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evo morales | presidente da bolívia

“Vencer eleições é muito simples”

O presidente da Bolívia, Evo Morales, analisa sua gestão e os desafios que seu país enfrenta nos próximos cinco anos

Javier Lafuente
Evo Morales na inauguração de uma usina termoelétrica em Yacuiba, em 27 de setembro.
Evo Morales na inauguração de uma usina termoelétrica em Yacuiba, em 27 de setembro.AIZAR RALDES

Evo Morales (Orinoca, 1959) já vislumbra seu terceiro mandato. O bom andamento da economia boliviana e a estabilidade social dos últimos anos prenunciam um triunfo do ex-líder cocaleiro nas eleições do próximo domingo. A última pesquisa do Ipsos dá uma vitória à situação com 59% dos votos. O empresário da área de cimento Samuel Doria (13%) e o ex-presidente Tuto Quiroga (8%), ambos conservadores, ficariam a anos-luz. Morales aspira a uma segunda reeleição depois de o Governo promulgar, no ano passado, uma lei para permiti-la. Se vencer, garante que respeitará a Constituição, que o impede de voltar a se candidatar. Seu vice-presidente, Álvaro García Linera, insistiu durante toda a campanha que não está nos planos do Movimento ao Socialismo (MAS) mudar a Constituição.

Apesar de sua vantagem nas pesquisas, a agenda de Morales é frenética. Quando chega para a entrevista, às 6h30 da manhã de quarta-feira, já se reuniu com seu gabinete e teve tempo de participar de uma passeata para fazer campanha com os transportadores, aos quais entregou camisetas, bonés e CDs “com a música do Evo”.

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“Só um me rejeitou, mas acho que foi porque não me reconheceu. Nem protestou nem nada”, garante o presidente em uma sala da base militar de Cochabamba, antes de voar para Santa Cruz. Apesar de tudo, Morales não pode evitar bocejar em algumas ocasiões e esfregar os olhos, avermelhados, como se estivesse com sono. Quando se pergunta se está cansado, responde: “Em que consiste o cansaço? Que história é essa de cansaço? Nem todos podem ser presidentes. Eu não entendo o cansaço”.

Pergunta: Como se chegou à boa situação vivida pela Bolívia?

Resposta: Está sendo um processo. Vem de uma longa luta contra o colonialismo interno e externo, contra o modelo neoliberal. As conquistas já são conhecidas: a estabilidade social permitiu a estabilidade política e esta, a econômica. Estamos passando de uma economia baseada em matérias-primas a uma economia industrial, e aspiramos chegar a uma economia baseada no conhecimento.

P. Em Santa Cruz, o principal bastião opositor, algumas pesquisas também o dão como vencedor. O que mudou nesses anos?

R. Demonstramos que os sindicalistas sabem governar. A direita diz que a gestão se desgasta. Talvez isso aconteça quando as autoridades estão mais focadas em fazer negócios e em conseguir benefícios para as cúpulas. Nossa experiência é a de que a política não é benefício nem negócio para pessoas, mas sacrifício para o povo.

P. Muitos afirmam que sob seu discurso de esquerda se esconde uma política capitalista.

R. Desde que chegamos, reduzimos a pobreza de 38% para 18%. O desemprego estava entre 8% e 9%; hoje é de 3%. Agora, pela Constituição, temos uma economia plural: respeita-se a propriedade privada, a comunal, a estatal, as coletivas...

P. O que passa pela sua cabeça quando o FMI ou o Banco Mundial elogiam sua gestão econômica?

R. Às vezes, que estamos fazendo algo errado. Mas também que estão aprendendo como fazer uma política econômica. As avaliações que esses organismos fazem me geram desconfiança. Os países em que o FMI decide políticas econômicas estão mal. Vocês sabem disso.

