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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

O grande derrotado foi o desejo de mudança

Descontente com seus governantes, o brasileiro das manifestações de junho preferiu se manter imóvel nesta eleição

Dia de eleição sempre é momento de expectativas. No fundo, por muito que a nossa democracia esteja desgastada, abatida, por muito que seja cotidianamente humilhada por um comportamento político irresponsável, o voto sempre traz possibilidades, incertezas, esperanças tímidas. A minha, como pesquisadora do fenômeno das manifestações, era comprovar o reflexo das ruas nas urnas, mas o reflexo foi mais tênue que o esperado.

Um dos grandes derrotados deste primeiro turno foi o desejo de mudança. Os brasileiros saíram às ruas, num movimento nacional histórico, reclamando da velha política, e neste domingo votaram imperturbavelmente nela. O sentimento antipetista se fez presente nas urnas e o herói inesperado da noite foi o candidato Aécio Neves. A tediosa e ancestral polarização PT-PSDB venceu. O que representava o antigo venceu. Marina, que teve a petulância ou talvez a ousadia fraudulenta de se autodenominar “a nova política” não conseguiu convencer aqueles ansiosos por mudanças.

Luciana Genro, com seus 1.612.186 votos, capitalizou uma parte do sentimento de insatisfação, principalmente do jovem, mas, como o “voto útil”, sempre é o mantra de qualquer eleição, seus eleitores, mesmo que em uma quantidade digna para um partido nanico, ficaram por lá. A lógica idosa do “voto pragmático” venceu. Mais do mesmo.

Outra estatística, daquelas que sempre passam despercebidas, mas que deveriam ser protagonistas porque trazem informações preciosas. A abstenção chegou a 19,39% em todo o País e os votos brancos e nulos a 9,64%. Num Brasil onde o voto é obrigatório este dato é significativo. Apatia, decepção, rejeição, cansaço foram outras das melancólicas vencedoras da jornada.

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Quais são as conclusões?

As ruas não eram tão vanguardistas nem tão revolucionárias como um dia pareceram. Em política, as reformas implicam o custo da dúvida, da coragem, do risco, da participação e o trabalho contínuos. Será que as ruas estavam dispostas a uns dias, umas semanas de manifestações, mas sem abandonar a sensação confortável do já conhecido? Por outro lado, o poder mostrou ser opaco e absolutamente impermeável aos desejos do novo. A política das ruas não conseguiu reflexo nenhum na política institucional e na hora do “voto pragmático” as escolhas que estavam aí eram as mesmas de sempre. Uns, os cidadãos, não lutaram pela mudança, talvez não sabiam o que realmente queriam, talvez não estavam prontos para o esforço que ela supõe. Outros, os donos do poder, foram insensíveis às vozes coletivas e não tiveram a dignidade de dar uma resposta.

É possível, inclusive, que os episódios de violência vividos este ano nos protestos ajudaram na percepção da necessidade de mais segurança, de uma escolha que privilegiasse uma postura mais conservadora em vez de aquela política nova indefinida e nebulosa. Como comentou faz dias um vizinho de um bairro periférico de São Paulo: “depois de um ano de bagunça, com esses vândalos nas ruas, esse caos, não dá para votar mais na Dilma. Voto no Aécio para ter mais segurança, mais ordem."

Fatores diversos para análise, o que os números colocam de forma enfática é que Dilma perdeu milhões de votos comparativamente às eleições passadas e que a continuidade do confronto PT-PSDB está revitalizada. Hoje, um dia depois do voto, a aspiração da “nova política” parece mais uma quimera, uma ficção que ocupou nossos pensamentos durante um ano, mas que se desvaneceu ontem.

O certo é que essa foi a herança nas urnas do “gigante que acordou”, um gigante insatisfeito mas paralisado. Aborrecido, descontente com seus representantes, escolheu permanecer imóvel.

Esther Solano Gallego. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo.

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