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A Argentina debate lei para proibir a anistia de criminosos da ditadura

O país sul-americano mudou sua postura sobre os crimes do regime Primeiro os julgou, depois os perdoou, e desde 2003 voltou a condená-los

Alejandro Rebossio
Estela de Carlotto com associados das Avós da Praça de Maio.
Estela de Carlotto com associados das Avós da Praça de Maio.AFP

Alguns países perseguiram e condenaram os criminosos de suas ditaduras logo que estas caíram. Outros o fizeram tempos depois. Muitos anistiaram todos os responsáveis. No caso da Argentina, a legislação teve seu vai-e-vem. Agora que 370 delinquentes do regime foram condenados, seu Congresso debate uma lei para evitar que no futuro um presidente os indulte ou amenize suas penas ou que uma lei os perdoe.

O país sul-americano foi um dos que mais se apressou em julgar os acusados por delitos de terrorismo de Estado poucos dias depois do retorno da democracia após a última ditadura militar (1976-1983), sob o impulso do então Governo do radical (centrista) Raúl Alfonsín (1983-1989). Em 1985 se realizou o histórico julgamento das juntas militares que governaram o país quando foram denunciadas as desaparições forçadas de 30.000 pessoas. A cúpula do regime foi então condenada à prisão perpétua, incluindo o ex-ditador Jorge Videla (1976-1981). Mas a pressão militar sobre a jovem democracia fez com que o radicalismo criasse, no ano seguinte, uma lei de ponto final para proibir novos acusados fossem chamados para declarações. Não foi suficiente: os militares protestaram na Semana Santa de 1987 e então Alfonsín promoveu outra lei do perdão, a da obediência devida, que retirava a culpa das autoridades médias e inferiores que haviam executado ordens das juntas.

Em 1989 chegou ao poder o peronista conservador Carlos Menem (1989-1999), que esteve preso por cinco anos durante a ditadura, e indultou os ex-chefes militares e os guerrilheiros presos por delitos da década de 70. As organizações de defesa dos direitos humanos e os familiares de vítimas do regime buscaram outras maneiras para conseguir justiça e acabaram na Espanha. Em 1997, o juiz Baltasar Garzón utilizou o conceito de justiça universal para começar a investigar primeiro os casos de desaparecimentos de espanhóis na Argentina e, depois, de outros argentinos. Juízes de Buenos Aires reagiram com o início de investigações sobre o único delito que havia ficado de fora das anistias, o sequestro de 500 bebês de desaparecidas.

Em 2003 o peronista de esquerda Néstor Kirchner (2003-2007) assumiu a presidência argentina e surpreendeu ao dar prioridade ao caso de voltar a julgar os criminosos. O Congresso, em 2003, e a Corte Suprema, em 2006, anularam os diversos perdões e todos os responsáveis pelos crimes de lesa humanidade, considerados imprescritíveis, voltaram a ser julgados, desde os chefes até os executores.

Mas ainda que a Suprema Corte tenha lembrado em sua sentença de 2006 que tratados internacionais proíbem a anistia aos responsáveis por terrorismo de Estado, um deputado kirchnerista e filho de desaparecidos que foi sequestrado pelo regime e recuperou sua identidade, Horacio Pietragalla, colocou uma lei que impede que eles sejam perdoados e soltos da prisão. O projeto já foi aprovado no final de agosto de 2014 por várias comissões da Câmara dos Deputados, com o apoio de todos os grupos, com a exceção do conservador Partido Proposta Republicana (PRO), que alega que os tratados internacionais já limitam os indultos, e com a dissidência da centrista Coalizão Cívica, que pede que os corruptos também não possam ser perdoados. O PRO promove a candidatura do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, para as eleições de 2015.

“Nunca abaixamos os braços e continuamos insistindo na justiça legal, a mesma que não foi dada aos nossos filhos desaparecidos”, relembra Taty Almeida, integrante das Mães da Praça de Maio Linha Fundadora, que em 1986 se distanciou da associação de mães dirigida por Hebe de Bonafini. “O atual projeto de lei me parece estupendo, mas não acredito que nenhum futuro Governo indulte. Não faltarão fascistas que queiram, mas as Forças Armadas mudaram e existe uma justiça universal vigente”, diz Almeida, com esperança.

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