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Como pensa uma cidade inteligente?

Especialistas discutem as possibilidades urbanísticas dos dados produzidos nas redes

Alexandre Lafer, sócio fundador de Vitecon, no evento.
Alexandre Lafer, sócio fundador de Vitecon, no evento.BOSCO MARTÍN

Instalar um GPS em um saco de lixo para saber aonde ele vai parar. Analisar os dados emitidos pelos celulares para saber como se movimentam os participantes do Réveillon de Copacabana ou usar aplicativos populares de trânsito para prever como os carros vão se comportar todos os dias na cidade.

Exemplos como esses, que podem parecer um pouco assustadores para os mais preocupados com a privacidade, são uma amostra de como a tecnologia pode ajudar as cidades a funcionarem de forma mais inteligente. A tecnologia e o Big Data – esse monte de informações nas redes, muitas vezes disponibilizados por nós mesmos, sem a gente nem perceber – já têm sido usados em muitas cidades para o desenvolvimento de políticas públicas, seja por parte dos governos ou da iniciativa privada.

“A cidade do passado mudou muito. É preciso criar a cultura de inovação”, afirma Carlo Ratti professor do laboratório SENSEable City (em tradução livre, uma cidade sensível), do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele abriu o encontro Cidades inteligentes, nesta quinta-feira, em São Paulo, onde empresários, gestores públicos e urbanistas discutiram soluções para um melhor planejamento dos grandes centros urbanos.

Parcerias com aplicativos como o Waze têm se multiplicado por vários municípios, entre eles o Rio. Popular entre os motoristas que querem fugir dos congestionamentos, os dados produzidos pelas rotas dos usuários indicam quais são os fluxos mais habituais, os horários de maior deslocamento em cada rota e, a partir disso, é possível se pensar em como melhorar o controle do trânsito.

No Rio, por exemplo, a análise das informações de trânsito ajudou a perceber que em algumas áreas de congestionamento é mais barato construir um BRT (sistema rápido de ônibus), a um custo de 1,2 bilhão de reais, do que arcar com os prejuízos econômicos gerados pelo trânsito, que chega a esse mesmo valor em quatro anos, de acordo com Pablo Cerdeira, coordenador do Centro de Operações da Prefeitura.

Aplicativos de trânsito também podem ter o efeito de retirar os carros da rua. Programas de carona solidária poderiam diminuir em 40% o número de automóveis nas ruas de Nova York, de acordo com uma projeção feita pelo professor do MIT Carlos Ratti – algo que poderia se desenvolver como política pública. E, num futuro não muito distante, carros que se dirigem sozinhos poderiam “voltar para casa” quando os donos estão no trabalho, desocupando vagas de estacionamento e podendo ser usados por mais pessoas.

A análise do deslocamento das pessoas, por meio das redes de celulares, ajudou, por exemplo, a planejar o transporte público necessário para que o Réveillon de Copacabana, que no ano passado recebeu 2,3 milhões de pessoas, tenha menos transtornos. Descobriu-se onde as linhas de ônibus precisavam ser reforçadas e a partir de qual horário.

Na cidade, o cruzamento de dados de sistemas eletrônicos que leem as placas dos automóveis com informações da Secretaria de Segurança Pública também permitiu identificar a rota de 40% dos carros roubados da cidade –a experiência fez com que a nova licitação de câmeras de trânsito incluísse a necessidade de que elas tivessem um alerta para isso. O aplicativo Strava, uma espécie de GPS de bicicletas, também ajudou a planejar as novas ciclovias da cidade.

As iniciativas para transformar o espaço público em um lugar mais fluído, com maior participação popular na tomada das decisões e onde a tecnologia é usada para melhorar a qualidade de vida, são ações que, agregadas, elevam uma cidade a esse conceito de Smart City (Cidade Inteligente). Em Curitiba (PR), por exemplo, há semáforos inteligentes, que reconhecem, por meio de um cartão que é aproximado a um sensor na calçada, se o pedestre é um idoso. Em caso positivo, o sinal fica aberto aos pedestres por mais tempo.

Além disso, a cidade realizou, em maio deste ano, a primeira edição do Hackathon, evento que estimula a discussão e o desenvolvimento de aplicativos. De lá, saíram 10 startups. Outra iniciativa foi a criação de ecofrotas de ônibus e carros movidos a bateria elétrica e do Portal do Futuro, onde a juventude se organiza para discutir parte do investimento da cidade. “Além de ações concretas, é necessária uma revisão da burocracia e dos processos eletrônicos para que os projetos se realizem”, alerta o secretário da Informação e Tecnologia de Curitiba, Paulo Roberto Miranda. Os especialistas estiveram reunidos nesta quinta-feira no encontro Cidades Inteligentes, promovido pelo EL PAÍS, pelo centro de políticas públicas Insper, e pelo Arq Futuro.

Ciclovias cumprem função “civilizatória”, diz Haddad

M. R. / T. B.

Uma cidade inteligente não é feita só da mais alta tecnologia ou com ideias revolucionárias para a resolução de problemas. Muitas vezes, medidas 'analógicas' podem cair muito bem para solucionar questões urbanas ou de mobilidade. "Às vezes a gente se restringe muito à questão tecnológica", disse o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). "Mas medidas simples podem evitar distorções".

Participação popular, priorização do transporte público, investimento em iluminação e na inteligência para setores como a saúde, a instalação de wi-fi em praças públicas para estimular o convívio e uma boa governança na segurança pública fazem parte da lista de Haddad para compor uma cidade melhor. “O debate não envolve apenas a tecnologia, mas, sobretudo, o urbanismo”, diz Haddad.

Ainda que as políticas públicas que priorizam o transporte urbano não tenham aceitação de 100% da população paulistana, as faixas exclusivas de ônibus e as ciclovias estão na pauta do dia. “A segregação de faixas não é uma decisão fácil de ser tomada, porque alguém vai pagar por isso, no caso, o carro”, diz Haddad. “Você prejudica alguém para melhorar a vida da maioria”.

As ciclovias, para o prefeito, cumprem uma função “civilizatória”, já que desafogam a ocupação excessiva das ruas. “São Paulo está toda ocupada, você não consegue enxergar um espaço vazio na cidade. É como o silêncio na música, a cidade precisa do silêncio espacial”, diz.

Outro ponto importante, segundo ele, é enxergar a administração pública de maneira mais aberta, atento às boas iniciativas de outros lugares, incluindo a de outros partidos. “Cidade inteligente é a que discerne”, diz. “O gosto da democracia não é só o gosto da demarcação, mas também o gosto de consensos. Temos que reconhecer boas iniciativas dos outros lugares também”.

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