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A fila interminável da Esperança

Madrugar para chegar à lotérica não assegura a retirada do benefício Na última sexta-feira, não havia dinheiro disponível

Alto Alegre do Pindaré (MA) -
Fila na frente da lotérica Esperança.
Fila na frente da lotérica Esperança. Alex Almeida

Eram três horas da madrugada quando o avô de 80 anos de Angelita Soares Mota, 28, chegou na porta da lotérica Esperança, no centro de Alto Alegre do Pindaré, para guardar o primeiro lugar da fila para a neta. A lotérica é o único local da cidade onde é possível sacar o Bolsa Família, já que a única agência do município é de um banco privado.

Angelita havia deixado o povoado onde mora montada em um jumento às quatro horas da madrugada para substituí-lo na fila 2h44 minutos depois. Todo o esquema tinha o objetivo de garantir, naquele dia, a retirada dos 270 reais que ela recebe do Bolsa Família.

É esse sofrimento. Não posso mais trabalhar, quebrar coco. Daqui uns dias vou passar fome

Mas às 8h45 da última sexta-feira ninguém, nem mesmo ela, havia conseguido sacar o benefício. Não tinha dinheiro na lotérica. “Todo mês é isso”, conta Maria José Farias, de 45 anos, cujo genro, assim como o avô de Angelita, mora perto da lotérica. Ele chegou às quatro horas da madrugada para conseguir um lugar entre os dez primeiros da fila. “Já cheguei a receber cinco, seis dias depois”, conta.

Quem não tem parente no centro da cidade, sempre tem menos sorte. Nega, uma mulher de 38 anos que preferiu se identificar pelo apelido, saiu do povoado às 4h30 em um pau-de-arara, que passa de bairro em bairro para recolher as pessoas. Chegou quase às 6h e estava quase no final da fila, que quando a reportagem chegou ao local já era formada por cerca de 60 pessoas, a maioria já desesperançadas. “Vou esperar até meio dia. Se o dinheiro não tiver chegado, volto outro dia”.

Sentada em uma cadeira de plástico e apoiada no bastão que a auxilia a andar, Antônia Lira Alves, 62 anos, esperava a chegada do dinheiro pelo segundo dia consecutivo. No dia anterior, tinha aguardado sete horas, mas não conseguiu sacar o benefício. Para chegar, conseguiu carona no carro de um vizinho, mas não sabe quando conseguirá ajuda para voltar outra vez. “É esse sofrimento. Não posso mais trabalhar, quebrar coco. Daqui uns dias vou passar fome.”

A lotérica afirma que a demora se devia pelo fato de a Caixa Econômica Federal não ter depositado o dinheiro. Por meio da assessoria, o banco diz que sempre providencia uma remessa de dinheiro complementar para as lotéricas e que constatou que houve “atraso no início do atendimento” no dia em que o EL PAÍS esteve no local, mas que ele foi normalizado depois. Não explicou, porém, os motivos desse atraso, nem porque ele aconteceu em outros dias.

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