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Lições contra o horror

O colégio Max Rayne é o único de Jerusalém no qual crianças israelenses e palestinas estudam juntas

Meninas do colégio Max Rayne leem em uma de suas aulas.
Meninas do colégio Max Rayne leem em uma de suas aulas.David Silverman (Getty)

Efrat Mayer não precisa de um megafone. Sua voz é ouvida até nas fileiras do fundo, e isto porque está diante de 400 pessoas. “Conseguimos 5.000 dólares (11.000 reais) para Gaza e em alguns dias começaremos a empacotar a ajuda humanitária”, informa feliz. Efrat é uma das coordenadoras do colégio Max Rayne, ou Lado a lado, como todos o conhecem, o único centro educativo de Jerusalém no qual estudam juntos crianças israelenses e palestinas, por volta de 600, que aprendem igualmente hebraico e árabe, história de um lado e do outro das linhas de guerra e, sobretudo, lições de humanidade para entender a quem outros querem transformar em adversários.

O discurso é breve. Serve para agradecer as centenas de professores, pais e crianças que se reuniram nas portas da escola em uma nova marcha, possivelmente a última, como as que realizaram em cada domingo desde o início da Operação Limite Protetor em Gaza. Sem o reforço de paz e valores que dá o Lado a lado, os jovens estariam passando férias cheias de angústia, cada qual em seu bairro, em seu ambiente, escutando ameaças e maldições sobre o contrário. Era necessário uni-los de novo. E conseguiram, uma marcha semanal sem cartazes nem bandeiras na qual o único lema está na camiseta dos estudantes: Caminhemos juntos, escrito em três idiomas.

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Kifah Abu Shamaine, pai de Mahmud, de oito anos, explica enquanto caminha que seu filho “precisava de algo que evidenciasse que o que aprendeu no colégio não se perde com a guerra. Caminhar, mesmo em silêncio como ele faz às vezes, significa avançar. É um símbolo. Isso nos deu paz e confiança nessas semanas”, reconheceu. Existem mães como Shelly – impossível anotar o sobrenome enquanto sai correndo para que sua pequena patinadora não caia – que se negam a serem vistas como “animais raros” da cidade. “Estamos convencidos de que trazendo as crianças aqui estamos criando uma nova geração de cidadãos que se conhecem diretamente, sem preconceitos nem sombras, que derrubamos muros. Eles veem seus amigos, não uma bandeira. Aprendemos com eles a cada dia”, diz emocionada.

O colégio foi criado em 1998 e agora ensina crianças da pré-escola até o final do colegial. Está situado entre o bairro israelense de Patt e o palestino de Beit Safafa. Em cada sala existe um professor árabe e outro israelense, que usam indistintamente os dois idiomas. Nas carteiras se misturam cristãos, muçulmanos e judeus de diversas tendências. Ali está, por exemplo, o rabino Yehiel Grenimann, defendendo um modelo de estudos que foi já exportado para cinco cidades israelenses, e que abriga crianças de qualquer estrato social.

Uri Ben Tzion, pai de um incansável ruivo, frisa que nos arredores do colégio foi criada uma “comunidade de amigos”. Os abraços e beijos dos que vão aparecendo na marcha constatam sua afirmação. Reconhece que não é todo mundo do seu entorno que gosta da aposta educativa para seu filho. “É duro, mas é mais honesto. Meus irmãos às vezes não conseguem falar com meu filho pois ele expõe dilemas. Aqui não são doutrinados no racismo. Aqui existe espaço para demonstrar que, se na prática já vivemos juntos, mesmo que não nos olhemos, se um dia repararmos que a pessoa do nosso lado é outro ‘eu’, deixaremos de nos machucar”, insiste.

Hoje os jovens iniciam novo semestre escolar, sem bombas nem foguetes em Gaza, e com o mérito de ter mantido viva sua amizade e seu respeito por quem fala e reza e parece diferente, mas não é.

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