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“Ainda não pensei na reeleição”

Presidente reeleito não descarta modificar a constituição para reformar a justiça e lamenta o atraso do Tribunal Eleitoral na votação

Javier Lafuente
Evo Morales, presidente reeleito da Bolívia.
Evo Morales, presidente reeleito da Bolívia.D. MERCADO (REUTERS)

O presidente reeleito da Bolívia, Evo Morales (Orinoco, 1959), dedicou boa parte da segunda-feira para diversos encontros com os veículos de comunicação internacionais. Na última hora da tarde desse dia recebeu o EL PAÍS junto com dois jornais chilenos e um argentino. Durante a conversa, Morales deu longas respostas com constantes idas e vindas em suas reflexões. Foi contundente, mas não estava exultante, como se a eleição de domingo para ele fosse somente um trâmite, ou como se não estivesse totalmente satisfeito com os resultados.

Quando o encontro foi realizado, no salão de espelhos do Palácio Quemado, os dados oficiais do Supremo Tribunal Eleitoral ainda não eram conhecidos. “É uma preocupação. Lamento muito os problemas internos do tribunal, espero que possam ser superados”, admitiu o presidente antes de acrescentar, sem que ninguém lhe perguntasse: “Entretanto, aqui não existe fraude, não ocorreu nenhuma manipulação no tribunal. Cada instituição tem sua própria autonomia. A oposição nos acusa falsamente. É engraçado, por um lado disseram que haveriam surpresas e, por outro, que existe fraude. Não existe nada”.

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Apesar de não saber os resultados, confiava no cumprimento dos prognósticos das pesquisas de boca de urna, que davam 60% dos votos para Morales. “O importante é que esse é o maior movimento político desde a fundação da república. O que não fizeram em 180 anos fizemos em nove”, assegurou.

Quando é perguntado se, dado o enorme apoio que recebeu, pensou em iniciar uma modificação da Constituição que permita sua reeleição, Morales repete seu discurso de campanha, ainda que adicione um viés: “Não propusemos a reforma da Constituição no programa de Governo. Mas é preciso transformar a justiça boliviana, não sei se para isso é necessário modificá-la. Temos problemas com a justiça”.

-Se as pessoas pedirem, vai se candidatar à reeleição?

Quem se beneficia do livre mercado? Somente os grandes ganham

-Nesse momento ainda não pensei nisso. Penso somente em como devolver o apoio ao povo. Não pensei nisso [na reeleição].

Repassando a situação regional, Morales admitiu certa preocupação pela subida do candidato conservador brasileiro Aécio Neves ou as possíveis guinadas para a direita que também podem ocorrer no Uruguai e na Argentina. “Claro que é uma preocupação que a direita possa retornar. Minha experiência me diz que nem os banqueiros nem os empresários devem governar, mas sim presidentes eleitos por seu povo”, ressaltou, para depois propor uma união maior entre os países da região: “Meu desejo é que os ministros da Economia do Unasur se reúnam a cada quatro meses, que falem do que vai acontecer na economia da Bolívia, da Argentina, do Equador, do Chile... Deveria haver muita transparência e sinceridade entre nós para desenvolver um modelo regional. Temos tantas coisas... Existe água, a Amazônia, os recursos naturais... Não somos só uma esperança para a América Latina, mas para todo o planeta. Precisamos de cooperação”.

Nesse discurso de integração, Morales refutou qualquer aproximação da Bolívia com a Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, México e Colômbia por considerá-la um instrumento dos Estados Unidos. “Para continuar avançando na libertação cultural, social e ideológica nos organizamos na Alba, no Unasur, e aparece a Aliança do Pacífico, de maneira suspeita. Eles propõem a liberação de serviços básicos, que é a privatização dos serviços básicos. Quero que nos falem que essa aliança é para privatizar a água, a luz, o telefone. Quem se beneficia do livre mercado? Somente os grandes ganham. Nossas economias não podem depender totalmente do mercado norte-americano, nem do asiático ou o europeu. Concordo que devemos ter mercado. Mas um mercado regional, para ter uma região com soberania e dignidade, não somente soberania política, mas também econômica. Não queremos entrar nessa aliança para ficarmos como lacaios de um sistema capitalista. Não faremos isso enquanto eu for o presidente. Não entendo como podem existir presidentes que digam que são socialistas e estejam a serviço do capitalismo. Se somos socialistas é preciso sermos anti-imperialistas. Por princípio”, ressaltou.

Enquanto a Bolívia é o segundo país com melhor previsão de crescimento na região, seus parceiros do Alba desmoronam. Perguntado se não pensou em dar um passo à frente e adquirir um papel protagonista na organização, uma vez que desde a morte do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez ela está carente de liderança, Morales considerou: “Temos Raúl [Castro], Fidel... Eu sou um aluno sindical. Diante de líderes internacionais como Raúl é impossível. Sempre estaremos presentes para compartilhar experiências, mas cada país tem sua particularidade própria”.

Graças à boa saúde econômica do país andino, com reservas internacionais próximas aos 15 bilhões de dólares (35,9 bilhões de reais), a Bolívia, segundo revelou seu presidente, recebeu recentemente três pedidos de crédito, que não quis tornar públicos. Os três foram recusados. “São países da América, mas nenhum são os Estados Unidos”, brincou. “Mesmo que sejam propostas interessantes, não vamos emprestar. É de chorar que peçam crédito para um Estado que há pouco tempo era um mendigo”, acrescentou.

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