. “Compartilhamos interesses e valores comuns, temos uma mesma vontade de pertencer à Europa, de ser Europa. E, acima de tudo, compartilhamos sentimentos. Os espanhóis já não são rivais uns dos outros. Somos protagonistas de um mesmo caminho”, ressaltou dom Felipe.

Manuscrito do primeiro discurso de Felipe VI nos Prêmios Príncipe das Astúrias.
Manuscrito do primeiro discurso de Felipe VI nos Prêmios Príncipe das Astúrias.

Em 12 de outubro de 2012, durante a tradicional recepção no Palácio Real por ocasião da festa nacional da Espanha, o então príncipe das Astúrias comentava: “A Catalunha não é um problema. Confio mais na Catalunha real que na espuma que vemos certas pessoas fazerem”. Dois anos depois, agora Rei e com a ameaça de uma consulta secessionista, dom Felipe continua acreditando na vitória da unidade. “Estou convencido de que a compreensão, a consideração, o afeto e o respeito mútuos são sentimentos arraigados no coração dos espanhóis e compartilhados de norte a sul, de leste a oeste em nosso território. Nenhum desses sentimentos deve ser esquecido jamais, muito menos perdido. Pelo contrário, devem ser preservados e alimentados”, disse nas Astúrias.

Para o Rei, os interesses secessionistas não fazem sentido, muito menos hoje. “Estejamos conscientes de que, como qualquer sociedade avançada, devemos encarar nosso futuro com a fortaleza exigida por um mundo diferente do que conhecemos; um mundo que caminha para uma maior integração, e não o contrário. É um futuro complexo, mas cheio de novas oportunidades. Esse é um dos grandes desafios que temos como país. Trabalhemos, cada um com sua própria personalidade, em um projeto integrador, sentido e compartilhado por todos, e que olhe sempre para a frente”.

Como já fez em seu discurso de proclamação, em 19 de junho, dom Felipe também se referiu à insatisfação motivada, principalmente, pelos onipresentes casos de corrupção na Espanha. O Rei admitiu que, na coisa pública, são poucas as vidas exemplares: “A sociedade necessita de referências morais para admirar e respeitar; princípios éticos para reconhecer e observar; valores cívicos para preservar e fomentar”. E elogiou essa “consciência social” da população mais crítica e exigente para com as instituições. “É com esse necessário impulso moral coletivo que se pode e se deve fazer da Espanha uma nação esperançosa”.

Elogio ao “sacrifício” da sociedade

N.J.

Como já fez no ano passado no mesmo palco do teatro Campoamor, e em 19 de junho em seu discurso de proclamação na Câmara dos Deputados, o Rei voltou a elogiar na sexta-feira “o enorme sacrifício e esforço” dos espanhóis “para superar juntos uma das crises econômicas mais profundas”.

Dom Felipe destacou o exemplo de “muitos cidadãos que demonstram, admiravelmente, uma capacidade de esforço e sacrifício digna de todo respeito”. Especialmente, agora, em tempos de “desencanto, pessimismo e desconfiança”, assinalou.

Palavras muito similares às pronunciadas no mesmo lugar no ano passado, quando disse: “Os homens e mulheres da Espanha enfrentaram a adversidade com coragem e mostraram uma inquestionável capacidade de sacrifício. São milhões os espanhóis que batalham dia a dia para seguir adiante com honestidade, com esforço, com valentia e com humildade. Eles são os que realmente fazem da Espanha uma grande nação em que vale a pena viver e amar e pela qual vale a pena lutar”.

Dom Felipe chegou a Astúrias com um novo status, o de Rei, mas as mesmas preocupações de seus últimos discursos como Príncipe: a mesma crise econômica, o cada vez mais arraigado desencanto e uma permanente vontade de devolver a esperança ou, pelo menos, a confiança nas instituições.

No teatro Campoamor foi recebido com gritos de “Viva o Rei!”, assim como sua esposa, dona Letícia. A rainha Sofia acompanhou a cerimônia do camarote das autoridades. Dom Juan Carlos não compareceu.

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