P. Por que você não quis debater com a oposição?

Queria que a Espanha fosse a porta de entrada da Europa para Evo"

R. Nunca gostei de debater. Não se trata de debater entre candidatos, mas com o povo. Eu debato com o povo. O rascunho do meu programa chegou à Central Trabalhista Boliviana, o observamos, debatemos e aprovamos. Eu não tenho porque discutir com os neoliberais. Eles estão debatendo para ver quem é o segundo.

P. Que problemas o inquietam?

R. Ainda temos burocracia. Quando eu era dirigente sindical, me divertia, resolvia todos os problemas. Quando cheguei à presidência deparei com ministros que não gastam seu dinheiro, outros que se esquecem... Tive um forte choque cultural, é difícil para mim. Da presidência podíamos garantir há dois anos a construção de uma estrada, e até agora não aconteceu. Ontem me informaram sobre a construção de uma ponte e então os técnicos me dizem que há um decreto que impede construir essa ponte. Isso me incomoda, porque para mim ganhar eleições é simples. Ganhamos seis, entre referendos, departamentais, presidenciais...

P. Se ganhar, será seu último mandato?

R. Vamos sempre respeitar a Constituição.

P. Então isso significa que será seu último mandato.

R. Isso significa que vamos respeitar a Constituição.

P. O que você imagina fazer ao deixar a presidência?

R. Eu já disse que vou montar um restaurante com alguns prefeitos, que são excelentes churrasqueiros, e vou servir comida. Vou virar cervejeiro.

P. A situação da justiça na Bolívia o preocupa?

R. Sim, temos problemas. Só se pode fazer uma revolução dentro da justiça com a participação do povo.

P. Mas, em 2011, você impulsionou o sufrágio universal para a eleição de juízes. Está arrependido?

R. Um dos equívocos da Constituição foi esse, a eleição de autoridades com o voto do povo. Lamento muito, me dói muito.

P. Qual a sua relação com a Espanha?

Fidel Castro é o homem mais solidário do mundo"

R. Diplomática. Sempre quis que a Espanha fosse a entrada da Europa para Evo, para a Bolívia. Mas há outros países, como a França, que podem servir. Era desejável que fosse a Espanha, mas não decisivo.

P. Na semana passada você se reuniu com vários dirigentes do Podemos. O que disse a eles?

R. Saudamos uma nova força política. Compartilhamos algumas experiências, desejei-lhes muita sorte. Estamos em outros tempos. Antes importávamos políticas econômicas da Europa. Agora exportamos nossas políticas para a África e outros continentes. Não só políticas sociais, também modelos econômicos.

P. Em que ponto está a relação com os Estados Unidos?

R. Para mim é como qualquer outro Governo. Não vejo como uma potência. Tinha muita confiança no Obama, porque ele vem de um setor social muito discriminado, como os afroamericanos, e nós, dos indígenas. Infelizmente, não governam nem os republicanos, nem os democratas, governam os bancos.

P. Os Estados Unidos afirmaram recentemente que a Bolívia não tem feito o suficiente para erradicar o cultivo de coca.

R. Antes, seu ataque era o comunismo; agora, o terrorismo, o narcotráfico. A UE respeita o modelo boliviano de luta contra o narcotráfico. A ONU reconhece que foi feito um esforço e que o terreno de cultivo da folha foi reduzido a 23.000 hectares. E sem mortos nem feridos como antes, quando morria um cocaleiro por semana. Sim, temos um problema com a cocaína que passa do Peru para o Brasil, mas estamos vendo como controlar as fronteiras.

P. Quando chegou ao poder, suas referências eram Hugo Chávez e Fidel Castro, e agora, quem são?

R. Continua sendo Fidel. Não considere Fidel como morto. Para mim é o homem mais solidário do mundo. Apesar do bloqueio, ninguém tem esse sentimento humano que tem Fidel.

P. De quem se sente mais próximo agora, Nicolás Maduro ou Rafael Correa?

R. Todos são companheiros, não tenho por que qualificá-los. Aqui não há presidentes de primeira ou de segunda. São companheiros anti-imperialistas e anticapitalistas, cada um com suas particularidades. Todos pertencemos a um movimento de libertação.

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